Funcionários da Copervale (Cooperativa dos Produtores de Leite do Vale do Rio Grande) afirmaram, em depoimentos prestados à Polícia Federal anteontem, que a mistura com soda cáustica era adicionada ao leite longa vida integral havia mais de dois anos.
“Nos interrogatórios que fiz ontem [anteontem], a grande maioria dos funcionários da empresa que estava presa confirmou a fraude. Disseram que colocavam soda cáustica no leite havia mais de dois anos”, disse o delegado Ricardo Ruiz. A adulteração do leite longa vida (de caixinha) integral também foi confirmada, segundo Ruiz, pelo presidente da Copervale. O nome dele não divulgado, mas a Folha apurou tratar-se de Luis Galberto Ribeiro Ferreira.
Os diretores da Copervale, de Uberaba (MG), estão entre as 27 pessoas presas nesta semana durante a operação Ouro Branco, realizada pela Polícia Federal. A ação atingiu também a Casmil (Cooperativa Agropecuária do Sudoeste Mineiro), de Passos, suspeita de adicionar água oxigenada misturada em soro ao leite.
Juntas, as duas cooperativas produzem 400 mil litros de leite por dia. De acordo com a investigação, produtos impróprios para o consumo, como soda cáustica, água oxigenada e citrato de sódio, eram adicionados ao leite para aumentar o prazo de conservação e o volume do produto. Se ingeridas em grandes quantidades, essas substâncias podem ser prejudiciais à saúde, porém, em pequena proporção, não trazem risco ao consumidor, segundo a Anvisa e especialistas.
Dos 27 suspeitos presos, apenas seis continuavam encarcerados na tarde de ontem. Os demais foram soltos, a pedido da PF e do Ministério Público, porque teriam colaborado com a investigação. Os nomes dos detidos não foram divulgados. Os 13 funcionários da Copervale presos pela PF na segunda estão entre os liberados. Eles disseram em depoimento que não bebiam o leite longa vida integral justamente por nele haver mistura com soda cáustica, ácido cítrico, citrato de sódio, sal e açúcar -a confirmação da composição ainda depende de exames laboratoriais.
A Folha tenta ouvir o advogado da Copervale, Paulo Pimenta, desde segunda-feira. Ele disse anteontem que a cooperativa não iria se pronunciar. A soda cáustica é usada nas cooperativas de leite no processo de limpeza dos tanques de pasteurização. Cláudio Fernando Costa, que trabalha em pequenos laticínios de Minas há 20 anos, disse que o uso da soda precede o de outros dois ácidos até o enxágüe final.
Rentabilidade
Segundo o delegado Ruiz, a rentabilidade da fraude, no caso da Copervale, estava na adição de água para dar volume ao leite. Ele afirmou que a adulteração permitia “enganar” o exame de crioscopia, aplicado para verificar se o leite contém água. Misturadas à água, substâncias como a soda cáustica geram um pH que altera os resultados do exame. A PF trabalha com o percentual de 10% de adulteração -em um litro de leite, 10% seriam formados pela mistura diluída em água.
O presidente da Leite Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Leite do Brasil), Jorge Rubez, disse que o valor do leite é determinado pela qualidade, e não pela quantidade. No caso da Copervale, se a mistura era de fato capaz de burlar a crioscopia, a qualidade do leite produzido era falseada.
Procon
O Procon-SP (órgão de defesa do consumidor) notificou ontem a Nestlé e a Parmalat para responder em 48 horas se distribuíram no Estado de São Paulo leite das cooperativas mineiras envolvidas nas denúncias de adulteração. Conforme o diretor de fiscalização do Procon, Paulo Góes, o órgão aguarda os resultados da operação da Polícia Federal para decidir se notifica outras empresas.
Góes afirma que o órgão solicitou informações para as marcas em virtude de veículos de comunicação terem divulgado “de maneira pública e notória” que ambas receberam leite adulterado. O Ministério Público de São Paulo solicitou à Promotoria de Passos informações sobre eventual venda do leite da Casmil, cooperativa da cidade, a empresas paulistas.
Folha de São Paulo