Matéria publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL CAFÉ (Edição 46 – Julho 2021)
Qualidade do café na xícara está relacionada a inúmeros fatores
Em 2020 ele foi a segunda bebida mais consumida do mundo, perdendo apenas para a água. Além de ter um sabor único, fornece energia e eleva a disposição, sendo muito consumido nas manhãs do mundo inteiro. É claro que essa bebida é o café, responsável por adoçar, saborear e empregar muitas pessoas no mundo todo.
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José Altino, Pesquisador do Incaper
Pesquisador do Instituto Capixaba de Pesquisa e Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), José Altino, destaca que o café é uma bebida de grande complexidade assim como o vinho e outras bebidas nobres. “O sabor do café advém de inúmeros fatores e a percepção dos mais atentos podem detectar toda sua estória do pé a xícara. Portanto, todo o processo deve ser cuidadoso para que se alcance maior qualidade. O clima e a região, a nutrição, as práticas de colheita e pós colheita, tudo bem feito pode agregar como também prejudicar o resultado final na xícara. Mas os dois grandes influenciadores de um bom resultado final com certeza são a maturação e a secagem. Obviamente que aliado a isso também todo o processo industrial, torra, moagem, etc, que também podem alterar em muito o resultado final”, pontuou o pesquisador.
Para José Altino, um dos processos importantes para garantir um bom resultado, está na colheita. “Atualmente essa é uma etapa de grande preocupação para o mercado de café. O afobamento que leva o produtor a colher os frutos imaturos ocasiona grandes prejuízos para o rendimento e a qualidade. Eles precisam se atentar de que uma colheita bem feita, com frutos maduros, garante maior peso dos grãos e certamente um café com mais doçura e acidez”, diz Altino.
Existem ainda diversos caminhos do processamento do café onde cada produtor defende como melhor o que mais te atende e domina. “Esta é uma grande realidade que demonstra a necessidade de que o produtor domine o processo que escolheu, pois receita nenhuma garante um bom resultado se não for bem executada. Seja a opção pelo uso de secadores mecânicos, terreiros aberto/cobertos ou com a utilização do descascamento. A umidade das sementes, após a secagem, para o armazenamento, é outro grande fator que sem critérios interferirá muito na qualidade e conservação do produto. As sementes devem ser armazenadas com 12% de umidade. A falta de atenção a este parâmetro faz com que o grão armazenado decaia sua qualidade por deterioração”, ensina o pesquisador.
Para Altino, há ainda outros processos importantes que devem ser observados pelo produtor como o processamento industrial, a torra do grão (somente uma torra bem executada é que poderá assegurar na bebida, que todas as características advindas do campo, se expressem na xícara) e a moagem do grão. “O mercado se modernizou e apresenta hoje diversas formas de preparo/extração. Do expresso que exige um pó mais fino à cafeteria italiana que pede um pó de maior granulometria. Há ainda o processo da escolha da embalagem, que além de agregar um visual que promova o produto, tem papel importante na conservação do mesmo. Embalagens que mantenha a umidade ideal do produto e abrigue o mesmo da luz, confere maior vida de prateleira”, pontua.
Comparar a qualidade de uma bebida feita com o café arábica para uma feita com o conilon, para José Altino, é fazer uma comparação infeliz, pois os produtos são de espécies diferentes o que resulta em óbvias diferenças em sua composição. “O café conilon possui maiores teores de cafeína lhe conferindo um amargor mais pronunciado em relação a outra espécie. Porém, ambas podem ser produzidas com alto padrão de qualidade, ou mesmo sem os devidos cuidados, apresentarem péssimas bebidas. A qualidade dos processos, a entrega do produto final é quem diz o que cada um pode apresentar. Ou seja, tanto um excelente arábica quanto um excelente conilon, poderão ter o mesmo nível de qualidade, tendo cada um dos mesmos características peculiares a sua espécie. O que muda é pertinente a percepção e a preferência de sabores de quem consome. É o mesmo que debater quem apresenta melhor sabor, giló ou maxixe, tem quem gosta dos dois ou de nenhum”, destaca.
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Diretor de Qualidade da empresa Robusta Coffee, Jonas Orletti
Quem também segue nessa linha dos variados fatores que influenciam na qualidade do café é o Diretor de Qualidade da empresa Robusta Coffee, Jonas Orletti. Segundo o especialista tais fatores começam na lavoura, como a variedade da planta, os tratos culturais de doenças e pragas, a disponibilidade de água, composição da adubação, altitude, clima, ponto de colheita, processos pós-colheita, forma de secagem, e armazenamento. “Levando-se em consideração que temos um ambiente favorável em relação ao plantio, e que tudo tenha corrido bem durante a fase de maturação do fruto, a porta de entrada para a qualidade é o ponto ideal de colheita, aquele em que o fruto completou todo o seu ciclo de maturação. Os passos seguintes podem variar um pouco conforme a espécie de café (arábica ou conilon), mas como regra, é necessário ter um cuidado especial com o café colhido para que não tenha contato com fatores externos que possam contaminar o fruto e causar uma fermentação indesejada. Em qualquer que seja o processamento, a secagem deste café deve ser lenta e uniforme”, ressalta.
Orletti diz ainda como é feita a degustação do café após todo processo acima citado. “A degustação é feita seguindo protocolos internacionais que garantem a uniformidade dos resultados da avaliação. Muito se fala apenas da avaliação sensorial para pontuação, mas como estamos falando de café de qualidade e não apenas de cafés especiais, na prática, podemos dividir em dois tipos: uma para saber se o café atende as exigências de qualidade de um contrato de venda para indústria ou exportação, por exemplo, e outra utilizada em concursos, ou para definir atributos sensoriais e notas de um café especial. Na primeira o café é avaliado levando-se em consideração se ele está livre de defeitos, como mofo, verde, ardido, terra, etc. Também é analisado se ele está uniforme, se todas as xicaras estão iguais. Já na segunda, o café avaliado é descrito e pontuado utilizando o protocolo da SCA. A degustação, neste caso, é um exercício de utilização dos sentidos para avaliar as características da bebida. Juntamente com o sentido do paladar, também são utilizados os sentidos do olfato e do tato (que é o contato com a boca e língua)”, explica Jonas.
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Gustavo Sturm, Engenheiro Agrônomo,
mestre em Produção Vegetal e Cafeicultor
Para o Engenheiro Agrônomo, mestre em Produção Vegetal, e Cafeicultor no sul da Bahia, Gustavo Sturm, os principais fatores relacionados com a qualidade do café são os genéticos (espécies, variedades), os ecológicos (diferentes condições ambientais onde é cultivado) e o processamento ao qual é submetido (colheita, preparo, secagem e armazenamento). “Devido a grande variabilidade desta espécie, são encontrados materiais genéticos com diferenças significativas nos vários atributos de qualidade sensorial, como sabor, aroma, acidez e doçura. Portanto, já que existe esta diversidade, é importante a busca por materiais produtivos e com qualidade de bebida”, alertou.
Para ele, as características físicas e químicas do solo, assim como a fonte e quantidade dos fertilizantes são outros fatores determinantes na qualidade. “Deve-se escolher solos adequados ao plantio da cultura e realizar um bom preparo desde a implantação da lavoura. Uma adubação correta, com nutrição equilibrada é fundamental para uma bebida de boa qualidade”, diz Sturm.
Outro fator importante também destacado pelos especialistas é o processo de secagem que é uma das operações mais importantes para a melhoria da qualidade. A escolha do método de secagem depende de fatores como o nível tecnológico do produtor, os preços de mercado e as condições climáticas da região. “De nada adianta o produtor ter um bom material genético, ambiente favorável e um bom manejo da lavoura se o café não for adequadamente colhido e preparado”, diz Gustavo.
Referente à torra, assim como a moagem, há processos fundamentais para o café poder apresentar o seu potencial máximo em termos de qualidade. “Existem vários atributos sensoriais que podem ser alterados durante o processo de torra, tal como acidez, doçura, amargor, e para cada café existe um perfil de torra mais adequado. Quanto a moagem, para cada tipo de preparo do café, tem uma mais recomendada”, explica Gustavo, mencionando ainda que a fermentação do café é um processo milenar no qual utilizam-se os microorganismos na preparação de alimentos como queijos, vinho e iogurte. “No caso do café, é uma das ferramentas que podem contribuir para a obtenção de um conilon fino, fornecendo características especiais para a xícara”, afirma.
Redação Campo Vivo