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“Quando lembro já trabalhava no cacau”, diz o produtor Lícinio Pereira de Alcantara. Filho de trabalhador da lavoura de cacau, o cacauicultor da região de Perobas, interior de Linhares, até hoje cultiva a fruta. Durante todo esse tempo viveu momentos distintos na atividade. De uma cultura quase extrativista e com fartura de produção, vivenciada pelos capixabas até o final dos anos 90, a uma atividade altamente impactada pela doença da vassoura de bruxa que reduziu a produtividade das lavouras da região e despertou uma nova fase para o segmento.
A mudança na mentalidade dos produtores veio através da necessidade. A dificuldade virou oportunidade e o trabalho de renovação das lavouras de cacau por clones mais resistentes a doença e mais produtivos teve início há alguns anos. Lícinio foi um dos que apostaram na renovação e já está colhendo resultados. No auge da crise e com as plantas velhas afetadas produzia insignificantemente. Hoje, quatro anos após trocar os materiais genéticos plantados, já produz 80 sacas com a meta de chegar em 300 sacas se tudo ocorrer conforme planejado nos seus 9.000 pés plantados. É um exemplo de produtor de cacau na região da cabruca, que cultiva a planta em meio a Mata Atlântica.
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Lícinio com suas novas mudas de cacau para renovar sua lavoura
Segundo a Associação dos Cacauicultores de Linhares (Acal), atualmente, são cerca de 300 produtores no município que representa 90% da produção da fruta no Espírito Santo. “Temos muitos produtores com a necessidade de renovar os cacauais. É a única solução para retomar os índices positivos econômicos e, por consequência, sociais e ambientais”, diz Maurício Buffon, presidente da Acal.
Na região de Povoação, a fazenda São Luiz também é sinônimo de recuperação na atividade cacaueira. O produtor Emir de Macedo Gomes Filho apostou na renovação e hoje a produção é bem maior que na época que a vassoura-de-bruxa tomava conta das plantas. O produtor plantou materiais recomendados tecnicamente e, ainda, observando a demanda diante de boas perspectivas do mercado de cacau, empreendeu e hoje possui um viveiro de mudas. “O momento é de reagir e buscar alternativas de receitas. A grande saída é a diversificação e não ficar no monocultivo. Acreditamos na valorização do preço do cacau com a demanda mundial por chocolate e a falta da matéria prima. O setor vai precisar de mudas de qualidade”, diz, garantindo que a renovação da lavoura foi fundamental para sua retomada de produção. “Se eu tivesse permanecido com a lavoura velha eu tinha inviabilizado meu negócio porque a planta doente só produz esporo da doença. Eu só estou conseguindo produzir depois que substitui por materiais resistentes e mais produtivos”, destaca Emir Filho.

Emir Filho, produtor que renovou lavoura e já colhe resultados positivos
As pesquisas por esses materiais tomaram força ainda na Bahia, estado maior produtor de cacau do país que viu a doença dizimar uma região. Antes de chegar ao Espírito Santo, a vassoura-de-bruxa estimulou o avanço nas pesquisas pelos técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). “Esse trabalho iniciou nos anos 90 e culminou na seleção de clones tolerantes a doença e produtivos e que validamos para o Espírito Santo considerando as características regionais. Hoje, temos oito clones recomendados e que apresentam ótimos resultados no campo. O material genético para essa nova fase da cacauicultura está acessível aos produtores”, diz Elpídio Francisco Neto, gerente regional da Ceplac no Estado capixaba.
Para a renovação das lavouras ganhar mais agilidade, o Governo do Estado, através da Secretaria de Agricultura e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), desenvolve, nos últimos anos, o programa denominado “Plano de Renovação Sustentável da Lavoura Cacaueira” para apoiar o produtor rural e a cadeia produtiva do cacau, visando ao fortalecimento deste segmento do agronegócio capixaba com algumas ações, entre elas o fomento de mudas aos produtores. Foram entregues, em quatro anos, 380 mil mudas aos produtores capixabas. O projeto conta com a participação de diversos agentes como Sebrae/ES, Senar/ES, Federação da Agricultura, instituições do setor financeiro, indústrias e empresas privadas , também empenhados em contribuir para uma essa nova fase da atividade. “Teremos uma cacauicultura mais próspera e sustentável nos próximos anos com a união de esforços dos atores envolvidos na atividade, especialmente com foco no apoio ao produtor rural”, afirma Guilherme Junqueira, gerência Departamento Agrícola – Cacau – da Nestlé Brasil.
Paralelo a esse trabalho, o setor avança para fazer valer a Indicação Geográfica ‘Cacau de Linhares’, primeiro reconhecimento do produto deste tipo no Brasil, recebida pela Acal há cerca de dois anos, e grande aposta para agregar valor a fruta. Mas na época, segundo Maurício Buffon, a crise era tão grande que não era possível nem dialogar sobre as oportunidades dessa conquista com o produtor, um tema novo que ainda era desconhecido pelo cacauicultor. Um projeto da Acal, da Cooperativa dos Produtores de Cacau (Coopercau) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/ES), vai investir em diversas ações para alavancar a marca. “Vamos criar parâmetros de produção para que os cacauicultores sejam enquadrados e estejam aptos a utilizar o selo que será sinônimo de um produto com qualidade produzido dentro das boas práticas agrícolas. Esse ano temos 50 produtores para inserir no projeto, mas nossa meta é atingir todos produtores dentro da área que recebeu a indicação geográfica”, diz Mauricio Buffon, da Acal.

Maurício Buffon, da Acal: projeto de Indicação Geográfica será o
grande propulsor do segmento
Segundo o presidente da entidade, o cacau local terá uma condição diferenciada com esse trabalho e, com isso, irão buscar preços também diferenciados. “Além dos aspectos culturais, sociais e ambientais, reconhecidos na IG, a qualidade do produto será o grande ponto para esse diferencial. Então, vamos trabalhar processo de secagem, fermentação, armazenagem, etc. Todos esses procedimentos irão contribuir para a qualidade e depois vamos procurar o mercado para nosso produto. Esse trabalho vai possibilitar o destaque do nosso Estado em produzir esse cacau diferenciado”, afirma Buffon.
Para o diretor de atendimento do Sebrae ES, Ruy Dias de Souza, o produtor precisa entender que é possível conquistar novos mercados e lucrar ainda mais com a atividade, mantendo a qualidade de seus produtos. “Estamos iniciando um trabalho específico para o produto, com o objetivo de divulgar a IG do Cacau de Linhares para os consumidores e população em geral, além de conscientizar os produtores sobre os benefícios que a indicação traz, caso o produto cumpra os requisitos necessários para tal, como excelente qualidade. O uso da inovação e tecnologia tornam-se importantes neste momento para garantir bons resultados”, destaca Souza.
Com a adequação da produção local dentro dos protocolos de qualidades necessários, o segundo passo será promover ações que divulguem a qualidade do setor. “O Sebrae/ES viabilizará ações de marketing promocional da Identificação Geográfica e do marketing promocional do cacau de qualidade e derivados produzidos no ES. Além disso, a instituição apoiará a participação das empresas/produtores em feiras e eventos, dentre outras ações”, diz o diretor do Sebrae capixaba.
Cacau em novas áreas é uma tendência para o setor
Cultivado tradicionalmente sob a sombra de arvores da Mata Atlântica, no sistema conhecido como ‘Cabruca’, a cultura do cacau, nos últimos anos, começou a ganhar novas áreas.
Produtores têm apostado no plantio em locais abertos, fora da mata, em um cultivo que passou a ser chamado de ‘Pleno sol’, embora respeite as necessidades agronômicas do cacaueiro.
A quantidade de áreas plantadas nesse novo sistema vem aumentando e, entre as vantagens, está a distância de áreas com maior pressão do fungo da vassoura-de-bruxa.

De acordo com o presidente da Coopercau, Emir Filho, ainda é cedo para fazer qualquer afirmação, mas os indícios tem mostrado que os produtores tradicionais não conseguirão alcançar o nível de competitividade que se tem a pleno sol. “É possível mecanizar e reduzir custos o que não se consegue na Cabruca. Se tomar os cuidados com a fisiologia da planta, como água, luz, nutrição, proteção de ventos, etc, temos observado que poderemos ter ótimos resultados para o setor”, destaca Emir.
O gerente da Ceplac no ES, Elpídio Neto, diz que é preciso atentar para alguns fatores nesse sistema. “Recomendamos o consórcio com sistemas agroflorestais no cultivo de cacau a Pleno Sol, usando, por exemplo, seringueiras ou fruteiras. O conforto térmico da planta é essencial. É importante ter também alguma planta que sirva para o quebra-vento no período de formação da lavoura”, alerta o técnico.
Franco Fiorot