ARTIGO – “A resposta correta estava equivocada”, por Marcelo Barreto

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Algumas questões presentes nas últimas provas do ENEM chamaram a atenção dos pais e da sociedade pela presença de questões de caráter eminentemente ideológico. Tal fato evidenciou que o ensino brasileiro tem sido instrumento de propagação de pensamentos ideológicos. Não me refiro aqui ao debate de tais questões, e sim a uma espécie de doutrinamento que deixa de lado a devida fundamentação científica.
 
Como era esperado, uma vítima dos ataques foram os agrotóxicos.  No caso em questão, mostrou-se uma charge onde um homem suspeita que sua esposa queira mata-lo. A suspeita veio a partir do momento que ela havia preparado um jantar com alface e tomate e a sobremesa com morango e uva. Esta charge é uma alusão equivocada aos resultados amplamente divulgados pela mídia obtidos a partir do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), coordenado pela ANVISA.
 
Logicamente não será este texto com aproximadamente três mil caracteres que vai fazer frente à grande maioria de mídia, de artistas de TV e outros formadores de opinião da sociedade. Lamentavelmente várias pessoas emitem seu posicionamento “formado” sobre o assunto, porém o devido aprofundamento no tema. Uma meia verdade repetida muitas vezes passa a ser fato inquestionável!
 
A resposta correta da referida questão do ENEM, na verdade, leva ao entendimento de que os agricultores brasileiros fazem uso excessivo de defensivo agrícolas nas culturas de pimentão, morango e outras culturas classificadas como de baixo suporte fitossanitário. Afinal, no ano de 2010, 91% das amostras de pimentão e 63% dos morangos foram consideradas insatisfatórias pelas análises do PARA. No ano de 2009, o índice foi de 56% para amostras de uva.
A grande maioria dos resultados do PARA não expressam o uso excessivo de agrotóxicos e sim a falta de uma política no Brasil que viabilize o registro dos produtos que poderiam ser utilizados nas culturas do pimentão, da uva ou do morango (ver coluna “Resíduos de agrotóxico em alimentos”). Ou seja, se o agricultor fizer uma única aplicação de um produto sem registo, isto pode levar à detecção de irregularidades no PARA. Observe que é irregularidade em relação a uma legislação de registo de produto e não, necessariamente, a um risco de contaminação do consumidor.
 
Outro pensamento presente no imaginário das pessoas é que elas poderão ser intoxicadas ao ingerirem alimentos com resíduos de defensivos. Na verdade, os resíduos presentes, mesmo que acima dos limites estabelecidos por lei, o Limite Máximo de Resíduo (LMR), não são capazes de intoxicar o consumidor. Por mais estranha que pareça esta afirmação, ela é validada e fundamentada cientificamente. Para que uma pessoa seja intoxicada com tomate que apresente quantidade de resíduo igual ao LMR, supondo que esta pessoa pese 50 Kg, ela deveria ingerir em um dia aproximadamente 100 kg de tomate, recém-colhidos e sem lava-los. Ou seja, é praticamente impossível.
 
Diante do exposto, manifesto aqui meu desejo de que no sistema de ensino brasileiro sejam ensinados mais ciência e cidadania, que ideologias. Que o verdadeiro valor da agricultura seja ensinado a cada criança e a cada cidadão brasileiro. Que o produtor de alimentos, flores, energia e fibras seja respeitado e não tratado como vilão, assim como é feito pelos movimentos tidos por sociais.
 
 
 
 
Marcelo Barreto da Silva, fitopatologista,  professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pós-doutor pela Kansas State University em Sistema de Informações Geográficas, coordenador do Programa Agro+: por uma agricultura mais sustentável
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