por Enio Bergoli, Engenheiro Agrônomo do Incaper e Ex-Secretário de Estado da Agricultura
O Espírito Santo vivenciou a mais grave crise hídrica de sua história com a estiagem que permaneceu por cerca de três anos, entre 2014 e 2016/17. Os efeitos foram gravíssimos sobre o setor agrícola num período maior ainda perdura, principalmente na recuperação de lavouras permanentes.
Para se ter uma ideia sobre a magnitude dessa seca, é como se tivéssemos um ano inteiro a menos de chuvas nas regiões mais afetadas, em apenas três anos, segundo dados do Incaper. Os prejuízos ocorreram em todas as cadeias produtivas do agronegócio estadual, com levantamento na ordem dos bilhões de reais.
Ao observarmos as séries históricas de precipitações das últimas décadas, observa-se claramente que passamos os anos mais difíceis em termos de escassez hídrica. Fato que se agravou ainda mais nos tempos atuais, tendo em vista que o Espírito Santo tem umas maiores áreas irrigadas do Brasil, proporcional ao território, além de uma acentuada demanda por água nos setores doméstico e industrial. Além disso, parte relevante dos solos capixabas, parcialmente erodidos por práticas agrícolas inadequadas, não conseguiram armazenar o pouco que choveu, no período .
Mesmo em fins de 2018, ainda existem barragens que não recuperaram a capacidade plena de armazenamento de água, ou seja, não “verteram”, na linguagem de agricultores e técnicos. O nível de renda rural, que somente começou a ser restabelecido a partir de 2018, pode até voltar ao patamar de antes de 2014 no próximo ano, caso as condições meteorológicas sejam favoráveis, dentre tantos outros fatores.
O volume de crédito rural aplicado caiu muito nos últimos anos, quando deveria ter aumentado para auxiliar os agricultores na recuperação dos prejuízos. O volume despencou de R$ 2,76 bilhões, em 2014, para R$ 1,68 bilhão, no último ano-safra 2017/18. Além disso, a taxa de inadimplência do crédito contraído continua acima da média, com produtores endividados.
Mesmo com todas as dificuldades do período “pós seca”, percebe-se claramente que os agricultores ampliaram a capacidade de armazenamento de água em suas propriedades, aceleram a substituição de equipamentos de irrigação ineficientes, estão mais conscientes sobre a importância de conservar os solos (reservatórios naturais de água) e começam a perceber o quanto é estratégico participar de fóruns e comitês que disciplinam sobre os diversos usos dos recursos hídricos. Foram lições aprendidas com a crise hídrica.
Contudo, há necessidade de consolidar as lições aprendidas e avançar em muitas outras. Mais do que utilizar métodos e sistemas de irrigação eficientes no uso de água e energia, é necessário melhorar o manejo dos equipamentos em nível de propriedade, para que a eficiência descrita no rótulo se transforme em eficácia na prática.
A utilização de variedades mais tolerantes à seda e menos exigentes em água, a disponibilidade e o acompanhamento do crédito rural em condições adequadas aos agricultores, a socialização e universalização do estoque de conhecimentos e tecnologias dentro do contexto do uso da água, dentre outras, são lições que todos precisamos aprender: agricultores, técnicos, gestores públicos e demais agentes do agronegócio. Assim, os efeitos das próximas estiagens serão menos sentidos por todos.
Este artigo foi publicado na 40ª Edição da Revista Campo Vivo