Outro ano de recordes na exportação, mesmo com o País sacudido pela pandemia de Covid-19, abalado pela falta de sintonia entre os Poderes e convivendo com uma economia mundial em frangalhos. Esta é a perspectiva para as vendas externas de carne bovina brasileira para 2020, que já demonstraram fôlego no primeiro quadrimestre do ano.
De janeiro a abril, foram embarcadas 548.875 toneladas, com receita cambial de US$ 2,4 bilhões. Alta de 1% em volume e 19% em faturamento na comparação com o mesmo período de 2019. Para maio, o panorama é ainda mais positivo. A previsão é de embarcar mais de duzentas mil toneladas, com a China adquirindo tudo o que pode. E a cadeia produtiva se prepara para atropelar o resultado de US$ 7,6 bilhões em receita cambial registrado no ano passado. “Caso a China mantenha seu ritmo de compras, as exportações brasileiras de carne in natura e processada deverão crescer em volume e obter um incremento nas receitas de mais de 10%”, informou a Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO).
Junto com os chineses, vêm outros interessados com apetite. Principalmente, Rússia e Arábia Saudita que, em abril, compraram 50% a mais do que estavam acostumados. “O mês de maio certamente irá bater recorde na exportação, a China está comprando muito. É uma grande oportunidade para o nosso setor, um ano histórico para toda a cadeia do agronegócio. O Brasil está fazendo um trabalho fantástico”, reforçou Sérgio Ribas Moreira, Diretor do Serviço Brasileiro de Certificações (SBC), empresa com dezoito anos de experiência no mercado de auditar protocolos do Agronegócio e promover a sua melhoria contínua, além de permitir aos produtores agregar valor aos seus produtos e conquistar mercados mais exigentes. Líder no protocolo SISBOV (Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos), mantido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para registrar e controlar as propriedades rurais que optam por comercializar carnes para mercados que exigem rastreabilidade individual dos animais.
E é justamente um dos mercados mais exigentes para a compra de proteína bovina, a União Europeia, que representa o grande desafio das exportações brasileiras. São cerca de 120 mil toneladas por ano, basicamente cinco cortes especiais, nobres, da carcaça, algo perto de oitenta quilos por animal. E um faturamento de US$ 730 milhões.
Outra fatia do mercado da UE, de 10 mil toneladas, pode ser ocupada dentro da chamada Cota Hilton, que tem exigências diferenciadas em relação ao SISBOV. O bloco diminuiu as importações nos três primeiros meses deste ano, de 24,5 mil toneladas (mesmo período em 2019) para 21,6 mil toneladas. E a queda em abril foi ainda mais vertiginosa. Exportação de apenas 1,93 mil toneladas. Resultado de um mês catastrófico devido à Covid-19, com a Europa no epicentro da pandemia, parada completamente em vários países.
“Nações importantes, como Espanha, França, Alemanha e Reino Unido, sofreram demais e diversos canais diminuíram substancialmente ou zeraram as demandas pela carne bovina brasileira, caso de restaurantes e hotéis que fecharam temporariamente as portas. Com o setor do turismo também despencando, uma importante parte da demanda foi impactada. O mercado ficou voltado mais para coxão mole e lagarto e cortes da roda em geral, que são mais consumidos dentro dos lares, do que para o food service ou horeca (hotéis, restaurantes e catering), como os serviços dos refeitórios”, analisou o zootecnista Juliano Jubileu, diretor de exportações da JBS Unifleisch.
Sérgio Ribas explicou que, de forma geral, as fazendas vêm se mantendo certificadas no SISBOV por dois motivos principais. O protocolo recebeu permissão do Ministério da Agricultura para vistoria remota neste período de pandemia, preservando, assim, a saúde de todos, sem que haja o comprometimento do processo de verificação da conformidade em relação às regras utilizadas para embasar a certificação do protocolo. E a volta do valorizado mercado europeu ao comércio internacional. Provavelmente os frigoríficos manterão a bonificação ao produtor certificado, como antes. O certo é que, em algum momento, a Europa voltará a repor seus estoques de proteína animal e a cadeia precisa estar preparada para atendê-los. “Caso algum pecuarista desista da certificação, o retorno à lista oficial de fazendas habilitadas à exportação UE (lista TRACE) poderá levar até seis meses, perdendo, assim, oportunidades de mercado que possivelmente serão demandadas no segundo semestre”, alertou.
O executivo vem conversando com indústrias e associações de classe e acredita que, no começo de junho, haverá uma retomada da Europa com o Brasil. “No segundo semestre, o volume pode ser maior, até igualar ao que os europeus vinham comprando no ano passado. Devido ao retorno do lockdown, a reposição de estoques e a volta gradativa do consumo interno, food service etc.”, reforçou Sérgio Ribas.
E não é só a retomada gradual da vida econômica e social nos países mais ricos que mantém a expectativa da proteína vermelha brasileira. China e outras nações do sudeste asiático ainda sofrem com os casos de Peste Suína Africana e os episódios de Gripe Aviária. E os Estados Unidos, que reabriram o mercado para a carne in natura do Brasil há quase dois meses, enfrentam problemas de abastecimento de carnes. “Estamos vivendo um panorama de boas negociações do pecuarista junto à indústria. Porém, o produtor deverá estar preparado para atender a esses mercados, pois são oportunidades para agregar valor ao seu produto. Temos vários canais de exportação de carne, mais de 150 países. A vitrine sempre foi a Europa, mas temos carne para atender aos demais mercados. O foco do trabalho é agregar valor. O prêmio recebido pelo ‘boi Europa’ é bom, mas é a ponta do iceberg. Debaixo disso, tem gestão, procedimentos, cobrança, equipe interna, métodos etc. A certificação contribui para isso. É uma grande conquista”, aconselhou Sérgio Ribas.
No front interno, os preços do boi gordo seguem estáveis na maioria das regiões. O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (CEPEA/ESALQ/USP) analisa que muitos operadores estão negociando com cautela, vendendo e adquirindo novos lotes de animais quando há maior necessidade. “O mercado do boi, na prática, não sentiu tanto os efeitos da crise. Muitos frigoríficos diminuíram os abates, o que comprometeu a oferta de carne no mercado. Como a demanda estava retraída, os preços estacionaram. E a exportação com dólar elevado tem salvado a pecuária neste momento”, analisou Gustavo Figueiredo, da Consultoria AgroAgility.
Para o segundo semestre, reconhece que a demanda interna pode ser afetada pelo aumento do desemprego e o recuo do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, a oferta de animais também deve continuar restrita, já que o volume de cabeças confinadas pode ter uma queda. Sérgio Ribas concorda, mas pensa que a situação pode melhorar no segundo giro. “Muitos seguraram a compra do boi magro e o primeiro semestre pode mesmo responder assim. Mas, se o boi permanecer em R$ 200, e o milho continuar baixando, vai ter uma boa retomada no segundo giro. A arroba vem mantendo uma estabilidade impressionante e alguns fatos contribuíram para isso, como escalas mais curtas, parte dos frigoríficos em férias coletivas, menos oferta e exportações aquecidas, notadamente para a Ásia. A arroba do boi não impactou de forma negativa com todo cenário que o Brasil vem passando, a pandemia, a crise econômica e política. Era para sentir a pressão de baixa forte, mas segue firme. E a sinalização do mercado futuro também é boa. Todos esses fatores somados vêm estabilizando o boi na venda balcão. E pode melhorar com a retomada da União Europeia”, concluiu Sérgio Ribas.
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