Mesmo para quem não acompanha de perto, é fácil saber quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publica o relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). A razão é muito simples: este tema passa a ser manchete na mídia e permeia as redes sociais.
Para entender os resultados do PARA, é necessário conhecer a legislação de registro de agrotóxico, toxicologia, bem como dos critérios empregado no cálculo do Limite Máximo de Resíduo (LMR). Talvez por desconhecimento do assunto, mais de 97% das reportagens e comentários das redes sociais enfatizam aspectos negativos dos dados, sem apontarem um caminho viável para solução do problema.
Os últimos resultados do PARA mostram que das 1.397 amostras processadas apenas 26 apresentavam resíduos acima do LMR. Além disto, 75% das amostras estavam em conformidade com a legislação, sendo seguras para alimentação humana. Destes 75%, quase metade estava isenta de resíduos de agrotóxicos. O nível de 1,9% de amostras com resíduos acima do permitido é valor semelhante aos observados em países como Alemanha, Japão e Estados Unidos. Ou seja, considerando o uso dos produtos regulamentados, nossos produtores estão de parabéns.
Para entender porque 25% as amostras apresentaram irregularidades, utilizaremos um resultado observado em 2010. Neste ano, 91,8% das amostras de pimentão estavam irregulares, enquanto no tomate o índice foi de 16,2%, ou seja, 5,6 vezes menor. Isto quer dizer que o agricultor usou mais agrotóxico no pimentão que no tomate? Provavelmente não. O resultado mostra que o número de produtos disponíveis para o produtor de tomate é bem maior que do pimentão. Neste caso, qualquer quantidade de resíduo detectada, mesmo que 100 vezes menor que o LMR, é considerada irregular. Apesar das doenças presentes no tomate e no pimentão serem semelhantes. Apesar dos produtos que controlam as doenças do tomate controlarem também as doenças do pimentão.
Porque o tomate tem mais produtos registrados que o pimentão? Primeiro, porque no Brasil, a regulamentação é feita por cultura e não por doença. Considerando aspectos econômicos que afetam a Indústria de Defensivos, o volume de venda de produtos para a cultura do tomate justifica o investimento a ser feito no seu registro, o que não é o caso para a cultura do pimentão. Isto porque em 2010, o Brasil produziu 4,1 milhões de toneladas de tomate e apenas 249 mil toneladas de pimentão. A carência de produtos registrados é observada em várias culturas monitoradas pelo PARA como repolho, alface, pepino e uva.
Os resultados do PARA indicam que é preciso avançar na política de registro de produtos para as culturas de menor importância econômica, viabilizando a determinação de valores de resíduos seguros. Isto reduziria o número de amostras irregulares, permitindo melhor controle da qualidade dos alimentos.
Resolvido o problema do registro dos agrotóxicos, poderiam ser tomadas medidas legais e educativas para assegurar a correção das irregularidades remanescentes, fortificando o pequeno produtor rural e a agricultura brasileira.
Marcelo Barreto da Silva, fitopatologista, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), coordenador do Programa Agro+: por uma agricultura mais sustentável.