Lições da crise de alimentos
Parece que desaprendemos. Rasgamos nossas anotações sobre economia agrícola. Políticas de comercialização, abastecimento e segurança alimentar, então, nem pensar.
Nem mesmo recorremos à nossa memória histórica para refletirmos e nos reposicionarmos. Desde José, no Egito, às pragas de gafanhotos, às doenças da batatinha, na Holanda, às guerras e grandes catástrofes no mundo, tudo esquecemos. Deu um branco geral.
A atual crise de alimentos vem sendo anunciada há vários anos, aqui e lá fora. As alterações na Farm Bill, que acabou com a formação de estoques públicos nos Estados Unidos, os subsídios ao milho, para produção de etanol, a subvenção ao açúcar de beterraba, na Europa etc., são alguns exemplos claros de distorções de políticas na produção e estocagem de alimentos.
No Brasil, os erros de políticas são ainda mais graves. Em primeiro lugar, pela baixa remuneração aos produtores, chegando em casos como o do trigo e do arroz a comprometer as estruturas de produção, estocagem, moagem e distribuição. A recente medida provisória (MP 432), que estabeleceu critérios de renegociação de dívidas do crédito rural é uma síntese muito boa do passivo gerado no meio rural: são 75 bilhões de reais possíveis de renegociação. Praticamente, o montante necessário ao financiamento de uma safra toda, do plantio à comercialização.
Em segundo lugar, a ausência de uma política pública de estocagem de grãos, capaz de suportar as crises de abastecimento, e evitar especulações em períodos de entressafra.
Estamos entrando num novo ano agrícola com estoques zerados, e a colheita só virá no ano que vem. Boa, se Deus nos ajudar, mas não podemos pedir sempre, porque Ele nos deu inteligência suficiente para nos prover a nós mesmos do básico, sem sobressaltos.
Mais uma vez os produtores são convocados a resolver problemas que não criaram, depois de dar excelentes respostas à sociedade na geração de divisas, na transferência histórica de renda para o desenvolvimento urbano e no controle inflacionário recente. Por sinal, a atividade agrícola, especialmente a partir do Plano Real, tem sido determinante na estabilização da moeda e na melhoria de renda da população mais pobre, pelos baixos preços dos alimentos.
O problema atual da crise de alimentos reproduz efeitos já conhecidos: carestia, miséria e fome, mas tem componentes novas. Do lado da produção, os crescentes custos são de natureza estrutural, com origem no crescimento dos preços do petróleo e seus derivados, inclusive dos insumos, e também da mão de obra, aí incluído o histórico esvaziamento do espaço rural.
Sob a ótica da demanda, os preços crescem pelo aumento do consumo, aqui e lá fora, em vista principalmente dos baixos preços dos alimentos. Mais pessoas estão a consumir mais, mas não se sabe até quando.
Nesta crise, assistimos, até agora, apenas ao realinhamento de preços historicamente defasados, por decorrência da escassez e das especulações dela decorrentes. Nada gera mais especulação do que a própria escassez.
Este foi um movimento conjuntural, tingido parcialmente por retransmissão de efeitos estruturais, ainda não totalmente incorporados nos preços, via custos de produção..
Isto leva a uma conclusão nada animadora, tanto para os produtores, como para os consumidores: Baixos custos de produção e alimentos baratos, não mais. Por muito tempo não mais.
A janela de oportunidade que, à primeira vista, se vislumbrava para os produtores, pode não passar de um “buraco de agulha”, uma vez que os avanços de produtividade, que foram substantivos, e até surpreendentes, em vários casos, nas últimas duas décadas, possivelmente não se verificarão às mesmas taxas, no futuro, pela tendência de crescimento desproporcional nos custos de produção, principalmente coma adoção de tecnologias que demandam elevadas doses de fertilizantes e outro insumos agrícolas.
Portanto, para a maioria das atividades agrícolas, dificilmente se verificará a hipótese, num horizonte perceptível, de que os ganhos de produtividade crescerão proporcionalmente mais do que os custos de produção, mesmo mantendo as condições agroclimáticas favoráveis verificadas nos últimos anos.
Para o segmento dos agricultores familiares, a receita é mais simples e antiga, embora complexa na sua implementação, particularmente quando se trata da gestão associativa: Caminhar juntos, e mesmo avançar na organização e diversificação da produção, produzindo alimentos para suas famílias, mantendo-se competitivos nas cadeias produtivas voltadas para o mercado, pela qualidade e baixo custo que historicamente os caracterizaram (por produzir seus alimentos, depender menos de insumos externos à propriedade, e incorporar menos despesas indiretas na produção).
Para os consumidores, além das estratégias muitas vezes adotadas na época de inflação alta, como compras conjuntas no atacado, comprar em final de feira, comparar preços em supermercados, e substituir produtos de entressafra por produtos de época, só restam esperar que o Governo Federal recorra aos compêndios, velhos, mas sempre úteis, de economia agrícola, comercialização e abastecimento, recuperando sua capacidade de regular e estimular a agricultura, formando estoques para os momentos de crise e liberando-os gradativamente, sempre com “bala na agulha” para inibir quaisquer movimentos especulativos de preços na entressafra, em vista das reconhecidas sazonalidade e vulnerabilidade da agricultura (a eventos climáticos ou ocorrência de pragas e doenças). Muito simples: É só fazer o B-A-BA, em prol do interesse público, descartando-se influências personalistas.
Wolmar Loss
Engenheiro agrônomo, com mestrado em economia rural e
Diretor do Instituto Teotônio Vilela (ITV) – ES

