ENTREVISTA ESPECIAL – Antonio Bezerra Neto

por admin_ideale

 


por Franco Fiorot


 


Imigrante é aquela pessoa que mora em um país diferente do que nasceu. O Brasil é um país de imigrantes. Aqui, chegaram para trabalhar as mais variadas etnias: italianos, alemães, poloneses e oriundos de quase todos os países da Europa e Ásia.


 


Todos esses imigrantes, com sua força de trabalho e vontade de vencer, ajudaram no crescimento do nosso país. O Estado do Espírito Santo teve forte influência dos imigrantes, e de seus descendentes, em diversos setores, principalmente na agricultura.


 


Em entrevista ao Campo Vivo, o historiador Antonio Bezerra Neto destacou a importância dos imigrantes, em especial dos italianos, para o progresso capixaba.


 


 


 


Campo Vivo: Como que a imigração, principalmente a européia, influenciou no setor agrícola aqui do Estado do Espírito Santo?


Antonio Bezerra Neto: O Espírito Santo no século 19, quando começa a imigração, sobretudo a imigração italiana, é um Estado essencialmente agrícola. O Brasil também é essencialmente agrícola, a industrialização no país é a partir dos anos 30. Essa imigração proporcionou, de uma maneira ou de outra, um novo condicionamento técnico, se não um condicionamento sofisticado, pelo menos um condicionamento razoável. É bom que se diga que o italiano que veio para o Espírito Santo, o pomerano, o tirolês, o austríaco, essas pessoas nasceram em regiões com uma história imensa, com uma história milenar, portanto quem tem milênios de história para trás, certamente tem dividendos culturais. E a agricultura, por ser uma cultura, a cultura agrícola, é essencialmente um aspecto cultural. Eu diria que quando a gente imagina que a cultura é praticamente uma obra de arte, ou é o cinema ou é a literatura, mas cultuar a terra é, na essência, um aspecto cultural.


CV: E aqui no Espírito Santo, acredito que a imigração italiana foi a base. Nós temos mais de 60% da população descendentes de imigrantes italianos. Como isso influenciou no campo?


Bezerra: Apesar de nós termos outras etnias importantíssimas, em grande parte, o Espírito Santo é filho dessa imigração italiana. Foi essa imigração para o campo que deu uma dignidade produtiva, que aumentou a produtividade, que criou a perspectiva empreendedora. Nós sabemos que o italiano tem uma capacidade comercial, ele tem uma capacidade de empreender. Se você prestar atenção, onde é que está o capital financeiro do município de Linhares hoje? Está nas mãos dos italianos. Não mais de imigrantes, mas de migrantes italianos, que chegaram aqui em Linhares nos anos 50, nos anos 60 e se capitalizaram. Portanto, dentro de um universo extremamente rudimentar, um universo miscigenado, as mãos dos italianos são fundamentais para criar novos mecanismos de aprimoramento da atividade agrícola. Por outro lado, é bom enfatizar que o imigrante italiano, o descendente de italiano, assimila com uma facilidade fabulosa a questão da cafeicultura e já a partir dos anos 70, dos anos 80, ele passa a assimilar as tecnologias com muita facilidade. Se você visitar algumas propriedades aqui no Norte do Estado, você vai constatar que quem dispõe de maior produtividade, de maior organização sob o ponto de vista de conduzir a sua lavoura, são justamente as pessoas de origem italiana, então essa capacidade empreendedora faz parte desse universo deixado pela imigração.


CV: Nós destacamos a imigração italiana porque o Espírito Santo tem mais de 60% de imigrantes italianos, mas temos outras culturas, outros povos, que vieram para cá e trouxeram suas peculiaridades…


Bezerra: Perfeitamente. É bom registrar que o propósito do imperador D. Pedro II, que é o início da imigração italiana no Brasil, evidentemente não vai ocorrer na república. A república é proclamada em 1889. O início da imigração foi a partir de 1860, 1870, e na época existia muito a idéia de branqueamento, essa idéia pairava sobre a Argentina em relação ao Brasil e o imperador necessitava dessa imigração, principalmente a imigração italiana, porque o italiano preenchia esse requisito de ser branco, preenchia um requisito fabuloso de ser de origem latina. O Brasil é um país de formação latina em função da Península Ibérica e um outro requisito do italiano era a fé católica romana. Só depois o imperador começa a permitir a vinda de pomeranos, alguns luteranos outros católicos, austríacos católicos, suíços católicos, pois existia uma certa preocupação da coroa portuguesa em perder a hegemonia. Agora, uma coisa merece uma observação crucial, todos esses imigrantes da segunda metade do século 19 vêm trabalhar necessariamente em atividades agrícolas porque o Brasil só vai se industrializar a partir dos anos 30.


CV: E eles saem em momentos difíceis na Europa.


Bezerra: Perfeitamente. A Europa teve dificuldades imensas no século 19. Nesse período, há uma superpopulação na Itália, existe a questão da fome, a própria Alemanha está entrando ainda em processo de unificação, como a Itália também. Portanto há uma conjunção de fatores. O Brasil precisa de mão-de-obra, então o país é super povoado, inclusive para substituir a mão-de-obra escrava. Embora a “emancipação” dos nossos irmãos negros ocorra em 1888, é bom que se diga que em 1870, 1875, os fazendeiros já estão despedindo seus escravos ou alforriando os escravos e já existe uma necessidade de mão-de-obra européia para o Brasil, porque o Brasil não quer mão-de-obra asiática. Só vai permitir a vinda da mão-de-obra asiática mais tarde com os japoneses. A idéia era que o mundo só seria moderno onde é possível a presença do branco, inclusive defendida por criminalistas que alegavam que a miscigenação levava o homem a cometer delitos com muita facilidade. Até hoje essa idéia da superioridade não está bem excluída e Hitler repete isso na Alemanha com a idéia de superioridade da raça ariana.


CV: No começo do mês de julho (2008) nós tivemos um projeto do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que é descendente italiano também, que foi aprovado, e agora o dia 21 de fevereiro é considerado o Dia Nacional do Imigrante Italiano. É uma homenagem justa para os imigrantes?


Bezerra: É uma decisão muito justa, porque existe, realmente, um débito imenso do Brasil em relação à Itália, então nada mais justo do que um descendente de italiano, o senador Gerson Camata, colocar na pauta essa questão do dia do imigrante. Isso é muito importante porque você ajuda a construir a perspectiva da identidade. Percebe-se que o italiano hoje no Espírito Santo sabe de sua relação com o Brasil, mas ele começa a tomar consciência que ele tem um embrião pré-Brasil. Isso é muito importante. Você não pode imaginar que a imigração ocorreu sem as razões históricas. Eu acho isso muito importante para que o neto, o bisneto de imigrante italiano instalado no Brasil possa reverenciar com maior intensidade a sua origem, como eu gosto de proclamar a minha origem lusitana.


CV: É uma forma de reconhecimento…


Bezerra: É uma forma de reconhecimento e certa gratidão a Itália e também uma gratidão maiúscula ao Brasil que acolheu de uma maneira ou de outra, independente das dificuldades. Nós sabemos que, historicamente, todo imigrante tem dificuldades, os imigrantes libaneses, os austríacos, os judeus que passaram por uma diáspora imensa. É muito bom levantar essa idéia para mostrar que o mundo, que as nações, elas são construídas através desse processo e hoje o italiano está também relativamente miscigenado de tal forma que parte da brasilidade foi construída com a presença dos imigrantes italianos e hoje dos descendentes.


CV: E hoje, muitos desses descendentes já estão migrando para outros países, como os Estados Unidos…


Bezerra: A história não é estática. O império britânico estava presente em todas as partes do mundo. Hoje a Inglaterra continua sendo uma potência, mas não tem mais o glamour do passado. A história mostra perfeitamente esses caminhos, esses descaminhos, os historiadores constroem uma dialética para entenderem essa perspectiva. Marx dizia que tudo que é sólido desmancha no ar, até o próprio marxismo, de uma maneira ou de outra, desmanchou no ar. Então, há sempre essa dinâmica, nada é estático, tudo é muito solto dentro da perspectiva histórica.


CV: Agora professor, os imigrantes italianos vêm ao Espírito Santo, começam a habitar especificamente o Sul do Estado e os próprios descendentes já migram aqui em solos capixabas (eles começam a migrar do Sul para o Norte). É bom diferenciar a questão da imigração e da migração.


Bezerra: Perfeitamente. Quem é o imigrante? É quem sai. Se eu nasci no Brasil e sou filho de italianos, eu não sou mais um imigrante. Eu sou brasileiro com raízes italianas, descendente de imigrantes. Então, o que acontece, digamos, aqui em Linhares? O italiano pouco se envolveu com o cacau, a não ser na comercialização, mas o ciclo da madeira acolhe o italiano. O italiano está louco para deixar suas pequenas propriedades, do processo inicial da imigração. Você percebe que hoje, parte dos grandes empreendimentos, aqui no Norte do Estado, ocorre muito em função dessa migração, dessa caminhada já do descendente italiano em solos do Espírito Santo. Hoje, nós não podemos mais falar em imigrantes italianos, e sim em migrantes de origem italiana. O italiano busca terras devolutas aqui, ele tem certa aptidão para negócios. Ele busca terras novas, porque tem um desejo atávico de ser empreendedor, homem de negócio. Num mundo em que o português é relativamente muito tímido para negócios, embora haja o empreendimento marítimo, o italiano, o alemão, o austríaco, entre outros, vão criar uma face nova para o Espírito Santo e para o Brasil.


CV: Além dessa influência na agricultura, a imigração posteriormente acaba influenciando na economia e na política também aqui do Espírito Santo?


Bezerra: Claro. Eu diria hoje que, possivelmente, vou arriscar, eu não tenho esses dados, talvez 70% do capital financeiro do Espírito Santo estão em mãos de descendentes italianos. Na política, você tem sempre um sobrenome italiano. Não só aqui no Espírito Santo como no resto do Brasil, porque o italiano tem a tradição política. É bom lembrar que nem todos que vem no processo de imigração possuem aptidão para agricultura. Ali, naquele universo, nós temos os anarquistas, já temos sinais de marxistas, porque a Itália, embora pobre, é um país que hospedou o império romano. Existe uma máxima que diz “nós não somos de hoje, nós somos de ontem”, então, a Itália mesmo empobrecida, em algum momento da história hospedou uma grande civilização, que foi a civilização do império romano, e isso não desapareceu de uma hora para outra.


CV: Para finalizar, então, a gente pode afirmar que essa colonização aqui do Espírito Santo pelos europeus e, principalmente pelos italianos, foi fundamental para o crescimento econômico do Estado?


Bezerra: Foi extremamente fundamental. Da mesma forma que Herodes dizia que o Nilo foi um presente para o Egito, eu diria que a colonização italiana foi um presente inquestionável para o Espírito Santo. É impressionante a quantidade de padres de origem italiana que o Espírito Santo possui. As primeiras manifestações teatrais no Espírito Santo você percebe que por trás há sempre um sobrenome italiano, nas artes pictóricas, na escrita, etc., então, o grande legado do Espírito Santo é o legado italiano.

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