ESPECIAL: Panorama do setor produtivo do mamão

0

Matéria publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL MAMÃO DO BRASIL (Edição 47 – Dezembro 2021)


Panorama do setor produtivo do mamão

Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte enfrentam dificuldades com alta de insumos, viroses, e logística. Produtores também reclamam de relação com mercado distribuidor no mercado interno para equalizar preços do campo e consumidor final

A desvalorização do preço do produto, o aumento no valor dos insumos, a dificuldade em conseguir mão de obra especializada para trabalhar nas lavouras, são alguns dos fatores que estão preocupando os produtores de mamão, a ponto de deixá-los pensativos sobre a continuidade no investimento na cultura do mamão. Por outro lado, há a expectativa de que o ano de 2022 seja de “virada de jogo” e de acordo com que volte a normalidade em um cenário pós pandemia, os negócios também normalizem nos mais diversos setores.

De acordo com dados divulgados no mês de outubro pela Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), mesmo com a falta de contêineres e aumento dos fretes marítimos, o Brasil tem registrado alta nas exportações de frutas. Na cultura do mamão, o aumento foi de 21% neste terceiro trimestre do ano, comparado com 2019.

Nesta reportagem da edição especial, verificamos o cenário nos três principais estados produtores de mamão do país.

Espírito Santo

Altenis Galavotti, da AGC Frutas, acredita em bons preços em 2022 motivado, entre outros fatores, pelo alto custo de produção recente e diminuição de áreas cultivadas

O diretor do grupo AGC Frutas, Altenis Galavotti Carraretto, acredita que o ano de 2021 ainda está sendo um ano muito ruim para o produtor. “Estamos passando por mais um ano onde as escolas estão praticamente fechadas, o turismo caminhando há passos lentos… E o mamão é um produto que vende muito em turismo, hotéis, escolas, feiras. No atual cenário, nós ficamos reféns dos supermercados. Outro problema que estamos passando ainda é o aumento da irrigação, que praticamente dobrou de preço. Tem ainda os implementos agrícolas que além de faltarem, dobraram de valor. Então, no geral, nós tivemos um aumento de custo, e o preço não subiu ficando abaixo da produção. O mamão que se vende por R$0,50, R$0,60, não paga nossa produção, o ideal seria vender mamão de R$1,00 pra cima”, explica Galavotti.

Para o empresário, um dos principais desafios do homem do campo é conseguir produzir com baixo custo e investir em tecnologias. Para 2022, Altenis ainda tem esperança de que seja um ano muito bom de preço do mamão. “Neste ano ninguém aguentou plantar mais devido a essas baixas de preço, muitos produtores acabaram desanimando e desistindo da cultura, então acho que em 2022 nós teremos um cenário muito bom. Além disso há de se esperar a diminuição dos casos da pandemia, as pessoas voltarem a ter uma vida mais normal, a economia se recuperando. Na minha opinião vamos ter 2022 muito bom de preço, pelo menos espero, para que as pessoas possam recuperar um pouco dos prejuízos de 2021”, diz.

Já o diretor agrícola da empresa Doce Fruit, Emerson Adami, diz que este ano não foi o clima que prejudicou o produtor de mamão, mas sim outros fatores. “Nós tivemos um clima até que favorável em 2021, mas os preços não ajudaram o produtor de mamão. A produção diminuiu e o mercado não absorveu isso. Até então não tivemos um resultado satisfatório, os custos de produção e os operacionais subiram demais, e com isso o número de plantios vem diminuindo, pois muitos produtores pararam de investir na cultura do mamão”, destaca Adami.

Fernando Catelan

A mesma queixa do alto preço dos insumos também é feita pelo proprietário da Fazenda Catelan, Fernando Catelan, localizada em Jaguaré/ES. Para ele, o cultivo do mamão vem se tornando cada vez mais caro devidos aos acréscimos dos preços dos insumos e dos implementos agrícolas. “O cenário não está sendo como gostaríamos, acredito que quando fecharmos os resultados dentro dos 12 meses de 2021, não teremos dados favoráveis para o produtor. Tenho lavouras sequenciais o ano todo, produtivas e com qualidade, com manejo adequado para que os frutos tenham boa colocação no mercado nacional e estrangeiro, mas o mercado não nos remunerou à altura que precisávamos, mesmo com as lavouras mantendo uma produção adequada, não vou ter um tíquete médio favorável da mesma forma”, considera o produtor.

Para Catelan, que faz um trabalho focado na produção de frutos de “primeira categoria”, o que requer mais gastos em todo processo, desde o manejo e irrigação até os insumos, o principal desafio para o produtor, é manter um equilíbrio de custo para que não fique inviável produzir, e também não perca a qualidade da fruta tendo que deixar de gastar o necessário. “Com todos esses fatores fica difícil pensar nos cenários futuros. Os produtores de papaia sabem produzir com qualidade, nós temos a terra, a mão de obra, as ferramentas para trabalhar, e é isso que temos feito. Isso é o presente. Quanto ao futuro, não há como se esperar algo de um mercado que remunera o produtor em centavos por KG na média anual, e vende o mesmo produto para os consumidores finais através de grandes redes de supermercados por preços exorbitantes. Sinceramente, se continuar assim, na minha opinião, o cultivo do mamão papaia estará cada vez mais comprometido”, destaca.

O mercado não nos remunerou à altura que precisávamos, mesmo com as lavouras mantendo uma produção adequada – Fernando Catelan, produtor de Jaguaré (ES)


Bahia

Benedito Soares

Engana-se quem acredita que essa realidade difícil em relação aos preços de venda do mamão é algo que atinge apenas os capixabas. Produtores da Bahia relatam as mesmas dificuldades e em alguns cenários até pior. O produtor Benedito Soares é um desses que tem propriedade na Bahia e reclama dos resultados obtidos até então neste ano de 2021. “O ano de 2021 para produção de mamão na Bahia até agora tem sido péssimo. Tivemos um ano muito seco, gastamos muito dinheiro com irrigação, o resultado foi uma produção abaixo da expectativa e o comportamento dos preços esteve abaixo da média de todos os anos anteriores”, diz.

Para Benedito, os principais desafios de quem trabalhou com a cultura do mamão em 2021 estiveram envolvidos em tudo isso, além dos problemas com as doenças fúngicas, os preços dos adubos e defensivos agrícolas que triplicaram de preço, além da energia elétrica que teve um disparo de valor muito alto. “Com tudo isso que estamos passando em 2021, infelizmente acredito que poucos produtores vão conseguir sobreviver e continuar na cultura do mamão. Esperamos que esses altos custos baixem em 2022 para conseguirmos trabalhar de maneira digna”, pontua.

João Bayer

O presidente da Associação Agricultura Forte, João Bayer, que acompanha a produção da fruta no Sul e Oeste da Bahia, avalia que as dificuldades da comercialização estão atreladas ao baixo consumo da fruta no mercado e elevação do custo para o produtor. “A média de preços dos últimos anos está muito baixa. Já sobre a produção nós estamos dentro da média, porém com stand de plantas muito baixo devido a virose e meleira, problema que está preocupando toda a cadeia produtiva”, ressalta.

Na região baiana, os mesmos problemas que os capixabas enfrentam por lá os produtores também passam, segundo Bayer. “Nos últimos anos nós estamos com uma média muito baixa, sem conseguir pagar os custos das lavouras, o mercado está ruim e ainda tem a elevação dos insumos que pegou todos despreparados. Então quando juntamos o mercado, o clima, os custos dos insumos e as viroses que prejudicam a plantação, juntamos nisso nossos principais desafios. Há de se lembrar ainda que estamos vivendo em uma incógnita sobre o futuro, pois o mercado é soberano e nós não estamos tendo consumo. Esperamos que isso retome para melhorar o faturamento dos produtores”, diz João Bayer.

Estamos dentro da média de produção, porém com stand de plantas muito baixo devido a virose e meleira, problema que está preocupando toda a cadeia produtiva – João Bayer, produtor do oeste da Bahia

O proprietário e também produtor da Bello Fruit, e representante da Abrafrutas no sul da Bahia, Ulisses Brambini, acrescenta ainda os desafios da natureza na parte de produção para todos os produtores, não só os de mamão, mas para quem produz de forma geral. “As vezes temos um pouco mais de chuva, em outros momentos e regiões um pouco menos, acontece as vezes uma seca… Sem falar nos desafios das pragas, das doenças pra lavoura, então tudo isso passa a ser um grande desafio para nós”, ressalta.

Para Brambini, a produção de mamão por hectare não está com o resultado esperado justamente devido essas doenças. “Quando a gente estipula ou calcula que vai conseguir uma produção de X toneladas por hectare, devido as doenças, pragas, secas ou muita chuva, pode ser que percamos plantas, pés, o que acaba diminuindo a produção por hectare. Isso para nós é um grande desafio, assim como também a produção de calibres da fruta”, explica.

Ulisses Brambini

Ulisses enfatiza que hoje existe um mercado distribuidor que está exigindo do produtor algo chamado de “calibre”, que é o tamanho da fruta. “Vale ressaltar que isso não é uma exigência do mercado final, e sim do mercado distribuidor. Então se você tem um mamão formosa com 2,5kg pra vender, acaba encontrando barreiras do mercado distribuidor para comprar, ou querendo derrubar preço, querendo negociar. Já sobre o mercado geral, hoje existe o consumidor e o distribuidor. O consumidor final, a população, é excepcional, ela tem respeito pelo produtor, não só de mamão, mas como um todo. Então esse mercado é maravilhoso, e o que nos permite perceber o tanto que ainda temos de oportunidade de alimentar e levar um bom produto para a casa das pessoas. Agora quando falamos do mercado distribuidor, nós precisamos muito dele, já que ele tem a logística na mão, consegue fazer com que a mercadoria chegue na casa de cada um. Entretanto, esse mercado está acabando com o produtor, pois a negociação que ele faz, a forma de tratar, de reconhecer, de comprar um produto de qualidade está distante do que o consumidor final paga. O consumidor final está sendo extorquido pelos distribuidores de uma forma muito feia, e o produtor vendendo fruto abaixo da média, o que tem gerado uma dificuldade muito grande pra gente”, desabafa Brambini, argumentando ainda. “Quando uma família vai no mercado comprar um mamão, ela paga de 300 a 400% a mais do preço que vendemos para esse mercado. Então se o mercado distribuidor não mudar a forma de comercializar a fruta e a compra dela com o produtor, começar pagar um preço justo que nos permita continuar plantando, produzindo, vai ser cada vez mais difícil trabalharmos”, destaca.

Se o mercado distribuidor não mudar a forma de comercializar a fruta e a compra dela com o produtor, começar pagar um preço justo que nos permita continuar plantando, produzindo, vai ser cada vez mais difícil trabalharmos – Ulisses Brambini, produtor do sul da Bahia


Rio Grande do Norte

Luiz Roberto Barcelos

Outro Estado que também se destaca quando se fala na produção de mamão é o Rio Grande do Norte, onde cerca de 40% das exportações de frutas do país saem da região Nordeste do País. Mas mesmo sendo essa potência no que se refere à produção, os produtores de mamão também têm passado por algumas situações de alerta. O sócio fundador e membro do conselho da empresa Agrícola Famosa, Luiz Roberto Barcelos, disse que o cenário para quem produz mamão na região está complicado. “Nós tivemos poucas chuvas no período que deveria ser chuvoso este ano e com isso a qualidade da água utilizada na irrigação caiu muito comprometendo a produtividade e a qualidade dos frutos. Além disso, o preço praticado no mercado interno está muito baixo, não remunerando adequadamente o produtor”, afirma.

Segundo Barcelos, no mercado de exportações, a maior dificuldade encontrada hoje é na parte de logística para enviar a mercadoria para o mercado exterior. “Não estamos conseguindo contêineres para envio de cargas marítimas e falta voos internacionais por conta da diminuição da malha aérea pela pandemia, o que tem atrapalhado bastante o nosso cenário. Infelizmente hoje trabalhamos com a possibilidade desse cenário não mudar até o final deste ano”, alerta Luiz Roberto.

Não estamos conseguindo contêineres para envio de cargas marítimas e falta voos internacionais por conta da diminuição da malha aérea pela pandemia – Luiz Roberto Barcelos, sócio fundador da Agrícola Famosa, no RN

Quem lida diariamente com pesquisas e acompanhamento do mercado de mamão na região é o pesquisador sênior da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), Amilton Gurgel Guerra, que avalia uma diferença de preços entre as variedades formosa e Havaí, comercializadas na região. “O preço do mamão formosa continua em queda no Rio Grande do Norte, em torno de 13%, com preços médios em torno de 0,89/kg. Enquanto a tendência de queda do mamão havaí foi de cerca de 15%, sendo vendido a 1,70/kg, ocorrendo uma queda de 15%. Os produtores acreditam que haverá uma recuperação até o final do ano e o preço poderá ser elevado em torno de 3%. Os produtores de mamão continuam investindo em modernas tecnologias, principalmente em relação a novas variedades”, destacou.

Lucas Paulo Celestino

O produtor de mamão da região do Vale do Açu no Rio Grande do Norte, Lucas Paulo Celestino de Gusmão, afirmou que para ele esse está sendo um ano atípico já que a produção de mamão no Estado foi reduzida devido a falta de sementes no mercado, e ainda tem a dificuldade devido a pandemia, onde o poder aquisitivo do brasileiro está menor. “Hoje no momento temos pouca oferta de fruta, o que deveria elevar o preço do produto, mas isso não acontece porque o mercado não reage. Agora quando falamos da produtividade, nós até que viemos mantendo uma produtividade aceitável, mas tivemos que reduzir área, principalmente pela dificuldade em adquirir as sementes do mamão formosa para plantar. Agora, aqui na propriedade, estamos fazendo experimentos de mudas de mamão clonado de uma empresa de São Paulo em uma área de 1.400 plantas. Em breve começo a colher e analisar se isso pode ser uma boa alternativa para o futuro”, ressalta Lucas.

Em relação ao mercado, para Lucas, ele não foi satisfatório por inúmeros fatores, destacando aqui a forma de enviar o mamão para o comércio exterior. “Mandamos nosso produto por via aérea e devido o alto custo desse serviço, as exportadoras pelo qual despachávamos, diminuiu muito o volume de exportação, então trabalhei praticamente mais no mercado interno, que infelizmente não reage muito. 2021 foi um ano muito difícil, onde os preços mantiveram a mesma média o ano todo. Além disso, outro desafio que passamos foi produzir numa situação onde o custo de produção está muito elevado devido os insumos que subiram demais de valor, a falta deles também”, relata o produtor do Rio Grande do Norte.

“Hoje no momento temos pouca oferta de fruta, o que deveria elevar o preço do produto, mas isso não acontece porque o mercado não reage” –  Lucas Paulo Celestino de Gusmão, produtor de mamão da região do Vale do Açu no Rio Grande do Norte

O produtor espera que nos cenários futuros, a economia volte a reagir, e que o poder aquisitivo do brasileiro volte a melhorar. “Estamos na expectativa de que o índice de desemprego diminua para que volte o consumo da nossa mercadoria, que a alta do dólar reduza para comprarmos insumos a preços justos, e que tudo volte ao normal para podermos produzir de maneira mais tranquila e satisfatória para todos”, finaliza Lucas Celestino.

Redação Campo Vivo

Compartilhar:

Deixar um Comentário