Épocas de crise criam oportunidades. Esse verdadeiro mantra do otimismo iluminava a mente de milhares de agricultores, maridos, esposas e jovens, reunidos noutro dia em Curitiba. Participavam eles do encerramento dos programas Empreendedor Rural, Jovem Agricultor Aprendiz e Mulher Atual. Formavam uma multidão que acredita no Brasil.
Liderados pela prestigiada Federação da Agricultura do Paraná, os cursos de empreendedorismo já capacitaram, em 12 anos de existência, 28 mil produtores rurais. Notável. Somente neste 2015 se formaram 48 turmas, com 960 participantes, que cursam estratégias de comercialização, gestão da propriedade, políticas econômicas e legislação agrária. São 136 horas/aula. Já na turma dos aprendizes, entre 14 e 17 anos, o curso é mais puxado: são 240 horas/aula. Em suas classes já passaram 52 mil jovens agricultores.
“O Brasil frente aos desafios do mundo contemporâneo” foi o tema da palestra que proferi no evento. Jamais falei para tanta gente interessada, atenta, quieta, procurando através de minhas palavras entender os prováveis caminhos da Nação. Nunca, notoriamente, o Brasil enfrentou tantos dilemas como aqueles que se apresentam agora. Imbricam-se as crises da economia, da política e da moral, produzindo essa tragédia da depressão nacional. Como cultivar a esperança nessa situação?
Ofereço aqui meu testemunho: embora, obviamente, preocupados estejam, os matutos agricultores do Paraná, que se colocam entre os melhores do mundo, não perderam a crença no valor de seu trabalho. Pelo contrário. Continuam investindo na produtividade, vislumbram o potencial do mercado. Mais que tudo: acreditam na virtude da cooperação, do companheirismo. Surpreendente.
Estão acostumados às adversidades os homens do campo. Não apenas aquelas relacionadas aos desígnios da natureza, como a seca ou a chuvarada, a ventania ou a geada. Quem trabalha no sol à pino e tem as mãos calejadas pela dureza da lida não afina facilmente de qualquer incômodo. Enfrentam o touro. Peitam o perigo. Sofrem, mas sabem que a tempestade passa. Governos, idem.
Logística da safra: esse é o maior inimigo da agricultura nacional. Décadas se passam e os portos brasileiros continuam lerdos e custosos; as ferrovias, inauguradas com belos discursos, não saem do papel; hidrovias continuam uma quimera; e as rodovias se desgraçam com buracos que teimam em quebrar molas de caminhões, roubando a eficiência do transporte. No ranking de logística elaborado pelo Banco Mundial, o Brasil caiu para o 65º lugar, entre 160 países. Quer dizer: da porteira para dentro, onde quem manda é o produtor rural, tornamo-nos imbatíveis na tecnologia; da porteira para fora, onde aos governos cabe a tarefa de prover infraestrutura, perdemos nacos de competitividade, deprimindo a renda do agro.
Nada, porém, mais chateia os agricultores brasileiros que a falta de consideração. Os homens do campo se sentem depreciados pelos compatriotas urbanos, que não os valorizam como, por exemplo, o fazem os norte-americanos ou os europeus. Pioneiros, desbravadores, garantia da segurança alimentar: assim são positivamente vistos lá fora os produtores rurais; aqui dentro, negativamente, a opinião pública os considera “ruralistas”, desmatadores, atrasados. Triste sociedade, a nossa, que despreza sua origem.
Na crise, oportunidades. Os estudiosos da economia agrária comprovam com facilidade: neste momento assustador de recessão, se não fosse a pujança acumulada do agronegócio, incluindo o familiar, o Brasil estaria na lona. A crise da economia brasileira somente não é maior devido à força erigida na roça. O campo gera as divisas nas exportações, garante o emprego e a renda no interior, produz a comida para as metrópoles. Essa é a sorte grande do Brasil: existe uma âncora verde amarrada aos seus braços caipiras.
O Paraná, ao estimular como ninguém o empreendedorismo no campo, dá uma lição: quem constrói uma Nação é sua gente trabalhadora, não o governo nem os políticos. Estes, capatazes do poder público, se não atrapalharem já fazem um grande favor. Nesse momento de desgraça, é a crise política, chafurdada na corrupção, que impede os agentes ativos da economia de vingarem. Mas eles, os falsários e malandros que ocuparam o Estado, serão derrotados na batalha que se avizinha. Pode demorar mais ou menos, mas a sociedade ética se reconstruirá no País.
Tal leitura auspiciosa recolhi naquele evento dos empreendedores rurais em Curitiba. O otimismo que demonstram indica que está ruindo, definitivamente, o Estado paternalista, controlador, interventor, inspirado pelo ideário “desenvolvimentista” que vigora desde a época getulista. Chega dessa utopia à moda socialista que engendrou a podridão na política. Precisamos acreditar na liberdade empreendedora, na meritocracia, na capacidade individual, no discernimento dos cidadãos. Temos que apostar em nós mesmos. Ao Estado cabe zelar pela democracia, proteger os despossuídos e incapazes, dar segurança ao cidadão.
Aline Bonk, bióloga de 24 anos, conquistou o primeiro lugar entre os projetos finalistas do Programa Empreendedor Rural 2015. Seu projeto “Ampliação de viveiros para a piscicultura” pretende expandir a produção de carpas na Chácara d’Areia, propriedade onde vivem seus pais, pequenos agricultores em União da Vitória (PR). Eles toparam o desafio, olharam para frente. Não irão esperar a crise passar. Nada disso. A enfrentarão com mais trabalho. Isso é maravilhoso.
As carpas de Aline configuram a renovação, e nesta atitude pró-ativa mora o futuro do Brasil. Nada de esperar acontecer. No campo como na cidade, fazer acontecer.
Xico Graziano