Artigo – “Do tecnismo ao pragmatismo ambiental no campo”, por Wolmar Roque Loss

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Wolmar Loss / Foto: Divulgação/Crea-ES

DO TECNICISMO AO PRAGMATISMO AMBIENTAL NO CAMPO

Poucos dias atrás, escrevendo para o Grupo Café e Cafeicultura, coordenado pelo meu amigo Engenheiro Agrônomo Frederico Daher, postei uma mensagem em que dizia … “nós, do campo e agregados (técnicos e todos os direta e indiretamente envolvidos), temos que ter um discurso lógico para que não sejamos traídos pelo complexo de grandeza”. Passou em branco. Ninguém reagiu, negativa ou positivamente, mesmo citando dois exemplos: Consumimos 73% da água em irrigação, restando apenas 27% para todos os outros usos; Temos 16,65% de áreas agrícolas degradadas, considerando todos os usos agropecuários. Em evento de Instituição de Direto, para o qual fui convidado como advogado formando para falar sobre a sustentabilidade entre o rural e o urbano, fui voz isolada na defesa da agricultura. Teve conferencista distribuindo a tabela ampla da pegada hídrica em que para produzir 1Kg de bife são consumidos 15,000 l de água e para fazer um xícara de café, em todo o processo, são consumidos 140 l de água.  Tudo isso são meias verdades.

Em primeiro lugar, se irrigamos ainda relativamente pouco pela escassez hídrica e baixa reservação de água, imagine quando tivermos 50% das áreas de cultivo com irrigação (ou seja, 1,18 milhões de ha, dos  2,36 milhões de hectares ocupados pela agropecuária.). E mais, fala-se também que o Espírito Santo é o Estado que tem a maior densidade de área irrigada! Convenha-se, não precisa disso para enaltecer a importância da irrigação em nossas lavouras, tampouco para convencer políticos neófitos em agricultura.

Utilizando-se do conceito de “pegada hídrica”, e para ficarmos no âmbito apenas da produção rural, há a pegada de água azul – que se refere ao consumo de água de irrigação – que é inversamente proporcional à pegada de água verde – aquela água que vem das chuvas. Ainda há a pegada hídrica cinza, ou seja, aquela água conhecida como residuária, necessária na diluição de resíduos de toda ordem, para se ter as concentrações dos poluentes nos padrões de qualidade ambiental dos corpos d’água.

A pegada hídrica azul refere-se a todo o consumo da vegetação (planta ou capim), evapotranspiração e infiltração, retornando ou não à sua zona de influência ou ao mar (pode evapotranspirar numa bacia e chover na mesma bacia ou em outra, por exemplo).

De tudo isso, é fundamental ter em mente que embora a agricultura irrigada consuma muito água, e que a quantidade de água a irrigar é função do solo, chuva, insolação e temperatura, e características das lavouras e animais, a maior parte da água irrigada se infiltra ou evapotranspira, destacando que nem 20% da água consumida é retida pelos frutos, em sua fase madura. Assim, os 73% não passa de 15% da pegada hídrica azul, se chover na média histórica, aqui no Espírito Santo (pegada hídrica verde), coisa rara nos últimos 3 anos. Assim, devolve-se 80% da água retirada dos mananciais para irrigação, nas diferentes formas de retorno.

A outra questão diz respeito ao que se considera área degradada, ou seja, 16,65% das áreas agrícolas do Estado. Nesses três anos de grave déficit hídrico, as áreas que parecem degradadas se multiplicam. A seca foi tão grave que destruiu a vegetação, decompôs a matéria orgânica e expôs a maioria dos solos mais pobres à intensa insolação. Temos hoje mais de 30% de nossos solos totalmente expostos.

De outro lado, muito do que se considera áreas degradadas tem poder de regenerar a vegetação. Basta isolar (cercar) essas áreas e deixar que a natureza faça seu papel regenerador. Pode-se inclusive enriquecer de espécies não presentes na área em regeneração. É preciso valorizar sempre a capacidade regeneradora natural. Ora, qualquer política pública voltada à recomposição florestal, melhoria da cobertura do solo e proteção de nascentes visando melhores fluxos de água para reservação, deveria compor o portfólio de incentivos permanentes à recuperação da base dos recursos naturais.

Então, melhor do que mostrar as chagas, os pontos fracos da agropecuária e suas limitações,  será lutar para que tenhamos políticas e incentivos consistentes para ampliar a reservação de água, reduzir o consumo, com métodos mais eficientes de irrigação, melhorar a cobertura florestal, recuperar e conservar os solos. Os diagnósticos, quando necessários, devem ser completos e sempre que possível, relativizados, para que não cometamos ato falho nos levantamentos da realidade rural capixaba.

Wolmar Roque Loss

                                                           Eng. Agrônomo, Ms. em Economia Rural e Advogado

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