Fronteira com Paraguai mantém porta aberta a novos focos de aftosa

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Enquanto as autoridades brasileiras tentam convencer os compradores internacionais de que nossa carne é segura, na região de alto risco de aftosa, na fronteira do Brasil com o Paraguai, sobram motivos para preocupação. Pouco mais de dois anos depois do surgimento de focos da doença nos municípios de Eldorado, Japorã e Mundo Novo, em Mato Grosso do Sul, as medidas de controle da circulação de gado entre os dois países foram relaxadas ao extremo.

A reportagem do Estado flagrou, na quarta-feira passada, bois, vacas e bezerros circulando livremente na Linha Internacional, a faixa de fronteira entre Brasil e Paraguai. No único posto de fiscalização sanitária que ainda funciona na região, entre Mundo Novo e Guaíra, no Paraná, os fiscais estavam ocupados com um churrasco em pleno horário de expediente.

A região é considerada de “alta vigilância” pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, por causa do risco da doença. Ainda há suspeita de que o surto ocorrido em 2005, que resultou no abate sanitário de mais de 6 mil animais na região e em grandes prejuízos para as exportações brasileiras de carne, tenha se originado de animais trazidos clandestinamente do Paraguai.

Apesar disso, não há nada que impeça o gado paraguaio de continuar entrando no Brasil. A reportagem percorreu 150 quilômetros da fronteira, entre Guaíra (PR) e Sete Quedas (MS) e não encontrou uma única equipe de fiscalização.

O antigo posto de inspeção fiscal e sanitária em Sete Quedas foi depredado e está em ruínas. Portas e janelas foram arrancadas e as paredes crivadas de balas. Havia mais de 50 cabeças de gado soltas na Linha Internacional entre Novo Mundo e Japorã, entre elas um touro usando “brinco” de identificação. O animal teve contato pela cerca de arame liso com o gado paraguaio, confinado numa estância. Como a aftosa pode ser transmitida pela saliva do animal doente, um contato seria suficiente para a contaminação.

Numa área próxima, uma vaca e seu bezerro pastavam tranqüilamente ao lado de um dos marcos da fronteira, ora no lado brasileiro, ora no paraguaio. Em nenhum momento a patrulha da Polícia Militar que colabora com a Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro) na vigilância da fronteira passou pelo trecho.

O criador Valdemir Catarino dos Santos, de 67 anos, disse que o gado “varou a cerca”. Ele tem um rebanho de mais de 50 cabeças numa área de apenas 13 hectares perto da fronteira. Santos não tem medo de seu gado pegar aftosa. “Vacino direitinho.” Segundo ele, é “difícil” os fiscais sanitários passarem por ali. “Quando passam e pegam o gado solto, criam caso.”

Em Japorã, o agricultor Maurílio Francisco Neto disse que o trânsito de animais entre o Brasil e o Paraguai nunca parou. Maurílio tinha 82 bois quando surgiu a aftosa. Seu sítio estava na área interditada e o gado foi sacrificado. Ele recebeu a indenização paga pelo governo, mas desistiu de outro rebanho. “E se der aftosa de novo?”

Como prova de que o controle é necessário, uma equipe da Iagro apreendeu em 12 de dezembro, em Mundo Novo, um veículo com cinco cabeças de gado sem a Guia de Trânsito Animal (GTA) exigida para transporte dos animais. Os bovinos foram encaminhados ao abate sanitário e o dono não teve direito a indenização. Em Guaíra, um moderno posto de fiscalização construído pelo governo estadual em parceria com o Ministério da Agricultura funcionou apenas três meses. A obra foi interditada depois que o pavimento afundou, há um mês e meio.

O controle sanitário do gado e de produtos de origem animal e vegetal passou a ser feito num posto provisório. Os fiscais da Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento informaram que a inspeção ocorre 24 horas por dia. No caso de bovinos, é exigida a guia de trânsito com dados da procedência e destino e o certificado sanitário assinado por veterinário. A reportagem constatou, no entanto, que à noite o posto é desativado: às 20 horas, o trailer usado pelos fiscais tinha desaparecido e o local estava deserto. Na quarta-feira, o posto estava de volta. Às 16 horas, horário do expediente, os três fiscais improvisaram uma churrascada ali mesmo, ao lado do trailer.

Enquanto os funcionários vigiavam a costela no braseiro, os caminhões e carros passavam sem parar. Um policial militar chegou fardado, mas apenas para se juntar aos comensais. Os fiscais , embora visivelmente incomodados com a presença da imprensa, não interromperam o churrasco. Os dois Estados – Mato Grosso do Sul e Paraná – estão empenhados em convencer a Organização Internacional de Epizootias (OIE) de que têm condições de obter o certificado de área livre de aftosa. Esse status possibilitaria a exportação de carne sem restrições à Comunidade Européia, o mercado mais cobiçado do mundo.

Casos:

O primeiro foco de febre aftosa foi detectado em agosto de 2005 na fazenda Vezozzo, em Eldorado (MS). Todas as propriedades vizinhas foram interditadas. Novos focos surgiram em seguida nos municípios de Japorã e Mundo Novo.

Na época, o governo do Estado atribuiu a aftosa à entrada clandestina de gado contaminado do Paraguai. As autoridades paraguaias contestaram. Foi montada uma operação de guerra para evitar que a doença se espalhasse. Os animais eram abatidos e enterrados.

A doença furou o cerco e atingiu o Paraná. O Ministério da Agricultura confirmou um foco em São Sebastião da Amoreira, noroeste do Estado. A fazenda paranaense tinha recebido 200 animais de Eldorado. Em seguida, foram confirmados focos em Boa Vista do Paraíso, Grandes Rios, Maringá e Loanda, na mesma região. Recentemente, depois que exames sorológicos constataram a inexistência do agente da febre aftosa no rebanho, os municípios foram desinterditados para o trânsito de animais. Mas as exigências, como a de atestar a vacinação e a sanidade, permanecem.


 


O Estado de São Paulo

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