O Brasil terá de fazer uma lista com as fazendas de gado bovino aptas a exportar à União Européia, apresentar relatórios completos sobre as inspeções nessas propriedades e submetê-las a Bruxelas, numa medida que deve restringir as exportações brasileiras de carne bovina. A proposta é do comissário para Saúde da UE, Markos Kyprianou, como resposta a uma missão que esteve no Brasil em novembro passado e que encontrou falhas no sistema de rastreabilidade do gado bovino no país.
Ainda não é possível avaliar o impacto de tal medida, que entraria em vigor em 31 de janeiro de 2008, mas ela tem como base a missão que esteve no Brasil e concluiu que entre 30% e 50% das fazendas de gado, dependendo do Estado, não têm condições de exportar para a UE, ouviu o Valor de fontes em Bruxelas.
Pela proposta de Kyprianou, que será submetida a outros comissários da UE, o governo brasileiro terá de tornar público o nome das fazendas que atendem às exigências da comunidade para importação de carne bovina in natura sem osso e maturada e que estão aptas a vender para o bloco. Relatórios completos sobre auditorias e inspeções do governo brasileiro nessas fazendas para garantir que atendem aos requisitos da UE também terão de ser disponibilizados à Comissão Européia, conforme documento com a proposta de Kyprianou obtido pelo Valor.
Além disso, a comissão fará inspeções nessas fazendas para verificar se suas exigências estão sendo atendidas em tais propriedades listadas pelo governo. Conforme apurou o Valor, uma primeira missão deve vir ao Brasil em março para inspecionar as fazendas listadas. Ainda conforme a proposta de Kyprianou, a lista, chamada de provisória, pode ser revista após o resultado das inspeções. “A visão européia muda”, diz uma fonte em Bruxelas. “Ao invés de continuar a falar de lista de propriedades não habilitadas a exportar, cobram agora lista das que estão preparadas”.
A proposta da UE foi recebida com muita contrariedade pelo governo. No Ministério da Agricultura, questiona-se principalmente a publicação dos dados das fazendas e os critérios de restrição a poucos fornecedores. Em conversas informais com a embaixada em Bruxelas, dirigentes do ministério foram informados que a intenção da UE seria restringir as autorizações de fornecimento a 300 grandes fazendas. Hoje, há 14 mil propriedades habilitadas pelas regras do novo Sisbov, ou Estabelecimentos Rurais Aprovados (ERAs).
Essas fazendas precisam ter formulários de controle de insumos, declaração de venda de animais, histórico de manejo alimentar, reprodutivo e sanitário, além de nascimento, morte, entrada e saída de animais, guias de trânsito eletrônicas (GTA) e notas fiscais.
As medidas, segunda o governo, são de difícil aplicação prática porque envolvem questões operacionais complexas. “Por que limitar número de propriedades? Seria limitado à nossa capacidade de fiscalizar?”, questiona um dirigente, que aponta contradição no discurso da UE de defesa dos pequenos produtores. Outro ponto de divergência é a publicidade dos dados e identificação dos proprietários. O governo diz que a exigência seria “incompatível” com a legislação brasileira. “Por que todo mundo tem que saber quantos bois eu tenho? Mais que um tema fiscal, é até questão de segurança dos pecuaristas”, diz uma fonte.
As restrições, se confirmadas, levantam questões sobre a viabilidade econômica dos frigoríficos que optarem por abater para a UE. Pelas regas atuais, as plantas têm que ser exclusivas. “Isso não pode ser piamente aceito. O setor tem que dizer se interessa nisso. Me parece que não vai vingar”, resume um dirigente. Há questões importantes sobre de que Estados viriam os bois. “E se tiverem que viajar 800 km? Quais são as bases e os critérios técnicos”.
O Ministério da Agricultura enviou ontem ao Planejamento proposta de decreto presidencial para transferir oficialmente a gestão do Sisbov para a Secretaria de Defesa Agropecuária. A alteração, solicitada pela missão da UE, busca reforçar o controle sobre o sistema.
Em Bruxelas, a expectativa é de que não haverá automaticamente redução entre 30% e 50% nas exportações brasileira à UE – estimadas em 338 mil toneladas – porque grandes confinamentos de frigoríficos estariam entre as capazes de continuar exportando. “Haverá um carater socialmente injusto, porque os ricos continuarão podendo exportar, outros é que terao problema”, diz um especialista.
Segundo fontes do setor, a exigência de maior controle na produção seria a única medida a ser adotada hoje, porque vários países reclamaram que estava havendo barulho demais sobre a carne brasileira, que consideram sadia.
A maior pressão vem dos irlandeses, que gostariam que a UE embargasse todo o Brasil. Esforço eles têm feito. A ministra da agricultura da Irlanda, Mary Coughan, encontrou-se com Kyprianou, e depois divulgou comunicado dizendo ter recebido a garantia dele de que “ele não hesitará em tomar medidas apropriadas se o produto de um terço país [Brasil] não alcançar os padrões ou controles exigidos”.
Valor Econômico