Plantio direto tem potencial para sequestrar carbono na produção de hortaliças

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Foto: Nuno Madureira

A horticultura pode sequestrar carbono da atmosfera por meio de sistemas conservacionistas como o plantio direto. Foi o que indicou um experimento realizado durante seis anos por uma equipe de agrônomos da Embrapa, no qual foram comparados diferentes sistemas de produção de hortaliças. O resultado comprovou que técnicas como o plantio direto são mais eficientes em promover o acúmulo de matéria orgânica no solo ao longo do tempo.

Ao fim do sexto ano do experimento, conduzido entre 2007 e 2013, nas condições climáticas do Distrito Federal, os pesquisadores calcularam a quantidade de carbono acumulada no solo levando em consideração uma profundidade de 30 centímetros. Os resultados mostraram que o sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH) acumulou uma quantidade de carbono equivalente a 62 toneladas por hectare, contra 60 t/ha do sistema de preparo reduzido (PPR) e 57 t/ha do sistema de preparo convencional com adubação verde (SPC).

A pesquisa mostra que a adoção de sistemas conservacionistas na horticultura tem potencial de sequestrar carbono atmosférico, capacidade até então registrada somente em culturas de maior porte como grãos e cana-de-açúcar.

“Podemos inferir que o sistema de plantio direto acumula, por hectare de lavoura, cinco toneladas a mais de carbono no solo do que o sistema convencional, o que é uma diferença significativa em termos de redução das emissões atmosféricas de gases de efeito estufa (GEE) associadas à horticultura”, explica o engenheiro ambiental Carlos Eduardo Pacheco Lima, pesquisador da Embrapa Hortaliças (DF), ao constatar que o plantio direto é uma ferramenta capaz de mitigar os efeitos das mudanças climáticas na produção de hortaliças.

Os três sistemas de preparo de solo foram conduzidos com hortaliças cultivadas após rotação com gramínea e leguminosa. No plantio direto, a palhada foi mantida em superfície após dessecação. No sistema de preparo reduzido foi utilizada uma grade para incorporação da palhada em torno de dez centímetros de profundidade. Já no sistema de preparo convencional, os resíduos vegetais das plantas de cobertura foram incorporados em profundidade, após uma aração e duas gradagens.

“Os resultados do plantio direto poderiam ter sido mais expressivos e mais rapidamente observados, caso não tivessem sido utilizadas práticas conservacionistas de solo também no sistema convencional, que costuma ser intensivo, com hortaliça após hortaliça. Porém, optamos por dar condições idênticas para cada sistema demonstrar seu potencial”, ressalta o agrônomo Nuno Madeira, também pesquisador da Embrapa Hortaliças.

No Brasil, o sistema de plantio direto é amplamente adotado em culturas como grãos e cana-de-açúcar, tendo contribuído com o aumento de produtividade e com a redução do uso de insumos químicos nas plantações. Entretanto, as pesquisas que avaliam o sistema de plantio direto na horticultura são mais recentes e a adoção desse sistema nesse segmento produtivo ainda é muito pequena.

“Pode parecer um resultado muito singelo se considerarmos que há mais de 30 milhões de hectares de soja no país, enquanto a horticultura responde por 800 mil hectares, mas é preciso lembrar que as hortaliças são cultivadas em um sistema intensivo em uso de insumos agrícolas e de revolvimento do solo, com ciclos de produção mais curtos. Logo, ocorrem vários ciclos em um mesmo ano, havendo intenso desgaste do solo, o que, consequentemente, aumenta as emissões e outros problemas graves como processos erosivos”, analisa Madeira, que foi um dos pioneiros na sistematização do plantio direto na produção de hortaliças no País, principalmente na região de Cerrado do Planalto Central.

Palhada favorece carbono estável no solo

A partir da verificação dos benefícios do sistema de plantio direto para a produção de hortaliças, como a redução de perda de solo e nutrientes por erosão ou de água por evaporação, os pesquisadores planejaram o experimento de longo prazo para entender o impacto da adoção do SPDH na qualidade do solo e no sequestro de carbono. As espécies de hortaliças cultivadas do primeiro ao sexto ano do experimento foram: cebola, repolho, brócolis, abóbora, repolho e brócolis.

Para cada um dos três sistemas de produção avaliados, foram testadas duas composições de plantas de cobertura, sendo uma somente com milho e outra um consórcio de milho com mucuna-cinza. O milho é uma gramínea que produz grande quantidade de biomassa e, por isso, há maior probabilidade de sua palhada durar por todo o tempo do cultivo da hortaliça, mesmo diante de muito calor e alta umidade, condições que aceleram a decomposição da palhada pela microbiota do solo. Já a mucuna-cinza é uma planta leguminosa que confere maior qualidade à palhada devido à capacidade de fixar nitrogênio e de aumentar os teores desse elemento nos resíduos vegetais.

A adoção de sistemas que aportem resíduos vegetais e que reduzam o revolvimento da terra promove o aumento dos níveis de carbono orgânico estável no solo, favorecendo o aumento da matéria orgânica em longo prazo. “Foi possível verificar a capacidade dos sistemas conservacionistas (SPDH e PPR) em manter um melhor nível de fertilidade do solo, em virtude da palhada. O entendimento é que o potencial para sequestro de carbono passa pela manutenção de maiores teores no solo de carbono orgânico estável”, pontua o engenheiro ambiental.

A formação de compostos estáveis

O mecanismo funciona assim: os restos vegetais da palhada contêm um carbono de fácil decomposição chamado de Carbono Orgânico Particulado (COP). Quanto maior a quantidade de COP no solo, maior será a probabilidade de parte dele se tornar carbono estável a partir da ação da microbiota do solo. A forma estável do carbono no solo é chamada de Carbono Orgânico Associado aos Minerais (COAM) e, quando essas moléculas são formadas, maior é a chance de permanecerem no solo sem sofrer significativa degradação.

“A ação da microbiota promove a transformação das moléculas de carbono presentes na palhada, que são quimicamente mais simples, em moléculas orgânicas mais complexas, que contam com a presença de diversos grupos funcionais que podem gerar carga elétrica e, por isso, são capazes de interagir quimicamente com a superfície dos minerais de argila no solo”, esclarece Pacheco ao acrescentar que esses processos estabilizam o carbono no solo e evitam que ele retorne para a atmosfera na forma de CO2 (gás carbônico) ou CH4 (gás metano), que são gases de efeito estufa.

Nos primeiros anos do experimento, os dados referentes ao estoque de carbono no solo foram semelhantes para os três sistemas de produção – convencional com adubação verde, preparo reduzido e plantio direto. Mas, do quinto para o sexto ano, os sistemas atingiram sua maturidade e, então, o plantio direto e o preparo reduzido mostraram mais capacidade em manter maiores teores de matéria orgânica no solo. Pacheco comenta que, na literatura, o tempo de alcance da estabilização do carbono orgânico em sistema de plantio direto para grãos varia normalmente entre 8 e dez anos, mas na produção de hortaliças, esse fenômeno pôde ser observado antes.

No horizonte da pesquisa

Os pesquisadores pretendem repetir o experimento de longo prazo para avaliar a ação de diferentes plantas de cobertura no sequestro de carbono. “Queremos agora aprofundar a avaliação do potencial de melhoria dos teores de carbono e da fertilidade do solo proporcionados por diferentes espécies vegetais utilizadas como plantas de cobertura”, afirma Pacheco ao planejar as ações futuras.

A equipe também quer entender se, com a melhoria de fertilidade do solo, há necessidade de reduzir a adubação em cultivos de hortaliças em função da adoção dos sistemas conservacionistas. Hortaliças demandam mais adubação que grãos. Por exemplo: não há necessidade de utilizar fertilizantes nitrogenados no plantio de soja, porém, para plantar alface estima-se o aporte de até 150 quilos de nitrogênio por hectare.

“Não estamos falando apenas do custo financeiro, mas também do custo ambiental. O nitrogênio aportado ao solo pode ser devolvido para a atmosfera em forma de óxido nitroso (N2O), um gás de efeito estufa cerca de 300 vezes mais potente que o gás carbônico. Quantificar a redução da emissão do óxido nitroso em sistemas de produção de hortaliças também é um desafio premente”, afirma Pacheco ao projetar que, caso a hipótese seja confirmada, a produção de hortaliças pode ter um impacto ainda mais significativo na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

Embrapa

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