A partir de três formulações diferentes do composto orgânico fermentado chamado bokashi, um experimento conduzido por pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF) comprovou que o aporte de matéria orgânica no solo é capaz de reduzir o efeito negativo da bactéria Ralstonia solanacearum, causadora da murcha bacteriana no tomateiro e agente nocivo para mais de 200 espécies vegetais. O uso de bokashi propicia o aumento dos microrganismos presentes no solo que competem com a bactéria, dificultando sua reprodução.
A lógica por trás desse resultado remonta ao fundamento da Física de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, o que se conhece por princípio da impenetrabilidade. Na zona do solo influenciada pelas secreções das raízes, conhecida como rizosfera ou segundo genoma da planta, há uma vasta fauna microbiana composta por microrganismos como fungos, bactérias e algas. Um único grama de solo pode conter milhões de células de uma infinidade de microrganismos que competem de forma bem acirrada por nutrientes e por espaço em busca de sobrevivência.
Com o aumento dos microrganismos que a combatem, a população da bactéria Ralstonia é reduzida, diminuindo a severidade dos danos da doença no tomateiro. Porém, na prática, a relação de causa e efeito não é tão simplista, pois depende do tipo de solo, da formulação do bokashi e de outros aspectos que os cientistas buscaram mensurar na pesquisa.
“O diferencial desse estudo foi avaliar o comportamento de três formulações de bokashi em dois tipos de solo: naturalmente infestado e artificialmente infestado – após esterilização e inoculação da bactéria nociva”, explica o agrônomo Carlos Alberto Lopes, da área de Fitossanidade da Embrapa Hortaliças.
Os resultados comprovaram a hipótese inicial: no solo esterilizado, sem a presença de microrganismos benéficos e com a infestação artificial, a bactéria Ralstonia não encontrou competidores e pôde se estabelecer com facilidade, ocasionando maior incidência da doença nas plantas de tomate. Por outro lado, no solo nativo que já possuía uma população espontânea de microrganismos, inclusive da bactéria Ralstonia, o bokashi foi mais eficiente em restabelecer os microrganismos benéficos do solo e suprimir a ocorrência da murcha bacteriana.
Qual é a fórmula certa?
O efeito supressivo no tomateiro variou também de acordo com a formulação do composto orgânico: bokashi à base de cama de aviário, bokashi de esterco de gado e bokashi desenvolvido pela Embrapa (composição mista de esterco de ave e gado). No solo infectado artificialmente, não houve variação estatística para nenhum dos três tratamentos com bokashi, mas no solo com infestação natural o bokashi de cama de aviário e o bokashi da Embrapa apresentaram menor número de plantas infectadas que o bokashi de esterco de gado. Foi possível observar, segundo Lopes, que diferentes tipos de bokashi teriam capacidade diferenciada de controlar a murcha bacteriana pela adição de espécies de microrganismos antagonistas à bactéria Ralstonia.
Os indicadores do efeito causado por cada bokashi foram a respiração basal e o coeficiente metabólico, que basicamente medem o nível de atividade dos microrganismos no solo. Em detalhes, a respiração basal indica se o carbono gerado pelo metabolismo das bactérias está sendo associado à biomassa microbiana do solo ou sendo eliminado como gás carbônico. “Nas plantas adubadas com bokashi de gado, a taxa da respiração basal foi mais alta, o que sugere um estresse ocasionado pela presença mais ativa da bactéria Ralstonia, o que provocou mais plantas infectadas nesse tratamento”, observa a bióloga da Embrapa Mariana Fontenelle, pesquisadora da área de Microbiologia do Solo, ao ressaltar que a incorporação do carbono é positiva e indica maior qualidade do solo.
Com base nos parâmetros avaliados, ao final do experimento instalado em bandejas com mudas de tomate em casa de vegetação, para cada 12 plantas tratadas com bokashi de gado, aproximadamente metade apresentou sintomas de murcha bacteriana, ocasionada pela bactéria Ralstonia. No ensaio com bokashi de cama de aviário, duas a cada 12 plantas manifestaram sintomas de infecção.
O melhor resultado ocorreu no tratamento com o bokashi formulado pela Embrapa: na média das repetições do experimento, somente 0,25 planta foi infectada. “Não é possível determinar que o uso de qualquer formulação de bokashi possa ter efeito supressivo no solo contra a Ralstonia, porque os resultados obtidos dependem da formulação do composto orgânico para diminuir a ação da bactéria”, conclui o agrônomo Carlos Lopes. Logo, a resposta para aquela pergunta acima é: não há fórmula exata.
Os pesquisadores também fazem outra ressalva: o bokashi da Embrapa e o bokashi de cama de aviário podem ter apresentado resultados melhores em virtude da curta duração do experimento, já que o tempo de degradação do bokashi varia de acordo com sua fonte orgânica (cama de aviário ou esterco de gado).
“No caso desse ensaio exploratório de três meses, os insumos à base de cama de aviário sobressaem porque a liberação de nutrientes e a disponibilização de matéria orgânica para o solo é mais rápida”, explica o engenheiro ambiental da Embrapa Carlos Eduardo Pacheco Lima, doutor em Solos e Nutrição de Plantas.
Ele acrescenta que em um experimento de duração mais longa, muito provavelmente, o bokashi de esterco de gado – que tem degradação vagarosa, mas duradoura – causará também um efeito de supressão da bactéria Ralstonia no solo. Sendo assim, o que o agricultor deve pesar é utilizar um bokashi de degradação mais rápida e fazer novos aportes ou usar um bokashi de degradação mais lenta que permanecerá por mais tempo atuando no solo.
Independentemente da fonte orgânica do bokashi e do tempo de degradação, o fato certo é que o aumento da matéria orgânica no solo aumenta a supressão da bactéria nociva ao tomateiro e a outras tantas culturas. Na primeira fase, o experimento foi realizado em condições controladas e, na próxima etapa da pesquisa, o grupo pretende replicar o ensaio em uma situação mais próxima daquela vivenciada pelo produtor de tomate em suas lavouras.
Bactéria de difícil controle
O controle da murcha bacteriana em tomate e em outras espécies da família das solanáceas, como batata e pimentão, é muito complexo porque a bactéria Ralstonia, que causa a doença, é um microrganismo plenamente adaptado ao solo. Condições de alta temperatura e umidade favorecem o aumento da população da bactéria no solo, por isso atualmente é tão difícil produzir tomate na Amazônia.
“A Ralstonia é uma bactéria nativa da região amazônica, logo não há como escolher instalar os cultivos em solos que não estejam contaminados”, problematiza Lopes. No Brasil, ainda há solos livres da doença, porém essas áreas diminuem a cada dia e, nesse caso, a prevenção é o melhor caminho porque, uma vez que a bactéria se instala no solo, há técnicas de manejo para se conviver com ela, mas não é possível a erradicação.
Controle integrado da doença
No solo, a bactéria Ralstonia fica protegida da ação de agrotóxicos que, geralmente, são a principal medida adotada pelos agricultores para o controle de doenças de plantas. Por ser um microrganismo difícil de ser atingido, é necessário buscar o controle integrado da murcha bacteriana.
Segundo Lopes, nenhuma prática isolada é capaz de solucionar o problema. “Buscar áreas com baixa infestação de Ralstonia no solo e a associação de diferentes técnicas é essencial para reduzir o efeito da doença”. Ele enumera: solarização, cultivares tolerantes, rotação de culturas, enxertia e, como avaliado na pesquisa, o uso de bokashi.
O especialista lembra que o manejo do solo visando à manutenção de populações microbianas altas, desde que sejam microrganismos “do bem” (que auxiliam o desenvolvimento das plantas e competem com os agentes causadores de doenças), é o principal motivo do uso da matéria orgânica na agricultura, em especial na produção de hortaliças. Por isso, o bokashi soma-se às opções de medidas auxiliares para reduzir a incidência de murcha bacteriana no tomate. Pacheco frisa que é difícil a empreitada de vencer a bactéria Ralstonia em seu próprio habitat. Por isso, a melhor chance é melhorar a qualidade do solo ao longo do tempo.
“A adição de compostos orgânicos no solo melhora a qualidade do ponto de vista dos aspectos químicos, físicos e principalmente microbiológicos. O solo com maior biodiversidade microbiana é menos afetado pela murcha”, sinaliza Pacheco, ao mencionar que outros trabalhos da literatura científica dialogam com os resultados obtidos na pesquisa.
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