ESPECIAL: Mercado do conilon

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Matéria publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL CONILON 2022 (Edição 48 – Julho 2022)


Especialistas debatem mercado de café analisando demanda interna, externa, solúvel e especiais

Imagem: Monstera | Pexels

Hoje basta uma simples volta pela seção de cafés no supermercado e é possível encontrar com muita facilidade inúmeras marcas de café, tipos, vendidos torrados, em grãos, cápsulas, solúveis… Praticidade que há alguns anos não se encontrava de maneira tão facilitada. Mas como será que está esse mercado do ponto de vista de quem entende do assunto? Como foi o ano de 2021 e quais expectativas para este ano? E em relação à safra, o que se esperar dela em cada um desses mercados? O 28º Debate Agro, realizado pela Campo Vivo – Inteligência em Agronegócios – em Linhares, reuniu especialistas em mercado de café para analisar a conjuntura deste negócio atualmente.

“A tendência até o final do ano, é que os preços continuem estáveis, principalmente até o mês de agosto e setembro” – Márcio Cândido Ferreira

Sobre o mercado interno de café, o Presidente do Centro do Comércio de Café de Vitória, Márcio Cândido Ferreira, analisa que essa é uma safra substancial e muito necessária em função da quebra acentuada no arábica na safra anterior. “Embora venha se recuperando agora, ainda é algo pequeno e muito aquém daquilo que foi a safra 20/21, onde tivemos um recorde no arábica, o que não estamos visualizando no mercado hoje. Então o que posso dizer, é que mesmo com a recuperação da safra do arábica que vai ser colhida daqui uns dias, ela ainda está muito aquém do necessário, por isso faz-se importante essa safra grande no conilon, para que ela atenda principalmente a demanda contínua no mercado interno, já que as indústrias do Brasil não têm como contar com oferta suficiente de arábica”, diz Ferreira.

Ainda segundo o presidente, o conilon já passou por preços melhores, assim como também o arábica, mas é natural que na entrada da safra, aconteça um pouco mais de pressão por parte do mercado, já que o produtor em fase de colheita, precisa pagar custos da mesma, e com a entrada de volume maior para comercializar, o mercado tendo a ceder em alguns momentos, como tem acontecido. “Nós saímos de preço da ordem de 830, 850 caindo para 730, 750 a saca. Inclusive pode ser que os preços venham ceder um pouco mais em função do dólar que vem caindo, e do próprio mercado, mas é mais uma coisa pontual. Então neste período, o produtor de forma inteligente, vem vendendo só o necessário. Imagina-se que passado esse período que vai até meados de junho, o mercado se estabilize e os preços continuem iguais de R$ 700”, pontuou Márcio.

O presidente destacou ainda, que o mercado interno consome 21 milhões de sacas de café, e pelo déficit de arábica e a diferença de preço deste para o conilon, estima-se que o mercado vá utilizar cerca de 80% no conilon, o que daria a nível de Brasil, 16 milhões de sacas. “Esse é um dado projetado para o mercado interno, aí você tem mais uns 3,5 milhões de exportação de solúvel, já que a Rússia e Ucrânia estão praticamente zero de importação, e isso deve ter uma queda no solúvel. E a exportação de conilon, a gente já calcula que pode ficar em torno de 2,5 milhões de sacas, então já teríamos aí alguma coisa na ordem de 22 milhões de sacas. Ainda que essa safra de produção calculada pelo mercado no Brasil seja da ordem de 20, 22 até 23 milhões de sacas, não há excesso de oferta de conilon nesse caso, então os preços devem se manter satisfatórios”, ressaltou Márcio.

Para o final de 2022, o presidente do CCCV diz que os preços devem se manter estáveis, principalmente se considerando que a safra de arábica prevista pelo mercado, seja trabalhada em torno de 40, 41 milhões de sacas. “Embora ela seja acima dos 35, 37 milhões anterior, ela ainda é pequena para a real necessidade. Mas mesmo assim, essa safra de arábica pequena vai compensar a produção melhor de conilon. Por isso eu digo que a tendência até o final do ano, é que os preços continuem estáveis, principalmente até o mês de agosto e setembro, passando principalmente o período de frio que vai de junho até agosto. Nós tivemos recentemente dois a três dias aí de risco de frio, o mercado chegou a subir 5%, 4% ao dia na bolsa de Nova Iorque e depois ele devolveu porque não houve prejuízos em relação ao frio até agora”, relata.

Para o próximo ano, Márcio foi enfático ao pontuar que é preciso estar atento às condições climáticas após a colheita do conilon e obviamente do arábica, porque se essas condições forem favoráveis, no caso principalmente do arábica que sofreu dois anos de decréscimo acentuado por condições climáticas, se as chuvas retornarem pós período de colheita, tiver uma florada boa, fixação das flores e chumbinhos, aí é possível ter com certeza de uma produção bem melhor. “Se isso acontecer, será um alívio nesse quadro apertado que estamos, então é natural que para 2023, os preços venham a ceder. Historicamente quando você tem acidente climático, como foi a geada de 2021 no arábica, o mercado para corrigir a alta, ou seja, pra voltar há preços mais baixos, demanda um bom tempo, então 2023 ainda deve ser um ano satisfatório. E cabe ao produtor ir trabalhando sempre com aquela ideia de qual o potencial da outra safra. Se for um potencial grande, vou acelerar um pouco mais a venda, se não for, vou continuar diluindo porque essa forma de trabalhar vem dando certo”, alertou Márcio, que faz questão de destacar que é importante notar, tanto no conilon, quanto no arábica, que há cada vez mais ganho de qualidade, que também coloca o mercado em posição favorável. “Com o crescimento do parque cafeeiro, principalmente da produtividade no Espírito Santo, nós caminhamos há passos largos para encostarmos na produção do Vietnã. Em relação ao Brasil, obviamente falando do principal produtor de conilon, que é o Espírito Santo, trabalhar para garantir qualidade é fundamental para que nós ganhemos mercado sem detrimento de preço. A qualidade deve ser o nosso diferencial”, destaca.

“Existe um mercado premium, e o Brasil precisa investir nesse mercado para poder ganhar mais espaço neste sentido” – Marcos Antônio Matos

Com experiência no mercado externo de café, Marcos Antônio Matos, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), entidade que representa todo o fluxo do comércio, entre empresas nacionais, globais e cooperativas, abastecendo o mercado interno de forma significativa e fazendo exportações pra mais de 120 países, diz que o a entidade representa 96% das exportações de cafés verdes hoje do Brasil. “Então quando a gente tem algum questionamento, alguma mudança regulatória, alguma questão ideológica lá fora, é na nossa porta muitas vezes que se bate e a gente traz essa reflexão, busca realmente mostrar via promoção da imagem, então temos essa missão de estar próximo do produtor, pra mostrar esse trabalho primoroso que é feito para os nossos clientes, pro varejo e para os governos”, explica Marcos.

Para o diretor do Cecafé, o Brasil saiu de uma safra recorde de 2020, em volume, qualidade, sustentabilidade, onde teve diferenciais competitivos como taxa de câmbio. “Mesmo estando em um período de pandemia, o agro negócio foi considerado serviço essencial. Então nós tivemos questões relacionadas à segurança jurídica, em armazéns, na colheita, fizemos campanhas de conscientização, mostramos isso pra todos os clientes, e conseguimos bater todos os recordes em 2020. Depois virou a chave, entramos em 2021 com problemas climáticos muito adversos para o arábica, caímos quase 40%”, diz Matos.

O diretor do Cecafé destacou que, em 2021, os números alcançados no mercado de café foi de 40.6 milhões de sacas e 6.3 bilhões de dólares. Em 2020, esse número foi de 44.7 milhões de sacas, mas pouco acima de 5 bilhões de dólares nas receitas cambiais. “Nós tivemos toda uma dinâmica do preço internacional em 2019 e em alguns momentos de 2020, então se usarmos Nova York como referência, isso estava abaixo de 1 dólar. Até chegamos a 2,50, 2,60 antes da guerra, então existiu toda uma dinâmica internacional nesse sentido. O ano de 2021 acabou repetindo o ano de 2019, que também era um ano de ciclo de anuidade negativa para o arábica, mas obviamente nós temos uma dinâmica diferente de receitas cambiais, que cresceu de uma forma abrupta em 2021. Esse é um gancho muito importante para que não nos esqueçamos da importância da Europa, da União Europeia para nossas vendas externas, porque ali reside algo que nos desafia em termos regulatórios, em termos de novas legislações já aprovadas e que nós como exportadores vamos ter que nos adaptar”, alertou Matos.

Já sobre os principais destinos das exportações brasileiras em 2021, o diretor ressaltou que o Brasil exportou 19,3% do seu produto para os Estados Unidos, 16,2% para Alemanha, 7,3% para Itália, 7,0% para Bélgica, entre outros países. “A Colômbia é um grande comprador de café brasileiro, e ficou no 7º lugar no número de compradores, tendo inclusive uma tendência de crescimento, então podemos considerar que o Brasil faz o dever de casa de forma correta, agregando valor via cafés verdes, que são os cafés diferenciados. Quando digo café diferenciado do Brasil, me refiro àquele que tem alguma qualidade superior, seja qualidade mesmo, seja via selos ou normas de sustentabilidade. Nós somos o segundo maior consumidor do mundo com 21 milhões de sacas/ano, então naturalmente esse café verde atendeu a indústria interna. No ano de 2021, nosso diferencial de preço foi de 45% e aqui não estou falando de micro lote, mas sim de 7.7 milhões de sacas com 45% de diferencial de preço. Existe um mercado premium, e o Brasil precisa investir nesse mercado para poder ganhar mais espaço neste sentido. Temos muito a contribuir com o modelo que o Brasil utiliza no agronegócio, pois ele é competitivo e organizado”, destaca Matos.

“Costumo dizer que solúvel faz a bebida que você quiser, mas a qualidade da matéria prima é determinante” – Aguinaldo Lima

Outro mercado que tem apresentado crescimento mundo afora é o de cafés solúveis. O diretor de relações institucionais da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics), Aguinaldo Lima, diz que conheceu o café solúvel enquanto realizava um trabalho para a secretaria de agricultura de Minas Gerais, e se apaixonou por esse mercado acreditando que os cafés solúveis são produtos de grande capacidade. “Depois que eu conheci as indústrias, passei a perceber que o solúvel consegue fazer o produto que quiser, basta que dê a matéria prima necessária para isso, e aí eu me remeto ao entrelaçamento da história do Espírito Santo e o café solúvel, já que no Estado se tem uma grande indústria, a Real Café, e ainda a Cacique e em breve chega mais uma, a Olam. E essas indústrias de solúveis, tem capacidade de extrair sólidos solúveis e foi isso que deu o grande impulso no conilon aqui no Espírito Santo, já que esse é um café tido como inferior, inclusive maltratado, porque é colhido verde, ficam em sacaria nos carreadores por 10, 15 dias, depois vão para um secador a 150, 200 graus. É incrível a capacidade da indústria de solúvel fazer disso uma coisa que se bebe e ainda vender para os outros lá fora”, destaca.

O diretor ainda comentou que com a alta qualidade do café conilon e do robusta, como tem sido apresentado, já se começa ver as diversidades de café solúvel nos supermercados, ou seja: é a matéria prima que define a qualidade. “Costumo dizer que solúvel faz a bebida que você quiser, mas a qualidade da matéria prima é determinante e os produtores estão fazendo o dever de casa perfeito, e com isso, nós estamos conquistando o mundo, inclusive o Brasil”, comemora Lima.

Ainda segundo o diretor da Abics, a nação do café, também é a nação do café solúvel. “O Brasil sempre foi líder mundial, com produção, exportação e atualmente bateu três recordes. O México tem metade da capacidade de produção do Brasil, que em 2020 produziu 122.209 toneladas de café solúvel, sendo que o México produziu apenas 63.715t no mesmo ano. E os grandes “atores” desses números que levam o Brasil ao destaque, são as empresas, a maioria delas com mais de 50 anos de existência, tornando-se o maior parque industrial de café do mundo. Essas mantêm a nossa liderança de forma bastante folgada e garantem 99% de todo o solúvel que circula no país. O 1% fica por conta das importações de café solúvel. São mais de 100 países que nós exportamos. O café solúvel é o 13º produto de exportação do agronegócio brasileiro, então nós somos considerados sim uma grande potência. 80% do que é utilizado nos blends de café solúvel, são de coffea canéfora (café robusta)”, cita Aguinaldo.

Ele ainda fez questão de pontuar que nos últimos três anos (2019, 2022, 2021), o Brasil bateu recordes de exportação. “Mesmo nos anos de pandemia, a gente nunca cresceu tanto, então para isso, o solúvel foi extremamente favorável, mas muito pelo esforço das indústrias em oferecer produtos melhores. Continuamos sendo o maior fornecedor da União Europeia, graças a toda cadeia produtiva. O solúvel hoje representa 27% do consumo mundial. O Brasil é o segundo maior consumidor mundial e a Rússia o principal. O café solúvel cresce de meio a 1% a mais do que o café torrado vem crescendo no mundo, e olha que ele sempre foi visto como o patinho feio. Hoje estamos revertendo essa história. O patinho feio é um belo de um cisne, bonito, de grande envergadura, e o café conilon e o robusta estão aí mostrando a sua competência”, destaca o diretor.

“Os resultados da fermentação controlada e a conexão com o mercado, são muito fortes já no arábica” – Juan Gimenes

O mercado de cafés especiais é outra vertente neste arranjo produtivo da cafeicultura. Juan Gimenes, gerente de inovação e estratégia da Nutrade, tem trabalhado inovações nesta área. Sobre as inovações em pós colheita, Juan pontua que há uma desuniformidade grande no momento da colheita. “No arábica, o pessoal espera o café cair então você tem uma perda daquele café no chão. No conilon, já começa a colheita mais cedo, e aí você tem uma quantidade de verde muito grande. Então nós temos aqui, duas iniciativas, duas inovações, que podem ser uma ferramenta a mais nesse processo. Quando você tem um percentual maior de frutos imaturos, acaba tendo a oportunidade com essa tecnologia de suavizar os defeitos e trazer os benefícios do fruto verde, então a adstringência, o amargor, são praticamente zerados. Ao mesmo tempo, a gente sabe que o fruto verde tem uma questão de sanidade, de compostos clorogênicos, de compostos benéficos para a saúde muito grande, então estamos explorando isso com institutos de pesquisas médicas para validar o que a gente chama de ação em vivo. No caso da frente de frutos maduros, vale exaltar o poder deles com uma fermentação bastante controlada e explorar o máximo daquele conteúdo, daqueles açúcares que estão ali naquele fruto que atingiu a sua melhor maturação. Os resultados da fermentação controlada e a conexão com o mercado, são muito fortes já no arábica, e eu tenho que dizer que no conilon, nós estamos começando desde o ano passado, e estamos aprendendo muito com uma experiência na Fazenda Venturim. De qualquer forma, eu acho que as expectativas do conilon podem ser até maiores do que no arábica”, ressalta.

O gerente disse ainda que, para a fazenda, isso passa ser uma valorização de produção, já que o produtor pode usar na sua fazenda um blend do seu próprio café criando uma característica específica. E para o torrefador isso é até uma surpresa, já que muitos acham que o café que experimentam não é do Brasil, pois não estão acostumados com esse perfil tão complexo de um café de origem brasileira. “Essa fermentação acaba quebrando isso e complexando mais o sensorial deles, e isso também é uma valorização”, diz Juan.

Redação Campo Vivo

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