por David Feffer*
Estamos vivendo algo nunca imaginado: mudamos a forma de trabalhar, de conviver, de consumir e de nos relacionar. Sabemos como entramos, mas não como sairemos. O que será daqui para frente? Ninguém tem como prever e a maioria dos caminhos indicados é repleta de “achismos bem fundamentados” – a realidade será muito diferente do que podemos prever. O que percebemos é que sem as adversidades não tem evolução: aprendemos coisas novas, quebramos paradigmas e passamos a ver (e viver) o futuro de uma forma diferente.
Enquanto fomos obrigados a ficar em casa, a paisagem lá fora também mudou. A natureza se revigorou, voltamos a ver pássaros pela janela, águas mais limpas, menos poluição nos centros urbanos e notamos uma necessidade humana de se aproximar do “natural” durante esse período. Essa tendência traz nossa atenção novamente para um debate importantíssimo e que muitas vezes fica de lado: a questão climática.
A tendência é a busca por iniciativas sustentáveis, que gerem lucros e que priorizem também a preservação
O tema, há muito tempo, deixou de ser pauta exclusiva de ONGs e ativistas, passou a também fazer parte da agenda de grandes empresas e tornou-se um dos principais desafios do mercado financeiro. E o Brasil, nação que possui a maior cobertura de florestas tropicais do mundo, está no centro dessa discussão.
Há poucos dias, um grupo de grandes investidores de nove países, que administram um patrimônio de US$ 4,1 trilhões, endereçou uma carta a embaixadores brasileiros para discutir a política ambiental do Brasil. É uma mudança de atitude: antes, a pressão era sobre as empresas – agora, passou a ser também sobre governos.
Esse pedido de diálogo mostra que as questões ambientais passaram a ser cada vez mais um elemento importante nas decisões de consumo e investimentos nos últimos anos. A tendência é a busca por iniciativas sustentáveis – que gerem lucros e que priorizem também a preservação, restauração ambiental e prosperidade social.
Há muito o que se fazer e esse é o momento de nos comprometermos com o futuro. Temos uma oportunidade única de nos tornarmos referência no chamado “capitalismo de stakeholders”. É a nossa chance de mostrar que não existe preservação “OU” crescimento. Precisamos defender e promover o “E” para sermos ambidestros e capazes de fazermos ambas as coisas ao mesmo tempo: crescer, desenvolver “E” proteger o meio ambiente!
Nosso território possui a maior biodiversidade do mundo, o que requer muita responsabilidade. Se preservarmos, restaurarmos e fizermos as coisas certas, conseguiremos ser um polo de captação de recursos para cuidar do nosso próprio país e do futuro da nossa espécie, criando um ótimo negócio para nós brasileiros, para nossa economia, para a sociedade e para todo o planeta!
Acredito muito na “Marca Brasil” tendo o nosso país como líder mundial no desenvolvimento sustentável. Nossa floresta, que nos foi dada “de presente”, deve ser cuidada e preservada. Trata-se de um ativo ambiental importantíssimo com enorme potencial de desenvolvimento econômico. É fundamental o entendimento de que a preservação, além de uma questão de sobrevivência, também é um importante fator econômico.
O mercado de títulos verdes é uma oportunidade que o Brasil precisa aproveitar. Os Green Bonds, como são conhecidos, são emissões de dívida para financiamento de projetos com benefícios ambientais mensuráveis, auditados e monitorados por organizações independentes. Os investimentos podem ser em energia renovável, eficiência energética, controle de poluição, conservação da biodiversidade, transporte limpo, entre outros.
Estamos acompanhando recentemente que tanto a oferta desses títulos quanto o interesse do mercado em financiá-los estão em alta nos cenários nacional e internacional – seja através do envolvimento de empresas com compromissos socioambientais ou fundos de investimentos. Segundo a Climate Bonds Initiative (CBI), o mercado brasileiro de títulos verdes atingiu US$ 1,2 bilhão em 2019 e, certamente, ainda há muito espaço para crescer: os Green Bonds têm potencial para movimentar mundialmente US$ 100 trilhões ao ano.
O carbono pode ser a moeda do mercado financeiro internacional nos próximos anos. Portanto, temos o desafio de aprimorar esse mercado no Brasil. Para se ter uma ideia, somente o bioma amazônico poderia render ao país US$ 10 bilhões por ano. Hoje, o processo de geração de crédito (MDL) leva cerca de dois anos, portanto super moroso, burocrático e caro.
Se o mercado fosse regulamentado no Brasil, ou se houvesse um mercado voluntário pujante, teríamos mecanismos específicos para a realidade do nosso país, ampliando o volume de transações e potencializando a competitividade dos atores menos intensivos em carbono. Paralelamente a isso, o firmamento de acordos multilaterais e uma participação mais ativa do Brasil em mercados internacionais podem, também, contribuir para alavancar essa agenda ambientalmente positiva.
Para isso, precisamos de envolvimento E comprometimento da sociedade, do setor privado E público. Enquanto cidadãos, é nosso dever fiscalizar e, principalmente, estarmos envolvidos na causa. Das empresas, esperamos a associação do lucro com o desenvolvimento sustentável. Dos governos, o law enforcement adequado e eficaz, permanente e com informação transparente e ampla, pois já possuímos, de forma geral, políticas públicas e marcos regulatórios consistentes e alinhados com as melhores práticas de preservação do mundo.
A pandemia de covid-19 nos tirou da zona de conforto para propor reflexões importantes sobre o que valorizamos, assim como a forma que nos relacionamos com o mundo. O Brasil tem potencial de se posicionar na vanguarda da proteção ambiental, pois a nova era econômica certamente será orientada ao meio ambiente e ao combate ao aquecimento global. É a nossa chance verde de liderar a renovação importante e urgente que o planeta tanto precisa, pavimentando, assim, um futuro sustentável para as próximas gerações.
*David Feffer é presidente do Conselho de Administração da Suzano