Pesquisadores testaram com sucesso uma nova alternativa que pode facilitar o aproveitamento do bagaço de caju, e outros materiais semelhantes (lignocelulósicos) em biorrefinarias. Eles conseguiram separar os componentes do material utilizando um líquido iônico que apresentou vantagens em relação a outros tipos de reagentes. O estudo pode contribuir para o aproveitamento de resíduos agroindustriais ricos em celulose.
O material utilizado no estudo é formado por lignina, celulose e hemicelulose. Como todos os materiais lignocelulósicos, exigem um pré-tratamento para a separação da celulose dos demais componentes. Após essa liberação, a celulose pode ser quebrada em açúcares menores, então utilizados para a produção de diferentes moléculas dentro do conceito de biorrefinaria. O grande problema é que para pré-tratar o bagaço de caju, até agora, eram necessárias condições drásticas, como altas concentrações de reagentes, altas temperaturas e alta pressão.
Os pesquisadores resolveram, então, testar como solvente uma espécie de sal líquido, conhecido tecnicamente como líquido iônico prótico, sintetizado na Universidade Federal do Ceará (UFC). O Laboratório Multiusuário de Química de Produtos Naturais da Embrapa caracterizou esse reagente e comprovou os resultados.
Reaproveitável por três vezes
As amostras que passaram pelo tratamento apresentaram rendimento de glicose muito superior ao apresentado pela maioria dos tratamentos aplicáveis ao bagaço de caju. Com a vantagem de esse líquido poder ser reaproveitado, pelo menos três vezes, diferentemente dos demais reagentes.
Os pesquisadores acreditam que o solvente pode apresentar consideráveis vantagens ambientais e econômicas pela possibilidade de reutilização – hipótese que ainda deve ser avaliada em estudos posteriores. Os responsáveis pelo estudo também desejam testar o método com outros materiais lignocelulósicos.
Segundo a professora Maria Valderez Ponte Rocha, do Departamento de Engenharia Química da UFC, é possível obter da celulose e da hemicelulose do bagaço de caju vários carboidratos de interesse. Um deles é a xilose, da qual se produz o xilitol, um edulcorante com poder calorífico menor que a sacarose, utilizado como adoçante em cremes dentais infantis e outros produtos.
Outra possibilidade é o aproveitamento da glicose para a produção do 2-feniletanol, aroma utilizado pela indústria de perfumaria e alimentícia. Ainda utilizando-se o conceito de biorrefinaria, outra possibilidade é o aproveitamento da lignina, abundante no bagaço de caju. O material, que fica precipitado no líquido iônico, pode ser usado na produção de intermediários químicos e adsorventes (sólidos que retêm moléculas) e para gerar energia a partir de sua queima.
Produto economicamente viável
O uso de um líquido iônico no pré-tratamento de material lignocelulósico para a produção de bioprodutos era, até então, uma hipótese considerada improvável. Isso porque as versões comerciais desses reagentes normalmente são caras, o que inviabiliza aplicações industriais.
O reagente utilizado no estudo é um líquido iônico que, em escala laboratorial, estimou-se 50 vezes mais barato que os similares disponíveis. O solvente foi produzido pela UFC e, de acordo com a professora Valderez Ponte Rocha, sua síntese é simples e envolve reagentes precursores de baixo custo e condições brandas. “Ele pode ser produzido no ambiente industrial facilmente”, explica. Os pesquisadores pretendem, no futuro, realizar estudos de elevação de escala e de viabilidade econômica para o reagente.
Para provar a eficiência do líquido iônico, a Embrapa caracterizou o reagente, bem como os resultados dos processos. Os pesquisadores observaram que ele é quimicamente e termicamente estável. “A UFC estava produzindo esse líquido, mas precisava comprovar a formação do sal orgânico líquido”, destaca o pesquisador Kirley Canuto, da Embrapa Agroindústria Tropical.
Canuto acredita que a nova solução pode ser testada no aproveitamento de outros materiais lignocelulósicos. Para ele, uma das grandes vantagens do método é a possibilidade de reaproveitamento do líquido iônico, o que pode reduzir custos e impacto ao meio ambiente.
Potencial econômico do bagaço de caju
Cerca de 70% do pedúnculo de caju produzido no Brasil ainda é desperdiçado devido ao curto período de safra, à reduzida estabilidade pós-colheita e à pequena capacidade de absorção da indústria. Isso é muito, já que essa parte, conhecida como maçã do caju, corresponde a 90% do fruto.
O bagaço de caju, que sobra do processamento do suco, apresenta açúcares, vitaminas e sais minerais. É rico em fibras e outros compostos com propriedades funcionais, além de ser fonte de polifenóis e carotenoides. Inúmeras possibilidades de aproveitamento desse material estão em estudo na Embrapa Agroindústria Tropical.
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