Neste feriado de “Corpus Christi”, rumei para as Minas Gerais. Fui a Teófilo Otoni, em visita aos familiares de minha esposa. Vez em quando faço o trajeto passando por Colatina, Baixo Guandu, Aimorés, Resplendor, Conselheiro Pena, Galileia, Governador Valadares. Daí tomo a BR 116, a Rio-Bahia, até Teófilo Otoni. Na viagem, calma pelas margens do Rio doce, verifica-se um processo de degradação dos recursos naturais e esvaziamento do rural e das pequenas vilas e cidades do interior. Em contraposição, um inchamento e uma degradação social, nas cidades de maior porte do Vale.
No circuito das águas do Rio Doce, placas, somente placas, pouco de atratividade turística ou agroturística. No lado capixaba, tanto na ida como na volta dois fatos me chamaram a atenção: o estrangulamento da BR 101 Norte, especialmente no trecho Vitória-João Neiva, e as prateleiras vazias dos quitutes artesanais dos pontos de parada entre Fundão e João Neiva. Onde foram os queijos, os salames, as linguiças, o escudiguim, o capeletti, etc., tudo artesanal e fresquinho que comprávamos nestes tradicionais pontos de venda?
Esta segunda constatação me intrigou mais do que os congestionamentos da BR -101, que faz anos acontecem. Foi só a economia crescer um pouco acima da média dos 3% nos últimos anos, que o congestionamento ficou insuportável.
Mas valia à pena esperar o trânsito melhorar nas paradas de fundão a Ibiraçu, comer um pastel com caldo de cana, degustar um salame, um queijo, e sair calmamente na estrada, falando com os companheiros de viagem sobre a cultura italiana, a culinária da região. Daí a conversa se estendia, como não podia deixar de ser, para a imigração, a colonização capixaba e o grande peso dos “oriundi” neste processo.
A culinária artesanal na região acabou. Fiquei frustrado porque não consegui meus petiscos e quitutes que tanto me deleitavam, porque me transportavam à minha juventude, lá do interior do São Roque do Canaã.
Uma das poucas vantagens da idade é ter amigos. Todos com mais de 50 anos, que perambulou pelo Estado, tem pelo menos um amigo ou conhecido em cada município capixaba. Liguei para os meus. Eles sempre estão lá. Parece vinho. O tempo passa e ficam cada vez mais bem de saúde. Muitos ainda tragam uma pinga pela tardinha, para não perder o costume. Mas não esquecem o torresminho, o salame, a linguiça o queijo. Tudo é tira-gosto.
Aí me informaram: Doutor, a vigilância da saúde passou por aqui, fazia pena, tomaram, inutilizaram, mandando jogar detergente ou água sanitária e distribuíram notificação e multa pra todo mundo. Não importava se era pouco ou muito, se foi feito no próprio estabelecimento, se estava bem embalado. Não tinha o SIF (inspeção federal) ou o SIE (Inspeção Estadual), era inutilizado e o comerciante recebia uma multa.
Pombas, então acabou tudo? Ninguém mais produz artesanalmente estes alimentos que nos embalavam em nossa história? Nada, doutor, continuamos produzindo sim. Para nós mesmos, para os amigos e para aqueles apreciadores da culinária italiana. E como os apreciadores tem acesso? Aí, doutor, não podemos falar não. Senão eles nos pegam de novo. Mas olha, tudo que era vendido nas paradas de comércio éramos nós mesmos daqui da região que fazíamos, viu. Coisa limpa, higiênica, feito para nossa família comer. Apenas vendíamos o que era muito pra nós.
Aí eu me volto para as políticas públicas e reflito: Porque os governos federal, estaduais e municipais, diretamente ou por seus órgãos, divulgam a culinária italiana e outras, se não podem vender? Porque não há uma legislação simplificada para ter uma inspeção segura em município e vender o produto em outra? De que adianta falar de atividades rurais não agrícolas, agregação de valor e agroturismo se não há uma adequação efetiva e consistente da legislação e dos meios para manter a cultura e a culinária municipal/regional? Como agregar valor e reter renda circulando na região ou município, se não se viabilizam os meios?
Talvez sonhássemos demais ao elaborar os PEDEAG’s, ou fomos muito à frente e as estruturas anacrônicas do Estado não se adequaram à nova realidade. De qualquer forma, é preciso revisitar os documentos dos PEDEAG’s de 2003 e 2007, e seus estudos temáticos, e nos perguntar: Onde erramos?
Wolmar Roque Loss
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Economia Rural
e Desenvolvimento Econômico
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