ARTIGO – Escassez hídrica, irrigação e produção de água

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Com nossos 40 (quarenta) anos de formação agronômica, trabalho e experiência no campo, nascidos no meio rural de São Roque do Canaã e com o costume de mais ouvir do que falar, testemunhamos muitos relatos no meio rural, notadamente daqueles mais antigos que vez por outra nos chamam atenção de que as ocorrências de estiagens são cíclicas e que as florestas pouco influenciam o regime de chuvas.

Relatos históricos registram a ocorrência de seca severa há mais de 150 anos, quando expedições transitaram pela região do Rio Doce e Lagoa Juparanã, constatando troncos de madeiras expostos no fundo do leito dos referidos rio e  lagoa. Também há quem afirma ter ocorrido uma estiagem violenta na região Norte do ES ainda na década de 50, época em que a região possuía mais de 70% das terras ocupadas com florestas nativas.

Pois bem, como decorrência destes relatos e de nossa experiência, decidimos expor alguns esclarecimentos aos técnicos e comunidades do meio rural, que merecem o nosso profundo respeito e admiração.

Julgamos que há informações básicas que não estão sendo repassadas aos produtores rurais. Sabe-se que as florestas retêm mais água no solo pelo fato de evitar o impacto das gotas sobre o solo e assim reduzir a desagregação das partículas e, também, por reter muito mais água porque o teor de matéria orgânica nestes ambientes é mais elevado. Assim florestas embora não interfiram no regime e chuvas. Afeta o volume de água nos córregos e rios.

Decorre dessa constatação que uma orientação correta seria difundir medidas para que os produtores rurais invistam mais em matéria orgânica nas áreas cultivadas, inclusive adubação orgânica e restos de cultura. Esta é uma iniciativa simples, se constitui na principal medida para segurar água no solo e vale muito mais do que centenas de pequenas barragens.

Além do mais, o ideal seria implantarmos tecnologias e processos conservacionistas em toda área cultivada para reter toda água das chuvas e assim evitar escorrimento para os córregos, rios e, depois, oceanos. Ou seja, o produtor precisa segurar toda a água da chuva que cai em sua fazenda e não deixar que escorra e se perda.

Temos visto como política governamental somente as orientações de reflorestar e fazer barragem. Isto, isoladamente, não funciona. Pode até ajudar, mas não retém água suficiente no solo. Apenas acumula nos locais reflorestados ou no leito dos córregos barrados. Poderemos, como agora e em muitos casos, ter barragens e não termos água acumulada.

A produção de água, essencialmente tem origem nos oceanos que representam 70% da superfície do planeta. Este fazer chover nada mais é do que um processo de evaporação, transpiração e depois precipitação, fechando-se o ciclo. Exatamente quando precipita é que devemos estar preparados para segurar o máximo de água na terra. A melhor forma de segurar esta água é a reposição de matéria orgânica no solo em níveis adequados e implantar medidas complementares tais como: plantio em nível; terraceamento; caixas secas; adequação das explorações; proteção das nascentes (o que mantém as nascentes é água retida no solo); proteção das APP; adubação adequada e equilibrada; e por fim as barragens bem projetadas. Essas, sozinhas ajuda quando tem água, mas não resolve o problema da seca.

Vejam que os procedimentos das políticas públicas estão sendo iniciados do fim para o começo, em pleno século XXI. Aliás, no atual momento está havendo necessidade de se fazer tudo de uma só vez em virtude dos erros cometidos no passado. O que nos deixa apreensivos é o fato de que se esquecem das medidas principais e mais simples, que seria investir em matéria orgânica, manejo e retenção de água nos solos agrícolas, antes de a água descer aos leitos dos rios e córregos.

 Quando falamos isto, muitos respondem que não tem matéria orgânica o que não concordamos porque 50% do lixo urbano poderia virar composto orgânico. Separados os resíduos metálicos, plásticos e vidros, o que sobra são resíduos orgânicos da alimentação, postos nas lixeiras. Além disso, há  as perdas de matéria orgânica que se verificam no meio rural, pelo fato de o Governo não ter dado a devida atenção ao procedimento de investir mais em adubação orgânica.

Outra constatação é a de que muitos profissionais, até mesmo especializados, com Doutorado e currículo acadêmico invejável, estarem se equivocando ao falarem que os rios estão secando por falta de florestas e do clima que está mudando. Caberia, neste caso perguntar: já levantaram quanto de água é captado, em cada bacia hidrográfica, para atender aos diversos usos da água?. Para a irrigação e abastecimento urbano-indústrial, por exemplo?

Não queremos dizer que somos contrários à irrigação; muito pelo contrário, pois esta é uma medida indispensável, no curto e médio prazos, ao aumento da produção de alimentos para atender à população crescente. Observem quantos de água estão sendo captados atualmente em cada bacia hidrográfica e façam comparação com duas ou três décadas atrás. Vocês irão se surpreender com a contradição do discurso corrente.

Por fim, não vamos enganar ao produtor de que ele pode produzir água. Este é um discurso de fantasia. Aliás, uma especialidade dos políticos: colocar nomes pomposos e apresentar resultados pífios de seus programas. Acho que em pleno século XXI já deveríamos ser claros em dizer que precisamos segurar água no solo, pois ninguém produz água, apenas a conserva, quando muito.

Assim, é fundamental que seguremos a água no solo com matéria orgânica aproveitando cada gota de chuva que caia, e depois com barragens. A barragem é para acumular aquela água que a matéria orgânica segurou e que vai disponibilizando para os córregos e/ou rios. O discurso e as estratégias políticas são de enganação. Na maioria das vezes, não tem fundamentação técnico-científica. Uma pena.

 

 

 

Eng. Agr. Nelson Élio Zanotti
Pesquisador e Consultor técnico e Ambiental
 
Eng. Agr. Wolmar Roque Loss
Agrônomo/ MSc– Superintendente CREA-ES
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