Aplicação da nanotecnologia para o desenvolvimento de biomateriais de alto valor agregado com a utilização de resíduos industriais de baixo valor comercial. Esse foi o desafio assumido por uma equipe de cerca de 30 pesquisadores de quatro instituições de pesquisa, sob a coordenação da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ). Os primeiros resultados, após quase três anos de trabalho, mostram um tipo de plástico biodegradável, feito da amêndoa do caroço de manga em mistura com o biopolímero natural, o PHBV, que pode ser aplicado à indústria alimentícia, na composição de embalagens, e até no setor médico para compor matrizes ósseas. Trata-se do primeiro passo para o desenvolvimento de um plástico biodegradável comercial que utiliza como matéria-prima resíduos da indústria alimentícia.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013), o Brasil é um dos maiores produtores de manga do mundo com uma produção de mais de um milhão de toneladas por ano. O processamento industrial de manga para polpas e sucos resulta no descarte dos caroços, correspondente a valores entre 40% e 60% do seu volume. A equipe de pesquisa da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), em parceria com a Embrapa Instrumentação (SP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) se reuniram em busca de alternativas para reutilizá-los, visando gerar uma tecnologia que pudesse ser aplicada à indústria.
Plásticos de casca e caroço de manga
O objetivo do projeto foi dar uso e agregar valor a esse resíduo de grandes volumes e alto impacto ambiental. “O desenvolvimento de novos biocompósitos pode ser um caminho viável para o aproveitamento de coprodutos industriais na fabricação de itens inovadores e sustentáveis”, afirma a pesquisadora da Embrapa Edla Lima, que lidera os estudos. O projeto está dividido em várias frentes de pesquisa para a utilização da casca e da amêndoa do caroço de manga e argilominerais adicionados a uma matriz de polímeros orgânicos: o PHBV — um biopolímero natural produzido por bactérias — e o PLA — outro biopolímero natural, obtido de moléculas de ácido lático.
Um dos principais desafios de toda a equipe se concentra na utilização um material que não tem uniformidade, como o caroço de manga, em que a casca e a amêndoa variam em composição e estrutura dentro de uma mesma espécie vegetal, de época e local de origem. Os cientistas têm de driblar essa dificuldade para garantir a reprodutibilidade da composição (formulação). Para isso, já foram realizados mais de uma centena de testes, utilizando técnicas de casting, extrusão, injeção e moldagem por compressão.
Foram avaliadas diferentes concentrações da amêndoa e da casca do caroço de manga como carga de reforço em biopolímeros comerciais (PLA e PHBV), adicionados ou não de quatro diferentes tipos de argilominerais, que foram concentrados e organofilizados. Para avaliar resistência, cristalinidade e elasticidade, os materiais resultantes foram analisados por calorimetria de varredura diferencial (DSC), análise termogravimétrica (TGA), microscopia eletrônica de varredura (MEV) associado à espectrometria de energia dispersiva de Raios-X (EDS), ressonância magnética (NMR1H), Difratometria de Raios-X (DRX), e infravermelho (FTIR).
Nova estrutura
A equipe do projeto já conta com bons resultados na obtenção de novos biocompósitos, como os trabalhos com PHBV e a amêndoa do caroço de manga, coordenados pela professora Rossana Thiré do Laboratório de Biopolímeros da Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Coppe/UFRJ. Os pesquisadores testaram, em diferentes concentrações, a utilização dos resíduos do processamento da manga como reforço de biocompósitos biodegradáveis usando o PHBV em moldagem por compressão. A adição do pó da amêndoa do caroço de manga promoveu uma nova estrutura no polímero.
Os biocompósitos apresentaram maior interação intermolecular, o que promoveu maior dispersão e distribuição do material de enchimento. “As análises demostraram boa adesão, dispersão e distribuição em amostras com PHBV. Os resultados indicam que a fabricação de biocompósitos pode ser uma estratégia para a reutilização desse subproduto agroindustrial”, ressalta a professora e pesquisadora Rossana Thiré. Agora, a equipe está voltada para dar continuidade ao projeto e chegar a um produto comercial. “Há diversas possibilidades de uso na área alimentícia, médica e de lazer”, avalia Rossana.
De ossos artificiais a embalagens de alimentos
Há mais de quinze anos, a pesquisadora e sua equipe desenvolvem pesquisas com polímeros a partir de matrizes orgânicas para a área de alimentos (embalagens alimentícias, filmes de proteção de alimentos, copos e talheres) e de bioengenharia (matrizes ósseas, fios de sutura de pele, moldes biocompatíveis).
“Devido à sua abundância e renovabilidade, a utilização de resíduos agrícolas como matérias-primas é vantajosa para a economia, o meio ambiente e a tecnologia, devido à sua baixa demanda de energia de fabricação, baixa emissão de CO2 e alto nível de biodegradabilidade, quando comparados aos compósitos de polímeros reforçados com enchimentos inorgânicos”, conta a professora e pesquisadora Rossana Thiré. É fato que os biopolímeros naturais ainda são até 12 vezes mais caros que os polímeros gerados por petróleo, mas levam cerca de dois meses para se decompor no meio ambiente. “Há de se pagar esse custo adicional para evitar que toneladas de plásticos tradicionais gerem impactos ambientais por mais de um século”, afirma.
Pesquisas em andamento
A equipe de pesquisa da Embrapa Alimentos, da Embrapa Instrumentação, do Departamento de Engenharia Química da UFRRJ e do Cetem estão desenvolvendo a aplicação de argilominerais em mistura à matéria orgânica da manga na matriz de PLA. O objetivo é obter melhor efeito de carga de reforço, o que dá mais resistência ao material. Contudo, há outra barreira tecnológica a ser transposta. A boa interação entre os argilominerais naturais e o polímero não acontece espontaneamente devido à similaridade de cargas. Para isso, é necessário alterar a estrutura molecular do material.
“Utilizamos a técnica de organofilização para modificar o argilomineral concentrado e obter melhor aderência ao polímero. Trabalhamos em escala nanométrica para a obtenção desses biocompósitos, a partir de argilominerais”, conta Antonieta Middea, do Cetem. O argilomineral utilizado na pesquisa provém de quatro tipos de montmorilonita/bentonita, advindas de jazidas do Rio Grande do Norte e Bahia.
Pelas técnicas de peneiramento e densimetria se concentra a fração de argila rica neste tipo de argilomineral. Esse processamento possibilita a obtenção desses argilominerais para serem posteriormente organifilizados e incorporados ao polímero. A vantagem é que são materiais relativamente baratos. “O desafio dessa parte do projeto é obter um nanocompósito com minerais e matérias orgânicas (polímeros naturais), provenientes de subproduto agroindustrial. A soma de conhecimento entre as instituições vem contribuindo para a obtenção em um biocompósito transparente, biodegradável e de alta resistência. Os resultados preliminares são animadores”, avalia Reiner Neumann, pesquisador líder do Cetem. Destaca-se que esses quatro institutos em conjunto estão buscando o desenvolvimento desses novos biocompósitos a partir de técnicas distintas de processamento, ou seja, por casting e por extrusão/injeção termoplástica.
É importante ressaltar que essas pesquisas têm como meta desenvolver biocompósitos ambientalmente corretos para servir como matéria-prima de embalagens seguras de alimentos, agregando valor e uso ao que antes era considerado lixo da agroindústria de sucos associado a argilas ou não na função de “carga de reforço”. Esses novos biocompósitos visam a ser substituintes aos polímeros de petróleo utilizados com essa função.
Uso de tecnologia para o gerenciamento da equipe
Para garantir o comprometimento da equipe e gerenciar cada etapa do desenvolvimento da pesquisa, a cientista Edla Lima também se apoia na tecnologia. “Como são equipes que trabalham em locais diferentes, de diferentes níveis – há pesquisadores seniores e em formação – acompanhamos de perto cada etapa das análises e discussões técnicas pela rede social WhatsApp. Trocamos fotos e vídeos, e envolvemos o grupo nos avanços da pesquisa e na busca de soluções conjuntas para as dificuldades técnicas e operacionais que enfrentamos no dia a dia”, conta a pesquisadora da Embrapa para quem a estratégia tem sido eficaz pelos resultados gerados pelo projeto.
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