A BrasilAgro, empresa especializada na compra, no desenvolvimento e na venda de terras agrícolas, adquiriu em 2006 uma fazenda de 33 000 hectares em Baixa Grande do Ribeiro, cidade piauiense de 11 000 habitantes a 600 quilômetros de Teresina. Os antigos donos receberam 42 milhões de reais pela propriedade.
Na época, a aquisição foi vista com ceticismo: o que esperava fazer no interior do Piauí uma empresa como a BrasilAgro — então um negócio recém-criado pelo empresário Elie Horn, sócio da construtora Cyrela, em sociedade com a gestora de terras argentina Cresud e o fundo de investimento Tarpon? Para começar, um choque na produtividade.
Cerca de 120 quilômetros de estradas foram abertos para facilitar o tráfego de tratores e caminhões no interior da fazenda. Máquinas equipadas com geolocalizadores passaram a ser usadas para aplicar fertilizantes e defensivos — elas estimam a medida adequada dos insumos para cada parte do terreno, reduzindo gastos.
Dados sobre as lavouras, as condições do solo e do clima são enviados por satélite e analisados em tempo real por técnicos da empresa, que assim podem detectar problemas a tempo de fazer as correções necessárias. Em quatro anos, a produção de soja subiu de 1 800 para 3 600 quilos por hectare, 20% acima da média nacional.
Em junho, a BrasilAgro vendeu a propriedade por 270 milhões de reais, seis vezes o valor pago há nove anos. “Nosso negócio é comprar fazendas desgastadas, empregar tecnologia e vendê-las”, afirma Julio Toledo Piza, presidente da empresa. “Há espaço para esse tipo de negócio no Brasil.”
Casos como o da fazenda no Piauí mostram quanto o país ainda pode avançar em produtividade no campo. Houve, é verdade, um grande salto na última década. Um levantamento do Ministério da Agricultura mostra que, de 2000 a 2011, a produtividade agrícola no Brasil avançou, em média, 4% ao ano.
Para comparar, nos Estados Unidos o aumento foi de apenas 0,8% anual. Mas dá para fazer bem mais. Na média, colhemos metade do milho que os americanos produzem por hectare. Nossos rebanhos bovinos rendem, no mesmo espaço, um sexto da carne produzida pelos alemães e um quinto do que conseguem os canadenses.
Os trabalhadores rurais no Brasil geram, em dólares, um décimo do que os americanos produzem, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. “A agropecuária é o setor que mais obteve ganhos de produtividade no Brasil, mas ainda estamos distantes dos níveis internacionais”, diz o economista Fernando Veloso, responsável pela pesquisa.
Parte dessas diferenças deve-se ao fato de o país ainda estar abrindo novas fronteiras agrícolas, como a região conhecida como Mapitoba, formada pelo sul dos estados do Maranhão e do Piauí, pelo leste do Tocantins e pelo oeste da Bahia. Nos primeiros anos de plantio, as áreas desbravadas produzem apenas um terço do potencial.
Mas, além disso, há uma questão relacionada à desigualdade. Boa parte dos ganhos de produtividade recentes concentrou-se no pelotão de elite do campo. Um estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e pelo Ibre mostra que 8% das propriedades rurais respondem por 85% do valor da produção brasileira.
Mas a maioria dos produtores rurais está distante do patamar da vanguarda. A faixa mais pobre, composta de 75% dos agricultores, gera apenas 4% do valor da produção brasileira.
“São famílias que têm poucos conhecimentos técnicos e enfrentam dificuldade na administração das propriedades”, diz Kátia Abreu, ministra da Agricultura. Ela pretende lançar até o fim do ano um programa para levar tecnologia agrícola a parte desses produtores — inicialmente, devem ser atendidos 100 000 agricultores.
Momento difícil
A tecnologia é, sem dúvida, o melhor caminho para disseminar os ganhos de produtividade. O desenvolvimento de novas variedades adaptadas ao solo e ao clima brasileiro está por trás do aumento da produção agrícola na última década. Também há pesquisas que mostram como aumentar a produtividade com mudanças no modelo adotado nas propriedades.
Um exemplo é a integração entre lavoura e pecuária. Estima-se que o país tenha cerca de 50 milhões de hectares em pastagens degradadas. São terras onde poderiam ser plantados soja, milho, arroz e trigo. Nesse sistema, parte da área é separada para cultivar grãos por nove meses e, ao final, com os nutrientes que sobram na terra, a pastagem ressurge pronta para receber o gado.
A integração pode ser uma das saídas para melhorar os resultados na pecuária. Como a maior parte dos rebanhos hoje é de criação extensiva, o gado cresce mais lentamente e demora a chegar ao peso de abate. A integração melhora a qualidade da pastagem e acelera o ganho de peso.
Será preciso, porém, vencer uma barreira. Hoje, as condições de mercado já não são tão favoráveis quanto foram no passado recente. Veja o caso da soja. A queda do preço internacional fez o valor da saca de 60 quilos cair 43% em um ano, segundo a consultoria Agroconsult. Como projetam menor rentabilidade nas próximas safras, os produtores rurais tendem a diminuir o investimento na lavoura.
Outra cultura que tem sofrido é a cana. Nos últimos anos, a cotação do açúcar no mercado internacional deslizou e o etanol ficou menos competitivo com a política do governo federal de segurar os reajustes do preço da gasolina. As usinas se endividaram para manter o negócio e não tiveram dinheiro para renovar o canavial — quanto mais velho é, menos a terra rende.
“A cana deixou de ganhar produtividade há algum tempo”, diz Laercio Giampani, diretor-geral para o Brasil da suíça Syngenta, fornecedora de insumos agrícolas. A empresa desenvolveu mudas pré-brotadas, que são criadas em viveiros antes de ser levadas ao campo. O sistema permite que os canaviais rendam 30% mais. Ainda há muito trabalho a fazer — tanto da porteira para dentro quanto para fora — para um novo salto na agricultura brasileira.
Flávia Furlan