Sob pressão de pecuaristas britânicos, o comissário de saúde pública da União Européia (UE), Markus Kyprianou, prometeu ontem ao Parlamento Europeu proibir a entrada da carne bovina brasileira no mercado comunitário se até o fim do ano o Brasil não cumprir as melhorias no controle sanitário que se comprometeu a fazer.
Kyprianou disse que a UE identificou “fragilidades” no sistema de controle brasileiro e tem colocado pressão para o Brasil corrigi-las rapidamente. Reiterou que “no momento” não há razões para interditar a carne brasileira. Mas que está pronto a adotar “várias medidas”, proporcionais aos problemas que forem encontrados no Brasil pela missão veterinária européia que irá ao país no mês que vem.
Outros europeus entenderam que Kyprianou quis sinalizar também que pode adotar medidas que não um embargo. Ele exemplificou que, se um estabelecimento particular tiver problemas, a proibição de exportar para a Europa não deve ser generalizada sobre toda a carne brasileira, ainda mais que Bruxelas respeita o principio de regionalização sanitária.
Mas a pressão de alguns estados-membros aliados a parlamentares britânicos e irlandeses é pela proibição da carne brasileira, numa briga interna com a Comissão Européia, o braço executivo da UE.
O secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo, Marcio Portocarrero, avalia o discurso do comissário europeu como uma “satisfação política” às pressões de pecuaristas britânicos. E acredita que permanecerá “intacta” a postura favorável de Kyprianou à importação da carne brasileira pelo bloco europeu. “Estou muito seguro, tranqüilo até, com a implantação do Sisbov. O modelo foi aceito pelos europeus e a missão veterinária [que chega em 5 de novembro]verá o sistema em funcionamento”, diz.
“Estamos chegando a um ponto bom porque todos na cadeia estão trabalhando, se esforçando para colocar em prática as regras”. Ele informou que tem realizado reuniões semanais com pecuaristas, dirigentes de frigoríficos e de empresas certificadoras para “refinar” a amostragem e “acompanhar” as limitações do Sisbov. O secretário não descarta, porém, eventuais problemas com algum aspecto do sistema. “Poderemos ter uma inconsistência em algum detalhe, mas o todo não será prejudicado”.
Os pecuaristas europeus pressionam pelo embargo à carne brasileira por causa da competitividade do produto. A carne brasileira paga taxa de 177% para entrar no mercado europeu. Ainda assim, o país é o maior exportador do produto para o velho continente.
A Comissão Européia tem sido a maior aliada do Brasil até agora. Até porque sabe que a carne brasileira é de qualidade, e como chega à Europa desossada, não traz riscos de contaminação em caso de aftosa. Mas está com a faca com no pescoço para fazer algo contra o produto. Nesse cenário, o Brasil não pode esperar negociação. Só resta cumprir o que prometeu, porque o relatório da próxima missão vai ser lido com lupa pelos produtores.
Kyprianou foi convocado a explicar na Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu por que a carne brasileira até agora não foi proibida. Os maiores críticos são deputados da Irlanda e do Reino Unido, que este ano registrou perdas por causa de focos de aftosa e da doença da língua azul.
Houve bate-boca entre deputados britânicos em campanha contra a carne brasileira e outros que reclamam de exageros que causam confusão na opinião pública européia.
O presidente da comissão de agricultura, o deputado inglês Neil Parish, discordou da avaliação de Kyprianou sobre os padrões sanitários no Brasil, alegando que missões “neutras” teriam constatado problemas na rastreabilidade.
Mas Parish tem dificuldades em convencer outros parlamentares na sua campanha contra a carne brasileira: até agora ele teve apoio de 39 dos 780 membros do Parlamento, para sua moção pedindo a suspensão da importação do produto, que é uma pressão adicional sobre a Comissão Européia.
Liam Aylward, deputado irlandês, insistiu não ter “sombra de dúvidas” de problemas envolvendo a carne brasileira, apoiando-se num argumento de peso: “Mesmo o ministro da Agricultura do Brasil reconheceu isso”, disse ele. Outros deputados britânicos sugeriram primeiro proibir a carne e depois deixar ao Brasil provar que não há problemas sanitários no produto exportado para a Europa.
Mairead McGuinness, irlandesa do Partido Popular, contestou declaração de Kyprianou, de que um relatório da federação dos produtores irlandeses sobre a carne brasileira tinha motivações econômicas e protecionistas. “Venha até a Irlanda explicar por que a Europa exige mais de seus produtores do que dos brasileiros, em termos de controle sanitário”, desafiou.
O ambiente esquentou quando a espanhola Rosa Miguelez-Ramos, socialista, acusou Parish, de ter feito um texto “vergonhoso” sobre a carne brasileira, quando a convocação de Kyprianou foi para discutir a saúde animal em geral. Ela exigiu que Parish retirasse as declarações sobre o produto brasileiro “porque causam um alarme injustificado”. Parish retrucou que sua declaração não estava na ordem do dia. Outros deputados, diante de opiniões diferentes, pediram mais controle sobre a carne brasileira.
Kyprianou informou que no mês que vem a UE vai publicar relatório da missão que foi ao Brasil em março deste ano. E que também em novembro irá uma grande missão veterinária ao país para avaliar se os problemas identificados foram corrigidos.
Valor Econômico