Matéria publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL CONILON 2022 (Edição 48 – Julho 2022)
Mercado pode remunerar produtores com boas práticas de produção, mas ainda está em fase de estudos e regulamentação
Crédito de carbono é um conceito que surgiu a partir do Protocolo de Kyoto em 1997 e que visa à diminuição dos gases de efeito estufa, que provocam diversos problemas ambientais associados às mudanças climáticas. Neste protocolo foram estabelecidas metas de redução da emissão de gases de efeito estufa para países desenvolvidos, definindo, entre outros, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Em resumo, esse mecanismo permitia que países que não conseguissem atingir suas metas de redução, poderiam comprar créditos de países que apresentassem reduções certificadas de emissões (RCEs).
Esse foi então o início da estruturação do mercado de créditos de carbono. De lá para cá, o protocolo de Kyoto foi substituído pelo Acordo de Paris (2015) e mais recentemente, na COP26 (novembro de 2021) houve avanço expressivo nesse tema, com a criação das regras básicas para o mercado global de créditos de carbono. Mas, para o Engenheiro Agrônomo, Michel Tesch Simon, mesmo com esse avanço, ainda há muito por fazer. “Embora o nome seja crédito de carbono, há outros gases envolvidos no processo, como o metano e o óxido nitroso. Porém, como o dióxido de carbono (CO2) é o mais relevante dentre os Gases de Efeito Estufa (GEE), convencionou-se que uma tonelada de CO2 é equivalente a um crédito de carbono e os demais gases tem suas emissões convertidas para toneladas de carbono equivalente (tCO2)”, explica.
Ainda segundo o engenheiro, foi estabelecido o conceito de precificação de carbono, que há grosso modo, seria a atribuição de um custo financeiro aos impactos negativos gerados pelo aumento da emissão de gases de efeito estufa. “Esse custo pode ser tratado de duas maneiras: impostos, onde emissores sofrem uma taxação por carbono emitido, ou o mecanismo de créditos (cap and trade). Nesse último, empresas e países que reduzirem emissões além da meta, podem vender créditos de carbono ou permissões de emissões para empresas e países que emitiram além da cota. Mas essa regulamentação é complexa e exige muitos esforços no sentido de padronização de medições, metas, entre outros”, pontua Tesch.
Pensando no crédito carbono na prática, e como isso poderia beneficiar o produtor, o engenheiro agrônomo explica que o crédito de carbono não se trata de uma operação como o crédito rural, por exemplo. “É um mercado complexo, e com muitas variáveis, podendo ser dividido entre regulado e voluntário. No regulado, os governos estabelecem metas de redução de emissões de GEE para um determinado setor e decidem sobre o suprimento de créditos de carbono. De forma resumida, os agentes que emitem abaixo da meta recebem créditos e os que emitem acima da meta precisam adquirir créditos para compensar. Já o voluntário é acessado por empresas, pessoas, ONGS ou mesmo governos, para reforçar estratégias de sustentabilidade, melhorar ou construir reputação e valorização da marca, diferenciação de produtos etc. Portanto, os padrões dos projetos de redução, os benefícios socioambientais e a origem dos créditos são relevantes, uma vez que a busca é por alinhamento com os negócios da empresa”, ressalta.
Para Michel, um conceito que precisa estar presente neste assunto, é o de adicionalidade. “Na cafeicultura seria como o resultado comparado de emissões entre uma área que adotou boas práticas e outra com manejo tradicional, ou seja, as boas práticas trazem um efeito adicional benéfico, ao reduzirem mais ainda as emissões. E para fins de geração de crédito, esse efeito precisa ser quantificado, visando a comprovação da redução. Particularmente, vejo como uma oportunidade que precisa ser acompanhada de perto, especialmente agora que o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) decidiu atuar como um indutor do mercado voluntário, lançando, em março de 2022, a primeira aquisição de créditos de carbono de sua história, um total de R$10 milhões. Nesse momento, mais importante que o valor em si, é a atitude e a mensagem que ela carrega”, diz.
A agenda de mudanças climáticas é uma grande janela de oportunidades para os cafeicultores, porém, é fundamental alinhar as expectativas, de acordo com Michel. “Não estamos na fase de pensar em receber valores financeiros pelo sequestro de carbono. Então indo direto ao ponto, até o momento não há ágio estabelecido no mercado para quem produz café carbono neutro ou negativo. Há algumas experiências piloto, como a realizada recentemente pela Cooperativa MonteCcer, de Minas Gerais, que vendeu com ágio de R$100 reais por saca em uma operação para o Japão. Foi uma ação bem fundamentada, mas isolada”, pontuou.
Ainda segundo o engenheiro, a implementação de boas práticas agrícolas, como a cobertura do solo, o uso de fertilizantes com base em análises e avaliando possibilidade de outras fontes (orgânicas, por exemplo), o uso racional de defensivos agrícolas etc., além de aumentar o sequestro de carbono, resultam em melhoria dos índices de produtividade e rentabilidade do negócio. “Na minha opinião, ainda não é o momento de produtores, isoladamente, buscarem validar o balanço de carbono da sua produção, pois esse trabalho exige a participação de uma entidade com competência reconhecida e capacidade técnica de aplicação dos protocolos de medição, como o GHG Protocol, por exemplo. O importante é conhecer, entender, analisar aquilo que pode ser aplicado e implementar as eventuais melhorias de processos produtivos, pois, as características que hoje são diferenciais, amanhã podem se tornar pré-requisito”, afirma.
A coordenadora de projetos de clima e emissões no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Renata Potenza, diz que quando se fala em mensuração de carbono na cafeicultura, assim com em outra cultura agrícola, mas especialmente no café, é preciso levar em conta as diversas fontes emissoras de carbono e também as fontes removedoras de carbono. “Essa mensuração hoje está sendo realizada dentro do Programa Carbon on Track do Imaflora. Carbon On Track é o programa de valorização da agricultura brasileira de baixo carbono, restauração florestal e iniciativas de sociobiodiversidade que armazenam carbono. Ao medir, monitorar e reportar continuamente seu balanço de carbono, utilizando metodologias reconhecidas internacionalmente, as empresas ganham confiança e credibilidade nos mercados. A plataforma digital do programa permite que os cálculos de estimativas e dados de balanços de carbono sejam divulgados e os empreendimentos, projetos e iniciativas possam monitorar e gerenciar seus dados por meio de painéis interativos”, diz Potenza.
Dentro desse programa para o café, as principais fontes que são mensuradas são o uso de fertilizantes sintéticos e orgânicos, combustíveis fósseis, calcário e outros insumos, resíduos deixados no campo, queima de biomassa, assim como o sequestro de carbono ocorrido no solo e na planta quando identificado boas práticas realizadas. “Essas são as principais fontes de mensuração, mas nos nossos serviços e projetos sempre olhamos detalhadamente para as atividades da fazenda em questão para identificar e personalizar todas as fontes identificadas dentro da produção do café”, ressalta Potenza.
Trazendo essa realidade para a rotina do homem no campo, a coordenadora pontuou que a cada dia que passa os produtores de café demonstram estarem mais preocupados e interessados com o tema de mensuração de carbono. “Muitos já possuem boas informações sobre o tema e estão dispostos a aprender cada dia mais, além do que muitos cafeicultores já implementam boas práticas em sua produção, então isso demonstra que eles entenderam os benefícios e que a implementação dessas práticas de baixo carbono vão trazer melhoramentos não somente ambientais, mas também econômicos principalmente através de uma maior eficiência nos processos. Porém, ainda sim temos que pensar sempre nesta assistência técnica aos produtores e também transferência de conhecimento e tecnologia, isso é essencial para que possamos dar escala e velocidade na implementação de práticas de baixo carbono”, destaca a coordenadora do Imaflora.
Ainda sobre o programa Carbono on Track do Imaflora, há o projeto “Balanço de carbono na cafeicultura mineira com boas práticas agrícolas”, que fez uma avaliação de 40 fazendas produtoras de café distribuídas nas regiões mineiras (sul de minas, matas de minas e cerrado mineiro), como também selecionou fazendas com diferentes tipos de manejo (convencional e boas práticas), mecanizadas e semi-mecanizadas, entre outros. Além da mensuração das emissões de gases de efeito estufa dessas fazendas (com base na metodologia do GHG Protocol), também foram realizadas mensurações no campo para coleta de amostra de solo e de planta, em 8 fazendas localizadas nas regiões comentadas. “Os resultados demonstraram que as fazendas Cecafé apresentaram uma produção cafeeira com um “balanço de carbono negativo”, ou seja, para as fazendas avaliadas, o sequestro de carbono ocasionado pelas plantas foi maior que as emissões encontradas nas fazendas. Entretanto, o principal resultado é que a adoção de boas práticas, ou seja, a implementação de práticas de baixo carbono na produção cafeeira, incrementa ainda mais o sequestro de carbono no solo e na planta, tornando a cafeicultura ainda mais “carbono negativo”, contribuindo de forma positiva para o sequestro de carbono e redução das emissões de gases de efeito estufa. Esses resultados também demonstram a importância de fomentarmos e darmos escala na implementação de boas práticas agropecuárias no campo”, diz Renata Potenza.
Para o diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafe), Marcos Matos, se for analisado do ponto de vista da preservação ambiental, cadastro ambiental rural, as áreas preservadas, nas questões sociais, o Brasil é eficiente, tanto no crédito rural, como nos contratos futuros. O índice Impep, que mede o repasse do preço FOB (índice que considera os preços em dólares) exportação ao produtor, oscila de 81 a 93%, ou seja, uma parte fica no bolso do produtor. “Do ponto de vista econômico e de todos os pilares da sustentabilidade, o Brasil apresenta os parâmetros ESG da governança socioambiental nos tempos atuais”, pontuou.
Do ponto de vista do carbono, esse projeto já citado pela coordenadora do Imaflora, analisou propriedades das regiões mineiras onde foi observado um perfil muito importante da cafeicultura, justamente por usar as boas práticas agronômicas, segundo Marcos Matos. “De uma forma geral, independente do ambiente de produção, do sistema de produção, o café é negativo no carbono, e sendo negativo é muito bom, porque a fórmula do balanço ela é – emissões menos o sequestro, sendo que quando o sequestro é maior que as emissões, a fórmula fica negativa, então o café é -1.63 toneladas de dióxido de carbono por hectare ano de café. Nós vimos que nas boas práticas, não só agronômicas, mas do ponto de vista conservacionista, escolhendo os bioinsumos, tomando cuidado com os nutrientes nitrogenados como a ureia que volatiliza o óxido nitroso, que é mais impactante que o dióxido de carbono (nós analisamos o dióxido de carbono equivalente), quando a gente olha essas questões todas do ponto de vista conservacionista e do balanço de carbono, é mais negativo ainda o café, ele vai pra -10,5 toneladas de dióxido de carbono hectare / ano, o que mostra a possibilidade de adicionalidade. Adicionalidade é a grande moeda de troca para se investir nesse mercado de carbono, então o café brasileiro além de ser excelente do ponto de vista da sustentabilidade, ainda tem oportunidades para fortemente agregar recursos, agregar valor nesse debate de carbono, já que acima de tudo é um ativo para mitigar as anomalias climáticas”, ressaltou Matos.
E após realizar um grande projeto do carbono no arábica, o Cecafé fará agora esse trabalho no conilon do Espírito Santo. “Junto com produtores, estamos buscando alternativas para simplificar a entrada realmente do produtor com benefícios, do ponto de vista de agregação de valor nas exportações, na comercialização do café brasileiro. Temos questões a serem avançadas sim nesse sentido, estamos conversando com certificadoras, com grandes parceiros globais, justamente para aproveitar o máximo possível das informações que conseguimos. Estamos participando de feiras e eventos internacionais justamente para promover a imagem do Brasil. É um trabalho que está sendo construído nesse momento e o produtor cada vez mais deve estar atento. Sabemos que o Brasil assumiu metas ambientais importantes, acordo de Paris, a COP 26, agora COP 27, então é importante o país seguir seus compromissos e dessa forma, abrir ainda mais oportunidades para o produtor e todos os segmentos do agronegócio café brasileiro”, destaca Matos do Cecafé.
Para ele, é esperada uma grande expansão do café carbono por várias razões, já que este é um mercado que tem que ser regulamentado no mundo. “O mercado de carbono hoje é voluntário, mais desenvolvido na Europa e na região do estado da Califórnia nos Estados Unidos, mas todos os países estão regulamentando, em função até dos compromissos ambientais que cada um assumiu, acordo de Paris e nas COPs da mesma forma. O Brasil também passa por essa discussão no congresso, discussões normativas do Ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente, da mesma forma, este é um mercado que só tende a crescer, a tendência é que ele passe a ser cada vez mais demandado pelas possibilidades que surgem no fluxo do comércio. É claro, lembrando sempre que o café apresenta adicionalidade carbono negativo, o que é um ativo para combater as mudanças climáticas. Nesse sentido, há muitas oportunidades e é justamente com esses temas que nós estamos trabalhando nesse momento, em parceria com os produtores, exportadores de café liberando todo esse debate”, finaliza.
Redação Campo Vivo