ARTIGO – Economia agropecuária brasileira. O que fazer?

por admin_ideale
São notórios os inúmeros fatos e estatísticas que apontam e comprovam o sucesso da agropecuária empresarial brasileira. Entre 1990 e 2015, o saldo comercial total do Brasil atingiu 380 bilhões de dólares, mas somente foi positivo porque a agropecuária contribuiu com 942 bilhões de dólares nesse período, enquanto a contribuição dos demais setores econômicos foi negativa em 562 bilhões de dólares, assim indicando um setor que tem sido, de fato, a salvação da economia brasileira. É a evidência cabal do novo sistema agroalimentar brasileiro, fortemente movido pela busca permanente da produtividade, a excelência produtiva e a eficiência econômico-financeira. 
 
Apresenta-se nesse breve documento um conjunto de proposições sobre ações consideradas urgentes. Espera-se que possam ser discutidas e implantadas e seu foco primordial é a economia agropecuária brasileira. São argumentos oferecidos às autoridades do País como contribuição para o enfrentamento da atual crise econômica e se referem a ações assentadas em dois pressupostos determinantes. Primeiramente, a verificação de ser gigantesca a crise fiscal e, em consequência, os recursos disponíveis são (ainda mais) escassos e, necessariamente, as iniciativas precisarão conformar-se a uma rígida escala de prioridades.
 
Em segundo lugar, a certeza de ser a dinamização produtiva do setor agropecuário uma das principais vias de superação da atual crise econômica (senão a principal), por seus efeitos de capilaridade virtuosa em todo o restante da economia, também influenciando positivamente inúmeras regiões do interior. 
 
Os temas propostos são concisamente apresentados a seguir e organizam-se em torno de eixos estratégicos, os quais sustentam que a economia agropecuária e suas organizações devem: 
 
(i) fomentar o crescimento produtivo e ampliar o comércio global, assegurando assim que o setor possa manter seu indiscutível papel positivo na economia, sobretudo em um período de crise; 
(ii) fomentar os investimentos, desde aqueles em torno das cadeias produtivas, incluindo a recuperação do setor de bioenergia, ou então aqueles destinados à infraestrutura logística; 
(iii) mitigar tensões sociais no campo, a partir de uma forte estratégia de debates públicos com as diversas organizações e os atores sociais envolvidos; 
(iv) liderar a elaboração de uma estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil, a qual possa ser posta efetivamente em execução a partir de 2017-2018. 
 
 
1. Produção e comércio 
 
(a) é urgente estabelecer prioridades (em face dos recursos escassos) no tocante ao aperfeiçoamento rápido da infraestrutura que maximize o crescimento sustentável e sustentado do setor nos próximos anos. Uma agenda que sinalize o rol de obras que realmente sairão do papel, estimulando novos investimentos dentro e fora da porteira. Essa agenda incluiria, prioritariamente, ajustes no programa de financiamento destinado à construção de armazéns privados; o encaminhamento da solução definitiva da expansão e da qualidade da malha viária que liga o Centro-Oeste aos portos e pontos de embarque e, finalmente, a modernização dos portos de exportação; 
 
(b) concretizar uma ação de colaboração estatal e privada efetivamente agressiva em relação aos mercados de exportação, realizando esforços de conhecimento acerca da segmentação desses mercados em termos dos níveis de renda e as características das demandas diferenciadas. As exportações são hoje concentradas em matérias primas de baixo ou nenhum processamento agroindustrial. Os objetivos principais são dois: elevar a participação de produtos industrializados na pauta de exportações e, adicionalmente, adensar as cadeias produtivas, gerando mais emprego e renda no país, desenvolvendo capacidades que permitam ao Brasil produzir e exportar produtos portadores de mais tecnologia e inovações, mais valorizados nos mercados internacionais do que as commodities; 
 
(c) estabelecer programas de estímulos (creditícios ou de outra natureza) destinados ao aumento da produção sustentável, baseada fundamentalmente em ganhos de eficiência e elevação da produtividade. Para esse intento, entretanto, são necessários esforços muito mais criativos e decisivos para oferecer novas fontes de financiamento para a agropecuária, em face do visível esgotamento relativo da via convencional de mobilização de recursos para assegurar o “Plano Safra”, em cada ano. Igualmente, reestruturar uma política sólida e efetiva de seguro agrícola; 
 
(d) é preciso garantir a permanência nos mercados internacionais já conquistados, mas ensejando esforço mais robusto para conquistar a exportação de mercadorias agropecuárias brasileiras também em novos mercados. Apenas por essa via será possível incluir economicamente um número crescente de produtores rurais brasileiros, pois o crescimento do mercado interno é mais lento e a exportação é a única saída de curto prazo para uma proporção expressiva de produtores de tamanho médio; 
 
(e) sob tal estratégia, uma ação de maior agressividade no confronto com as barreiras comerciais ainda existentes, sempre ressaltando que o comércio externo é absolutamente fundamental e não pode falhar, pois, se assim não for, destruiria tudo o que já foi conquistado em termos da modernização da agropecuária brasileira; 
 
(f) atualmente, uma pequena proporção de produtores rurais responde por 90% do total da produção agropecuária, com parcela considerável dedicada à venda nos mercados externos. Embora tecnologicamente muito avançados, precisam ser acompanhados pelo Estado brasileiro, pois se forem bem-sucedidos em sua integração aos mercados globais, também estarão assegurando o abastecimento interno com solidez. Para tanto, é preciso intensificar o diálogo e as parcerias com o setor privado da agropecuária. 
 
 
2. Desafios (principais) dentro da porteira 
 
(a) No tocante aos estabelecimentos rurais mais modernizados, o objetivo de curto (a médio) prazo será concretizar em proporções crescentes uma “agricultura de precisão”, expressão que sugere a combinação de diversas tecnologias, inclusive de gestão, as quais poupem recursos naturais, maximizem as sinergias internas aos estabelecimentos, potencializem a eficiência tecnológica e econômica e ampliem as chances de rentabilidade final da atividade. A agricultura de precisão é o fundamento econômico e técnico da intensificação sustentável na agricultura moderna; 
 
(b) a agricultura brasileira está submetida a um contexto de intensa concorrência, que se por um lado tem operado como força motriz para a elevação dos patamares de produtividade e o fomento às três inovações, por outro também tem produzido processos nítidos de darwinismo social. É preciso difundir mais informações para minimizar as imperfeições de mercado e oferecer mais chances de sobrevivência aos produtores de menor porte econômico; 
 
(c) é preciso avançar muito mais na concretização de uma “agropecuária sustentável”. Os avanços notáveis em produtividade têm garantido efeitos poupa-recursos (especialmente no que diz respeito ao uso da terra), além de aprofundar a consciência ambiental dos produtores. O Código Florestal, no geral, foi um avanço para esse objetivo, mas é preciso realizar mais para garantir a eficiência econômica e produtiva em correspondência com a sustentabilidade ambiental; 
 
 
3. Estado e políticas para as regiões rurais 
 
(a) estabelecer uma lógica de ação governamental muito mais consistente e consequente. A existência de dois ministérios competidores entre si, um dedicado à agricultura empresarial e o outro aos produtores mais pobres, perdeu o seu significado. Propõe-se a extinção de ambos, o MAPA e o MDA, e a constituição de único ministério, o qual poderia ser intitulado “Ministério do Desenvolvimento Rural”. O novo ente público poderá criar sinergias operacionais, reduzir custos e estabelecer uma estratégia de ação governamental que não promova a divisão social, mas, pelo contrário, estimule as formas de cooperação entre os produtores, sobretudo as organizacionais; 
 
(b) a política de redistribuição de terras mostrou-se incapaz de oferecer chances econômicas às famílias rurais mais pobres e não alterou os índices de concentração fundiária. Como não existe mais demanda social pelo acesso à terra, a extinção do INCRA é apenas a consequência lógica e deveria ser substituído por um “Instituto de Terras”, conforme propõe o próprio sindicato dos técnicos daquela autarquia; 
 
(c) os assentamentos rurais deverão ser objeto de políticas públicas destinadas ao grande público dos pequenos produtores (a chamada “agricultura familiar”), sem nenhuma distinção programática entre as categorias de produtores; 
 
(d) o Estado precisa organizar mais eficientemente um serviço de defesa sanitária, assegurando a proteção da produção e seus riscos sanitários, introduzindo cuidados que os mercados e a população exigem e, assim, reduzindo ao mínimo as ameaças desse campo; 
 
(e) em relação às políticas mais tradicionais que fazem parte do cardápio atual do MAPA e do MDA, a maioria delas precisa sofrer uma atualização correspondente às transformações estruturais recentes da agropecuária, pois estão obsoletas. Para isso, é urgente o desenvolvimento de um conjunto de mudanças administrativas, no âmbito do Estado e na esfera privada, para criar uma genuína agenda de ações nas regiões rurais que possa promover a prosperidade social, com equidade, inclusão produtiva e sustentabilidade. Como são muitas as recomendações sob esse foco, registre-se nesta parte apenas a proposição geral relativa à necessidade de mudar substancialmente a ação governamental; 
 
(f) assim como ocorre em outros países que ostentam uma agropecuária forte, como é o caso dos Estados Unidos, o Brasil deveria também instituir e atualizar regularmente sua lei agrícola, organizando normativamente o funcionamento da ação governamental e justificando o conjunto de políticas existentes. 
 
 
4. Desafios estratégicos (principais) fora da porteira 
 
(a) é preciso estabelecer diversas iniciativas e esforços, ainda que sob uma forma “piloto”, em regiões determinadas e sob empreendimentos específicos, para desenvolver a miríade dos novos produtos que estão sendo propostos. Desde os biocombustíveis de “novas gerações” aos plásticos biodegradáveis que talvez possam ser gerados pelo setor alcoolquímico, dos alimentos nutracêuticos à nanucelulose; 
(b) um esforço de urgência estratégica se relaciona ao conhecimento fino das demandas dos consumidores oriundas dos múltiplos mercados, seja o interno ou os mercados globais. São demandas diferenciadas decorrentes da difusão da informação, de um lado, e da elevação dos níveis de renda, por outro lado. O Brasil poderá ser um dos maiores beneficiários desse conhecimento sobre os novos mercados e as novas demandas atualmente sendo apresentadas. 
 
 
5. O desafio estratégico redistributivo – a nova forma da “questão social” 
 
(a) uma alta proporção de estabelecimentos rurais (algo entre 75-85% do total) ficou à margem do processo de modernização produtiva, sendo muito pobres. A tecnologia moderna, mesmo quando acessível, não tem sido o caminho econômico para esses produtores rurais. Atualmente, seu maior desafio é o organizacional, o que permitirá a esses pequenos estabelecimentos rurais vender seus produtos competitivamente, igualmente comprando insumos em condições mais favorecidas. Por esta razão, um esforço forte e efetivo necessita ser incentivado em relação à multiplicação das cooperativas, beneficiando-se das experiências bem sucedidas já existentes, sobretudo no Sul do Brasil, as quais poderão servir de modelos de êxito para regiões e atividades nas quais se concentrem atividades agrícolas mantidas por pequenos produtores. Minimizar a pobreza rural irá demandar a combinação de diversas ações, sobretudo públicas, para criar mais oportunidades para as famílias rurais afetadas; 
 
(b) deve-se desenhar, com urgência, uma estratégia específica para o Nordeste rural, onde se concentra a metade das famílias rurais consideradas tecnicamente pobres. A ação deverá combinar iniciativas agronômicas e produtivas, assistência técnica apropriada e políticas públicas de sustentação de renda mínima, as quais garantam melhores condições de vida; 
 
(c) se não for desenhada uma estratégia correta destinada a esse vastíssimo grupo social de pequenos produtores, atualmente encurralado pelas forças econômicas e pelos processos sociais e demográficos nas regiões rurais, o Brasil poderá repetir, no próximo decênio, o mesmo fenômeno ocorrido nos Estados Unidos, entre o pós-guerra e até o final da década de 1970, que foi a eliminação de pouco mais da metade dos imóveis rurais existentes. 
 
 
6. Ações de médio prazo: pesquisa agrícola e legislação trabalhista 
 
(a) a agropecuária brasileira, em suas regiões mais dinâmicas e seus ramos produtivos de maior densidade monetária, é movida celeremente pelo conhecimento científico e a sua tradução prática em inovações e novas tecnologias. A pesquisa agrícola é um pressuposto essencial à continuidade do processo de aperfeiçoamento produtivo do setor. Mas o chamado “sistema nacional de pesquisa agrícola” (Embrapa, e os organismos estaduais de pesquisa agrícola) precisa passar por uma reestruturação que o faça mais afinado com as exigências atuais do crescimento agropecuário; 
 
(b) especificamente em relação à Embrapa, duas exigências em relação ao período vindouro são necessárias. A primeira delas é instituir normativamente um processo de ocupação de seus cargos dirigentes que seja essencialmente público, transparente e fundado exclusivamente no mérito. O segundo tema diz respeito ao forte investimento que a Empresa deveria realizar no campo da “biologia pura”, pois é campo multidisciplinar no qual as tendências de transformação produtiva mais têm avançado; 
 
(c) um desafio igualmente problemático diz respeito à legislação trabalhista, em face da natureza distinta das atividades agropecuárias. A legislação não atende a essas especificidades e, também, às mudanças que vêm ocorrendo no campo, as quais exigiriam adaptações diversas. Esse é tema de difícil discussão política, mas precisará ser enfrentado nos anos vindouros, como uma exigência para a continuidade da modernização do setor. 
 
 
 
 
 
Antônio Márcio Buainain, economista e pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp;
Arnaldo Jardim, engenheiro civil, atual Secretário da Agricultura de São Paulo;
Eliseu Alves, economista e pesquisador da Embrapa;
José Roberto Mendonça de Barros, ; economista e diretor-presidente da MB Associados;
Octaciano Neto, sociólogo e atual Secretário da Agricultura do Espírito Santo;
Zander Navarro, sociólogo e pesquisador da Embrapa.

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