
O Brasil é o único país das Américas preparado para enfrentar a forma mais grave da murcha-de-fusário, a Raça Tropical 4 (TR4). Isso foi confirmado por um estudo da Embrapa realizado na Colômbia, que comprovou a resistência das cultivares BRS Princesa e BRS Platina ao patógeno. A descoberta abre caminho para o uso dessas variedades como barreiras naturais contra a disseminação da doença em escala global. Como a murcha-de-fusário é endêmica em todas as regiões produtoras de banana, ela tem causado bilhões em perdas ao contaminar plantações e impor restrições à exportação.
O fungo causador da murcha de fusarium – Fusarium oxysporum f. sp. cubense (Foc), que também ocorre em 17 países da Ásia, África e Oceania -, dissemina-se por meio de solo contaminado por sapatos e ferramentas, mudas de bananeira (visualmente saudáveis, mas infectadas) e plantas ornamentais hospedeiras. Anteriormente conhecido como mal-do-Panamá, a Raça Tropical 4 ainda não chegou ao Brasil, mas já esteve presente nos vizinhos Colômbia (desde 2019), Peru (2020) e Venezuela (2023). Esses países fazem fronteira com o Brasil, o que deixa a bananicultura nacional em permanente estado de alerta, dado o risco iminente de entrada da doença em solo brasileiro.
BRS Princesa e BRS Platina e diploides geneticamente melhorados (parentes ancestrais das variedades atuais utilizadas no melhoramento genético) foram submetidos a testes na Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária ( AgroSavia ). Eles foram colocados ao lado de bananeiras Williams, cultivares testemunhas altamente suscetíveis dentro do grupo Cavendish, que é a variedade mais consumida em todo o mundo. O experimento ocorreu em um local muito representativo: a primeira fazenda em que a raça tropical 4 foi identificada em toda a Colômbia, em uma área cedida pelo proprietário para pesquisa, sob supervisão do Instituto Colombiano de Agricultura ( ICA ).
Cultivares foram testadas em áreas infectadas na Colômbia
As primeiras mudas in vitro chegaram ao país em janeiro de 2022 e foram transferidas para a estação de quarentena do ICA, onde permaneceram por oito meses para confirmar a ausência de fungos, bactérias, vírus e nematoides exóticos. Após a quarentena, o patógeno foi inoculado nas plantas em casa de vegetação e, em seguida, as mudas foram testadas em tanques de água com solo contaminado. “Quando estavam mais velhas, as mudas BRS Princesa e BRS Platina foram transferidas para o campo, em uma área que já apresentava a doença”, afirma Mónica Betancourt, pesquisadora sênior da AgroSavia. Ela representa a empresa no convênio com a Embrapa e a Associação de Produtores de Banana da Colômbia ( Augura ) e é a líder da equipe de pesquisa. A Augura também cofinancia o projeto, que está em sua primeira fase (2021-2026).
Betancourt explica que quatro ciclos de produção foram estabelecidos na Colômbia. O terceiro comprovou que menos de 1% das plantas de BRS Princesa e BRS Platina foram afetadas. Uma faixa de 5% a 8% significaria alto risco. “Por isso, as consideramos resistentes”, afirmou. Os testes de produtividade ainda não foram concluídos porque não é possível compará-las com variedades dos mesmos tipos, já que a Colômbia não cultiva as bananas-da-seda e maçã, que praticamente desapareceram devido à murcha de fusário. Segundo a pesquisadora, diploides também foram introduzidos como base para um programa de melhoramento na Colômbia. “Seria uma réplica do programa da Embrapa, exceto para a Cavendish”, relata.
Segundo o pesquisador Edson Perito Amorim , líder do Programa de Melhoramento de Banana e Banana-da- terra da Embrapa Mandioca e Fruticultura , dentro de uma estratégia de melhoramento preventivo, a parceria com a Colômbia foi de extrema importância, pois o material genético brasileiro foi testado em outro país onde a doença está presente, o que permitiu fechar o ciclo de melhoramento. “Enviamos três híbridos comerciais que o programa desenvolveu e eles se mostraram 100% eficientes, incluindo um que será lançado em 2026”, informa.

O material enviado à Colômbia também incluiu subprodutos da cultivar Cavendish Grande Naine, que apresentou resistência à raça 4 subtropical da murcha-de-fusário no Brasil e tem potencial para também apresentar resistência à raça 4 tropical, afirma Janay Almeida dos Santos-Serejo , pesquisadora da Embrapa. “Esperamos identificar pelo menos um somaclone com resistência à raça 4 tropical”, afirma Santos-Serejo, informando que os resultados devem sair no próximo ano. Somaclones são mutações naturais induzidas in vitro.
“O maior desafio não é desenvolver resistência, mas sim agradar tanto o produtor quanto o consumidor, aliando qualidade, produtividade e sabor”, afirma Amorim. Ele conta que, após 40 anos de programa, foram obtidos materiais geneticamente melhorados muito superiores aos do passado, e lembra que o trabalho envolveu inoculação para seleção do material, uso de biotecnologia, estudos moleculares e conhecimento da genética do Fusarium, obtido pela própria Embrapa.
Testes de laboratório já indicavam que as variedades poderiam ser resistentes. “Vários marcadores moleculares de resistência à raça 4 também apareceriam em nossos genótipos, mas isso só pode ser comprovado por inoculação artificial com o patógeno”, relata Fernando Haddad , fitopatologista da Embrapa que lidera as pesquisas sobre Fusarium. Segundo ele, não foi por acaso: “Nosso programa de melhoramento sempre teve como foco a resistência ao Fusarium, desde que foi liderado pelo [pesquisador aposentado] Sebastião Silva com o apoio do Zilton Cordeiro, mas só tivemos a oportunidade de testar para a raça 4 até agora”.
Vigilância total
“Há alguns anos, o Ministério da Agricultura do Brasil priorizou a praga em seu sistema oficial de vigilância [Programa Nacional de Prevenção e Vigilância de Pragas Quarentenárias Ausentes] para evitar que a doença entre no território nacional e, caso chegue, atuar o mais rápido possível para minimizar seus impactos. Esse trabalho dá tempo à ciência para produzir resultados. E eles estão aqui”, comemora Ricardo Hilman, auditor fiscal federal agropecuário e gerente da Coordenação de Controle de Pragas do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do ministério.
Apesar da resistência obtida, o representante do Ministério alerta para os cuidados para evitar a doença. “Os produtores não podem baixar a guarda, assim como os serviços de vigilância fitossanitária manterão suas atividades e ações preventivas. Queremos que a praga demore o máximo possível para chegar, pois ela sempre causa algum impacto. É importante que os produtores façam a sua parte, observando o material de propagação, pessoas que entram na propriedade, utensílios, equipamentos, tratores utilizados, etc.”
No Brasil, as ações de vigilância são de responsabilidade do Ministério da Agricultura, das Superintendências Federais de Agricultura e dos órgãos estaduais de defesa sanitária. Essas ações podem ser individuais, conjuntas ou complementares, abrangendo desde a padronização internacional para importação de material de propagação até a vigilância em portos, aeroportos e fronteiras; treinamento de equipes; simulações; e suporte laboratorial para detecção precoce.
“Um exemplo é o sistema de inquérito fitossanitário desenvolvido em conjunto com a Embrapa Territorial , que reúne informações sobre possíveis rotas de chegada, considerando a presença do patógeno em países vizinhos, rotas de trânsito, fluxo de pessoas e importações. É um trabalho de análise de dados e inteligência”, diz Hilman. O Ministério e a Embrapa estão em processo de reestruturação do seu plano de contingência: “Havia um protocolo de erradicação que seguia padrões internacionais. Podemos sugerir uma cláusula estipulando que qualquer novo plantio seja feito com material resistente”, comenta Haddad.
Um alívio para os agricultores
Para Augusto Aranha, presidente da Associação dos Produtores de Banana do Vale do Ribeira (Abavar) e responsável pela produção de banana na empresa Trop Sabor , a notícia é um alívio para os produtores do maior polo nacional de fruticultura. “No caso de uma possível chegada da TR4, talvez o vale [do Ribeira] seja a região mais vulnerável do país, devido à [estrada] BR [116], que corta toda a área, e porque os cursos d’água podem se tornar veículos de disseminação. Ter variedades resistentes nos dá a tranquilidade de saber que, cultivando BRS Princesa e BRS Platina, conseguiremos produzir, pois, por enquanto, ainda não temos confirmação oficial sobre resistência na Cavendish [tipo de banana mais cultivado no vale]”, afirma.
A preocupação de Abavar é proporcional à força da bananicultura na região, já que a fruta representa mais de 70% da economia local, ocupando 30 mil hectares. “A TR4 é uma doença que pode dizimar a bananicultura e causar um impacto enorme no Vale. O que seria produzido? Além disso, algumas áreas poderiam ser barradas, colocadas em quarentena ou sequer serem aráveis em curto prazo. Seria terrível. Apesar das variedades, não podemos abrir mão das normas de biossegurança ou fitossanitárias. Se a doença entrar de forma tão severa que não permita mais a produção, levaria de três a cinco anos até que houvesse bananas das novas variedades. Como há outras regiões produtoras e as bananas podem ser importadas, essa janela de tempo pode afetar a economia do Vale e fazer com que ele perca sua vocação para a fruta”, pondera Aranha.
Em setembro de 2020, supermercados da capital paulista receberam as frutas BRS Princesa da TropSabor para degustação. “Trabalhamos em conjunto com a Embrapa para que os consumidores conhecessem a variedade, que estava muito bem posicionada. Poucos notaram diferença entre ela e a original. Além disso, é possível consumi-la a partir de um certo estágio de maturação, enquanto a original não atinge a mesma cor no mesmo período”, explica. Hoje, a TropSabor possui 200 hectares de bananas, sendo 25 com BRS Princesa e 20 com BRS Platinum.
Parcerias latino-americanas para salvar bananas
Além da AgroSavia, a Embrapa realiza estudos em parceria com a Corporação Nacional de Bananas da Costa Rica ( Corbana ), que investe em pesquisas com a Cavendish. Amorim informa que, devido à dificuldade de desenvolvimento de sementes de Cavendish para melhoramento genético, o custo é alto. “Enquanto, em média, produz-se uma semente para um cacho inteiro de bananas Silk, para a Nanica [caverna anã], é uma semente para cada 500 cachos. Hoje, realizamos o melhoramento genético de banana Silk com 400 plantas na Embrapa”, detalha.

No terreno da Corbana, a empresa brasileira mantém cinco hectares de Cavendish com 2.000 plantas por hectare, totalizando 10.000 plantas. Amorim relata que a parceria com a Corbana resultou em 25 novos híbridos. Todos eles serão avaliados em campo quanto à qualidade dos cachos e frutos. Enquanto isso, com a AgroSavia, a Embrapa desenvolveu outros três híbridos.
O pesquisador afirma que os materiais utilizados para obter os híbridos são resistentes à murcha de fusarium, raça tropical 4. “Portanto, é possível que alguns dos híbridos desenvolvidos a partir de Cavendish também possuam resistência a essa terrível doença. Esperamos ter essa resposta em breve”, relata o cientista.
No Brasil, a avaliação agronômica da nova variedade de seda, a ser lançada em 2026, está sendo realizada no norte de Minas Gerais, outra grande região produtora, e é liderada por Haddad, com a participação de Leandro Rocha e Alberto Vilarinhos , analista e pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, respectivamente. O trabalho é realizado em parceria com os grupos Brasnica, Borborema, Loschi e Marcos Ribeiro, o que otimiza os ajustes pós-colheita (principalmente no que se refere à aclimatação de uma nova variedade) e acelera a validação comercial.
Embrapa Mandioca e Frutas