ENTREVISTA ESPECIAL: Juliano Câmara, Diretor Geral da COREIMEX

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Entrevista publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL PIMENTA-DO-REINO (Edição 49 – Dez/2022 Jan/2023)

Consideramos o cenário atual como uma grande oportunidade para o setor se modernizar

Juliano Câmara – Diretor Geral da COREIMEX Representações Ltda.

Juliano Câmara no Debate Agro – Especial Pimenta-do-Reino

Atuando há 18 anos no setor de especiarias como corretor de commodities para organizações multinacionais no Brasil e na Europa, Juliano Câmara tem vasta experiencia no mercado de pimenta-do-reino prestando ainda consultoria e representando corporações multinacionais na aquisição e venda de produtos nos quais é especializado.

Como membro de associações ligadas ao setor, Câmara vem atuando desde 2019 na problemática da Salmonella junto ao Ministério da Agricultura e entidades da União Europeia, bem como tem atuado nas dificuldades no que diz respeito a emissão do Health Certificate na Europa e Índia.

Nesta entrevista à Revista Campo Vivo, o especialista em mercado aborda o atual momento do negócio da pimenta-do-reino.

 

CAMPO VIVO – Qual o panorama atual do mercado global de pimenta-do-reino?

JULIANO – A pimenta-do-reino é uma soft commodity não cotada nas bolsas tradicionais que seguem os mesmos fundamentos de uma commodity listada. Seu preço está baseado na oferta e demanda que, por sua vez estão atrelados à vários outros elementos. Um desses elementos que consideramos bastante interessante em comparação a outros produtos agrícolas, é que a pimenta-do-reino tem uma capacidade de estocabilidade a longo prazo. Desta maneira vemos a oferta e demanda sendo fortemente influenciada por este elemento. Por que estamos penetrando tanto nessa vertente para explanar o cenário atual da pimenta-do-reino?
A resposta é: justamente nesse momento, o cenário atual está sendo influenciado pelo elemento “estoques/disponibilidade”, que foi adquirido pelos importadores e indústrias a partir de meados de 2020 e 2021, durante o epicentro do Covid-19.

Nas indústrias vimos claramente a mudança no gerenciamento de estoques sendo fortemente alterada de JIT – Just in Time para JIC – Just in Case, que, aliada às especulações internas e externas fizeram com que os preços de pimenta-do-reino subissem fortemente, e sobretudo, rapidamente. Essa mudança no gerenciamento de estoques se deu pela imprevisibilidade a respeito do que poderia acontecer na cadeia de suprimentos.

Vale ressaltar que, mundialmente, todos os atuantes no mercado de pimenta-do-reino estavam convencidos de que os preços continuariam subindo no ano de 2022, no entanto o inesperado aconteceu. O preço caiu! Muitos atribuem a queda do preço por vários motivos, como por exemplo: barreiras sanitárias e/ou protecionistas; consequências da covid-19 e guerra da Ucrânia; expectativa de baixa atividade econômica mundial; alta inflação; altas taxas de juros e desvalorização das moedas nos principais mercados consumidores, desfavorecendo a importação.

São muitas variáveis negativas, que apareceram uma atrás da outra e algumas simultaneamente, desfavorecendo assim novas aquisições de produto. Em contrapartida, as indústrias começaram a consumir os estoques excedentes adquiridos.

Veja bem, não necessariamente estamos falando aqui em queda de consumo, mas o fato primordial é que o preço sempre tende a buscar o seu equilíbrio segundo a velha lei da oferta e demanda.
Anteriormente ao início da corrida para aquisição de estoques em meados de 2020, acreditamos que, em curto espaço de tempo houve uma leve queda de produção mundial, mas logo em seguida essa queda foi compensada pela produção do estado brasileiro do Espírito Santo.

Deste o princípio de nossa atuação no mercado de pimenta-do-reino, há quase 20 anos, sempre nos foi dito pelos veteranos do mercado que essa commodity é imprevisível. Quando menos se espera, ela nos surpreende. No entanto, diante dos elementos que estamos vendo nesse momento, acreditamos que, para uma haver uma nova ascensão significativa nos preços, precisaríamos de uma alteração nos fundamentos de oferta e/ou demanda, ou algum elemento que faça com que haja um desequilíbrio.

CAMPO VIVO – Como as barreiras não tarifárias/sanitárias da União Europeia e dos EUA mexeram neste mercado da pimenta brasileira?

JULIANO – Sempre estivemos atentos a evolução da segurança alimentar durantes essa última década, e para nós tudo o que vem ocorrendo nesse momento não foi uma grande surpresa. Estávamos preparados, inclusive compartilhamos informações do que estava por vir com nossos fornecedores e clientes com antecedência.

Também tivemos a oportunidade de compartilhar um pouco do nosso conhecimento com o setor produtivo, pela primeira vez em 2015, no 1º Workshop Capixaba de pimenta-do-reino em São Mateus, ES, posteriormente em 2018. Em 2021 na EXPOFAC em Castanhal. E também nesse mesmo ano, no programa AgroMais Online e por último agora em 2022 no Debate Agro em Jaguaré, ES.

Para ser sincero, acreditamos que muito tempo foi gasto com debates infundados, onde havia uma narrativa de que havia uma conspiração com intuito de manipular o preço, e que tudo iria embora no futuro! O fato é que, até muitas dessas barreiras podem ter um caráter de interesse geopolítico, mas o fundamento da segurança alimentar e de evolução sobrepõem qualquer intensão de retrocesso.

Além da União Europeia e Estados Unidos, essa semana tomamos conhecimento que o Reino Unido implementará um controle de verificação de contaminação por Salmonella de pimenta-do-reino oriunda do Brasil. Procedimento semelhante ao da União Europeia de checagem física na casa de 50% das cargas importadas. Além desses países que são mais rígidos, temos visto mudanças nos procedimentos sanitários e fitossanitária em países como Marrocos, Egito, Índia, Paquistão dentre outros, e os que estão por vir.

Para finalizar, precisamos dizer que consideramos o cenário atual como uma grande oportunidade forçada para o setor se modernizar, se reinventar e disponibilizar para o mundo um produto melhor, mais seguro e com maior valor agregado para todos envolvidos.

É notório que algumas portas estão se fechando e o mercado brasileiro está se limitando

CAMPO VIVO – Quais devem ser as estratégias do setor para retomar os volumes a esses mercados?

JULIANO – Excelente pergunta. Diríamos que, até então os volumes não diminuíram em números substanciais. Mas é notório que algumas portas estão se fechando e o mercado brasileiro está se limitando. Essa limitação desfavorece uma amplitude de mercado que é extremamente importante na busca de melhores preços, mediante a não dependência de um ou outro mercado principal. É uma questão de liquidez, e o Brasil está perdendo.

Diríamos que a estratégia principal seria de investir na produção de pimenta-do-reino que atendem os mais exigentes mercados com relação ao resíduo de agrotóxicos. Não estamos falando de agricultura orgânica, mas que os resíduos atendam às exigências dos mercados mais desenvolvidos. Ou seja, se preparando para os mercados mais exigentes, com a evolução dos mercados secundários em direção a segurança alimentar, e ao contrário do que valávamos anteriormente, colocaríamos o Brasil em uma vantagem; ou seja, tronariam esses países consumidores dependentes da excelente pimenta-do-reino brasileira.

Acreditamos que com a abolição do método de secagem por fogo direto, já seria um grande avanço para essa diferenciação, já que a pimenta de secador em fogo direto é contaminada por Antraquinona e PAH (Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos), que não atende em ambos mercados dos Estados Unidos e União Europeia.

CAMPO VIVO – Há algum novo mercado em potencial?

JULIANO – Acreditamos que não há um novo mercado ou país em potencial em si. Logicamente há mercados onde que o Brasil possui pouca representatividade em volumes e pode aumentar se algumas barreiras tarifárias, não tarifárias/sanitárias, forem extintas, como por exemplo, a China e o México, ou até mesmo os Estados Unidos com a remoção da detenção automática. Mas isso depende de uma interferência das autoridades brasileiras junto a esses países para reverter essas dificuldades.

Se considerarmos um produto “mercado” que não dependa da interferência das autoridades, além da pimenta-do-reino que cumpre com as legislações mais complexas de microbiologia e resíduos de agrotóxicos, podemos identificar, nesse momento, a pimenta-do-reino certificada orgânica e principalmente a sustentável.

O mercado de pimenta-do-reino certificada orgânica tem uma demanda restrita, porém está em ascensão. Os maiores mercados são União Europeia e Estados Unidos. Já a pimenta com certificação de sustentabilidade cresce intensamente. Não somente na pimenta-do-reino, mas também em outros produtos. Diversas empresas do segmento de especiarias de variados tamanhos vêm se comprometendo em se tornarem sustentáveis nos próximos anos. A filosofia é que a sustentabilidade ambiental precisa fazer parte de estratégia de longo prazo. A visão por trás da sustentabilidade não é apenas para garantir produtos suficientes para uso futuro, mas também para reconhecer que, em uma sociedade global conectada, os negócios só podem ser bem-sucedidos se forem inclusivos e responsáveis como um todo.

A estratégia principal seria de investir na produção de pimenta-do-reino que atenda os mais exigentes mercados com relação ao resíduo de agrotóxicos

CAMPO VIVO – Em relação ao mercado interno, como está o comportamento?

JULIANO – Estima-se que o Brasil consuma aproximadamente 8.000 a 9.000 toneladas, e vem aumentando constantemente ao longo dos anos. Atualmente se vê mais produtos industrializados utilizando pimenta-do-reino como ingrediente. Os principais consumidores, processadores e indústrias estão localizados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Com uma preocupação em relação a segurança alimentar, temos notado nos últimos anos um aumento nas importações de marcas de varejo de renome mundial, todas fabricadas com o mais alto grau de segurança alimentar, principalmente no que diz respeito a microbiologia e resíduos de agrotóxicos.

CAMPO VIVO – O consumo da especiaria tem curva de crescimento a médio e longo prazo?

JULIANO – O consumo global de pimenta-do-reino tem um crescimento na casa de 3% ao ano. A Asia, por sua vez, tem um consumo de aproximadamente 6% ao ano e, se pegarmos o Brasil como exemplo, o crescimento é menor que a média mundial. Estamos na casa de 2% ao ano.

 

Entrevista publicada na Revista Campo Vivo – ESPECIAL PIMENTA-DO-REINO (Edição 49 – Dez/2022 Jan/2023)

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