O ano de 2016 não foi um dos mais fáceis para os produtores rurais do Espírito Santo. Vivendo uma das piores secas da sua história, agropecuaristas de várias regiões tiveram que se adequar para tentar amenizar os prejuízos que a falta de chuvas causou no Estado. Por conta disso, o setor agrícola capixaba já acumula uma perda de mais de R$ 3,6 bilhões ao longo dos últimos dois anos, de acordo com dados da Secretaria de Estado da Agricultura (Seag).
Devido toda essa seca que o Estado está enfrentando, é necessário que tanto produtores rurais como os órgãos competentes, e ainda o Governo do Estado, pensem em qual a melhor maneira de trabalhar para melhorar a gestão do uso da água e evitar futuras crises hídricas. E uma das alternativas que os produtores têm encontrado é a construção de barragens para reservar água nas propriedades rurais e fazer o uso de forma coletiva. Nessa linha, o Governo do Estado lançou, em 2015, o Programa Estadual de Construção de Barragens que prevê investimentos de R$ 90 milhões para a implantação de mais de 60 reservatórios de água no interior do Espírito Santo até 2018. Dos 60 reservatórios, 34 serão de usos múltiplos de médio porte no interior do Estado e outras 26 de uso coletivo em assentamentos de trabalhadores rurais capixabas no Norte do Espírito Santo. Estima-se que com a implantação dessas barragens, sejam armazenadas 67,2 bilhões de litros de água, o suficiente para abastecer 1,2 milhão de pessoas durante um ano ou irrigar 22 mil hectares de café.
De acordo com o secretário de estado da agricultura, Octaciano Neto, as prioridades da agricultura capixaba mudam ao longo do tempo. “Já tivemos como meta a distribuição energética e a pavimentação de estradas. Atualmente, nosso foco está nas políticas públicas para ampliar a reserva hídrica e avançar nas ações para recuperação da cobertura florestal em nosso Estado. Assim, pelo Plano Estadual de Construção de Barragens, estamos investindo bastante para a construção de reservatórios no interior do Espírito Santo”, destaca Octaciano.
Toda dificuldade dos produtores por conta de falta d’água não é uma realidade apenas do nosso Estado e do nosso País. Em recente viagem à Espanha, o engenheiro agrônomo e membro do Comitê da Bacia Hidrográfica Pontões e Lagoa, Fabrício Carraretto Barreto, visitou algumas regiões e constatou que o problema é ainda maior em outros países. “Na região de Murcia, Almería e Alicante são utilizados aproximadamente 300 mil hectares de área irrigada. Por lá, chove entre 200 e 300 milímetros (mm) ano, sendo que choveu apenas 80mm em 2015. A água é o item mais escasso, fora o solo de condições químicas e físicas altamente desafiadoras. A fonte da água nesta região da Espanha é dividida entre a dessalinização do Mediterrâneo, água de superfície e poços com até 700 metros de profundidade”, explica Barreto.
Para ter uma ideia da diferença da região espanhola com o norte do Espírito Santo, de janeiro a outubro de 2015, segundo o Incaper, choveu em Linhares um acumulado mensal de 287 milímetros. Já em Sooretama, no mesmo período em 2015, o número foi de 499 milímetros. Em 2016, também de janeiro a outubro, em Linhares, a quantidade de chuvas total foi de 392 milímetros e em Sooretama de 422 milímetros.
Segundo Fabricio Barreto, na Espanha para poder utilizar essa água é necessário que ela seja misturada em uma proporção de 1/3 de cada fonte visando melhorar a qualidade, o que custa, em média, aproximadamente US$ 5 mil por habitante ao ano. Para organizar tudo isso existe comunidades de irrigantes que são definidas por microrregiões geográficas e culturais. “Essas comunidades, com CNPJ, recebem autorização do Governo para investir e gerir a operação da captação, tratamento e distribuição da água. Sendo assim, cada produtor tem direito ao uso de um volume de água por hectare/ano, multiplicado pela área da propriedade. Este volume fica em torno de três a quatro mil metros cúbicos por ha/ano, sendo que muitos produtores usam apenas um percentual de terra para cultivos para adequar o volume permitido a sua propriedade ao necessário.
Fazendo um paralelo a realidade que vivemos hoje no Estado, para o engnheiro agrônomo o que foi visto durante sua viagem é ainda pior do que o que se vê por aqui. “Naquela região a realidade climática deles é muito mais desfavorável do que a nossa, porque chove muito menos. Porém, pra eles isso já é uma coisa normal, uma realidade que eles precisam viver sempre e saber enfrentar”, destaca Barreto, que acredita que para o Espírito Santo lidar com essa situação da falta de água é um desafio e um assunto bastante complexo. “O que podemos perceber ao longo desses anos é que a nossa área irrigada foi aumentando exponencialmente e hoje temos muito mais irrigação do que água. Para tentar amenizar essa situação, é preciso que haja investimentos do setor público e privado. O Estado precisa coordenar de forma mais eficaz as ações, e precisamos criar a figura das comunidades de irrigantes, para que estas possam ter recursos e subsidiar as ações dos comitês de bacias”.
O meteorologista do Incaper, Ivaniel Foro Maia, acredita que se vier toda chuva prevista para o verão o beneficiado mais direto será a agricultura, que passará por uma espécie de pequeno alívio. “O setor está passando por um estresse, então toda chuva que cai, será captada pela planta. Se houver grande concentração de chuva em curto espaço de tempo, como está previsto, não será o suficiente para retirar o Estado da situação de alerta. A gente não pode garantir que um ou dois eventos sejam suficientes para voltar à normalidade. Vai chover. Mas vamos continuar utilizando a água de forma mais consciente. O capixaba precisa aprender a fazer isso. A chuva pode dar um alívio imediato, mas o cenário futuro não é muito animador porque o período tradicionalmente seco está chegando”, pontuou o meteorologista.
Plano Estadual de Recursos Hídricos
A Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) divulgou no mês de agosto, que abriu edital para contratação de uma empresa que vai elaborar o Plano Estadual de Recursos Hídricos (Perh). O plano vai estabelecer diretrizes e critérios de gerenciamento em escala estadual, refletindo as necessidades das bacias hidrográficas e com capacidade de harmonizar disponibilidade de água e demanda. Se o processo licitatório ocorrer dentro da normalidade, a contratação deve acontecer ainda neste mês de novembro. Entre os Estados da Região Sudeste, o Espírito Santo é o único que ainda não possui o Plano.
O Perh é um instrumento de gestão que visa orientar a implementação da política de recursos hídricos, definindo as diretrizes para utilização das águas de modo a garantir sua disponibilidade para os usos múltiplos em quantidade e qualidade adequadas. Tem como finalidade principal a organização do desenvolvimento social e econômico do Espírito Santo na medida em que trata do principal insumo: a água.
“O Perh é um importante passo para a conservação e o planejamento do uso dos recursos hídricos. Será elaborado com a participação dos comitês de bacias estaduais, de organizações sociais, e de representantes dos setores usuários da água, principais indutores do desenvolvimento econômico do Estado”, disse o presidente da Agerh, Paulo Paim.
Reportagem publicada na Revista Campo Vivo – Edição 32