ESPECIAL – Uma safra para esquecer

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cbh-doceJaguaré, município no norte do Espírito Santo, é um dos maiores produtores de café conilon do Brasil. A economia local gira em torno do produto. A cada colheita do grão, o setor do comércio e de serviços aquece. É assim em vários municípios capixabas. Mas esse ano a história de milhares de produtores será muito diferente do habitual. Mesmo acostumados com os latos e baixos da agricultura, devido aos fatores climáticos e mercadológicos, os agricultores foram surpreendidos com uma das piores safras de café dos últimos anos. A falta de água, ocasionada pela estiagem prolongada dos últimos anos, com chuva bem abaixo da média histórica e um verão com quase nada de chuva, está fazendo produtores perderem grande parte da produção de café.

O cafeicultor Izidoro Cândido perdeu mais da metade da produção desse ano. A plantação de café, pimenta e maracujá, que antes era irrigada pelo córrego do Caximbau, situado na zona rural de Jaguaré, hoje espera a água da chuva para conseguir salvar a safra do ano que vem. “De oito sacas de café, por exemplo, mal conseguimos salvar dois sacos. Se chovesse um pouco ainda esse ano poderíamos recuperar um pouco da produção do ano que vem, já que esse ano o prejuízo é incalculável”, lamenta o produtor.

A falta de água para irrigar as lavouras tem entre os motivos o crescimento do número de áreas irrigadas na região. Há dez anos existiam cerca de 15 mil hectares de área irrigada em Jaguaré e hoje esse número ultrapassa os 27 mil hectares. Para o secretário municipal de agricultura, João Malanquini, a produção agrícola cresceu, mas os produtores não se adaptaram para manter a irrigação. “A falta de água e os prejuízos na área rural são consequências da estiagem dos últimos dois anos. O produtor precisa se conscientizar e se adaptar, buscando sistema de irrigação mais econômico como, por exemplo, substituir a irrigação via aspersão pela técnica de gotejamento”, aconselha Malanquini.

Os mesmos problemas enfrentados pelos produtores de Jaguaré chegaram às fazendas de Sooretama. Há mais de 40 anos, o produtor Miguel Francisco Felipe mantém a família através da plantação de café. Nos últimos anos resolveu diversificar e investiu em pimenta e coco, porém enfrenta dificuldades para manter a produção devido à falta de água. “Para essa lavoura, eu e meus vizinhos fizemos investimentos altos e pegamos dinheiro com o banco. Agora, com a falta de chuva e sem água para salvar a lavoura não temos como pagar nossas dívidas. Esse ano vou colher apenas 30% da produção”, diz o produtor.

Como tentativa de salvar a produção do ano, os produtores rurais Oscar Francisco dos Santos e José Francisco dos Santos, pai e filho, migraram do café para produção de pimenta, mas as perspectivas não são boas. Segundo técnicos do setor rural, a produção de pimenta se espalhou no Espírito Santo devido a alta rentabilidade e, em muitos casos, está ocorrendo a troca do café pela pimenta. Mas pai e filho não observaram boas perspectivas na mudança. “Não vemos expectativa para continuar trabalhando no campo. A gente tem buscado alternativas, mas sem sucesso. A produção de pimenta esse ano está perdida e sem água não vamos conseguir produzir mais nada”, diz Oscar.

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Banhado pelo córrego do Cupido que em alguns trechos secou, o produtor de banana e pimenta Jaime Balbino de Menezes é membro do Movimento dos Pequenos Agricultores de Sooretama (MPA). O grupo tem uma produção diversificada, voltada para o consumo próprio e para fornecer alimento às escolas e instituições da região. Porém, esse ano, não será possível cumprir o contrato assinado com a prefeitura. “Eu teria que entregar a primeira safra no próximo mês. Perdi toda a produção de banana da terra e se chover eu consigo salvar a banana prata”, comentou Jaime.

Em São Gabriel da Palha, referência nacional na variedade conilon e um dos municípios banhados pelo Rio Barra Seca que enfrenta forte estiagem, o Serviço Autonomo de Água e Esgoto (SAAE) aderiu ao racionamento de água, mantendo o abastecimento humano. “A região tem como carro chefe a produção agrícola. Vemos produtores tentando salvar as lavouras sem sucesso”, comenta o técnico Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente de São Gabriel da Palha, Deivid Manzoline Santos. “Não podemos culpar os produtores rurais pelas ações naturais, como a falta de água. Temos que lembrar que eles são as peças- chave para o desenvolvimento. São eles que levam alimento à mesa da população urbana”, explica Deivid.

Preocupado com a qualidade do leite e do café produzidos na fazenda que fica na zona rural de São Gabriel da Palha, o produtor Domingues Sartori garante está refém da situação. “Nós produtores rurais não vamos conseguir cumprir com nossos compromissos. O governo tem que olhar com carinho para nós, porque estamos totalmente sem condições de pagar nossas dívidas e sem expectativa de lucro”, afirma Satori.

No município de Vila Valério, em que 60% da população está na zona rural, a situação também é muito delicada e difícil para os agricultores. O proprietário rural Gezomar Hertel cultiva café, pimenta, hortaliças e cria galinhas. Ele está entre os produtores que perderam mais de 80% da safra do café e metade da pimenta para esse ano. “O grão do café secou e a copa do pé que salvaria a safra do ano que vem não desenvolveu”, comenta Hertel. A criação de galinha também sofre com a falta de chuva. O produtor conta que os animais ficam em piquetes, uma espécie de galinheiro, e, agora, com a falta de capim será necessário investir em alimento, reduzindo ainda mais o lucro.

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Em Colatina, há 20 anos trabalhando com a cafeicultura, o produtor Abraão Carlos Verdin Filho, também pesquisador do Incaper, vê a safra de 2015/2016 como a pior de toda a história. “Essa com certeza vai ser a pior safra que já presenciei e acredito que haverá uma queda significativa de 30 a 40% em relação à safra do ano passado. Além da baixa produção estamos com a qualidade ruim e grãos com peneira baixa”, alertou o produtor. Verdin que trabalha com pesquisas de conilon, é produtor de sementes, mudas e de produção de café, diz que jamais viu algo parecido. “É o pior ano de produção em toda a história. E não esperávamos esse resultado. Nossa expectativa era que viesse a chuva para repor um pouco das perdas, porém, a estiagem continua e por isso os resultados não serão satisfatórios”, diz.

Para tentar minimizar os impactos da seca que tem assolado o Estado, o produtor adotou o uso da irrigação com dias alternados, até quando tinha água, e melhorou a estrutura de armazenagem de água, além de utilizar sistemas de irrigação mais eficientes com a irrigação localizada. Porém, nem com todos os esforços feitos pelo produtor, os impactos foram reduzidos. “Não chove para repor a recarga de água no solo há praticamente dois anos. O solo secou por completo, as nascentes, os córregos e até rios estão secos. Não estávamos preparados para uma seca nessa proporção”, concluiu o produtor.

img_3341-1Preocupados com a falta de água e os impactos na produção agropecuária, membros do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Barra Seca e Foz do Rio Doce (CBH-Barra Seca e Foz do Rio Doce) visitaram, no mês de maio, a zona rural dos municípios de Jaguaré, Sooretama, São Gabriel da Palha e Vila Valério. Há três anos com poucas chuvas, os prejuízos no campo e, principalmente nas lavouras de café, consideradas o carro chefe da economia local, chegam a 70%. Além do racionamento de água, perfuração de poços e construção de barragens os municípios da bacia buscam medidas para manter o abastecimento humano e a agricultura. “O CBH é um espaço democrático em que é discutida a gestão dos recursos hídricos. A entidade reúne representantes do poder público, usuários e sociedade civil, dispostos a discutir temas relacionados à falta de água”, destaca Dolores Colle, presidente do Comitê. Segundo ela, a visita confirmou a situação generalizada de dificuldade hídrica vivida em todas as microbacias que compõem as Bacias Hidrográficas dos Rios Barra Seca e Pontões e Lagoas.

Casos positivos motivam setor

Mesmo com o cenário de extrema dificuldade em várias partes do Espírito Santo, há casos de produtores que conseguiram manter a produção razoável e até com melhoras. No distrito de Timbuí, em Fundão, Edson Costalonga Filho, não sentiu tanto uma queda tão grande nesta safra. Para ele, a safra passada, de 2014/2015 foi ainda pior. “Essa colheita ainda não foi finalizada, mas está sendo superior a safra passada”, disse o produtor.

fotos-do-produtor-edson-costalonga-3“Na verdade, neste ano, tivemos uma condição diferente do ano passado. Primeiramente veio chuva no momento da granação do café, sendo satisfatória no início do ano, entre janeiro a março, chovendo em média 260 mm nesta região, equivalente a 60% da chuva que caiu em todo o ano de 2015. Isso ajudou muito na formação dos grãos, apesar das reservas de água estarem sofrendo um déficit hídrico há dois anos”, alertou Edson Costalonga.

E foi graças a essa chuva do início do ano passado e o monitoramento feito nas lavouras que o produtor está um pouco mais aliviado com os resultados, que serão melhores do que os do ano anterior. “Estimamos um acréscimo de produção em torno de 20% a 25% em relação à safra anterior”, comemora diante de um cenário negativo na cafeicultura. Mas mesmo tendo resultados satisfatórios nesta colheita, o produtor se mantém preocupado com esse período tão grande de seca que o Estado tem enfrentado. Há algum tempo, impelmentou algumas medidas que agora estão sendo imprescindíveis para manter um bom resultado na safra.

“Construímos um poço artesiano que está dando uma grande ajuda nas reservas de água. Além disso, utilizamos sistema de irrigação por gotejamento, o que nos proporciona uma economia de água por ser um sistema mais eficiente. Quando novas lavouras são implantadas, construímos caixas secas, que servem para captar a água das chuvas e infiltrar no solo, melhorando a reserva das nascentes e ajudando na conservação das estradas, pelo fato de não ocorrer enxurradas e aberturas de valas”, explica Costalonga.

Estimativa oficial aponta queda de 40% na produção

A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) divulgou a segunda estimativa de safra da cafeicultura capixaba em 2016. O Espírito Santo deve colher este ano 5,953 milhões de sacas de café conilon, o que representa aproximadamente 40% menos do que o esperado, como mostra o gráfico. Esta segunda estimativa de safra divulgada pela Conab aponta ainda uma queda de 23,3% na produção de café conilon em relação ao que foi colhido em 2015.

E um dos problemas dessa queda é a seca, considerada a pior já enfrentada pelos produtores do Estado. Foi por causa dela que muitos cafeicultores efetuaram podas drásticas nas lavouras e desaceleraram o programa de renovação de suas plantações. “Se não tivesse a seca, seguindo o crescimento médio registrado das últimas duas décadas, onde o Espírito Santo experimentava um franco crescimento com o aumento em média de 5% ao ano, poderíamos colher este ano cerca de 10,5 milhões de sacas”, ressaltou Romário Gava Ferrão, pesquisador do Incaper e coordenador do programa estadual de cafeicultura.

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E essa queda na produção está diretamente relacionada com a longa estiagem. “Passamos um período de 30 meses de seca. Tivemos de 30% a 60% a menos de precipitação, e a chuva foi mal distribuída. Além disso, as plantas sofreram muito com a insolação e o forte calor. As temperaturas se elevaram muito ficando a 30º C acima da média. Não bastasse isso, faltou água para a irrigação. 70% do nosso conilon é irrigado e por conta da prolongada estiagem, o produtor teve que respeitar a normativa que restringiu a irrigação durante o dia. Todos esses fatores contribuíram para essa queda na produção de café conilon aqui no Espírito Santo”, pontuou Ferrão.

 

Matéria publicada na Revista Campo Vivo – Edição 30 – Junho/Julho/Agosto 2016

Redação Campo Vivo

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