O primeiro texto para se negociar um acordo na agricultura, na conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Nairóbi, foi apresentado nesta quinta-feira, depois de dias de intensas discussões para evitar novo fiasco.
A proposta da presidência do Comitê de Agricultura, ao qual o jornal Valor Econômico teve acesso, tenta fazer um equilíbrio entre demandas de países exportadores e importadores de alimentos. A grande expectativa é de como a Índia vai reagir ainda hoje na retomada das barganhas.
O texto que busca consenso, o que está longe de ser garantido, estabelece que os subsídios à exportação de produtos agrícolas sejam eliminados em 2020 pelo países desenvolvidos e cinco anos depois naqueles em desenvolvimento. No caso dos produtos industriais, essa proibição foi adotada há 58 anos.
Sobre disciplinas que envolvem garantias de crédito à exportação agrícola, outra forma de dar subsídios, o texto propõe prazo máximo de repagamento em 540 dias. É o mesmo prazo que os Estados Unidos tiveram de aceitar quando perderam a disputa do algodão com o Brasil. A diferença é que no atual Acordo Agrícola da OMC não existe limite, que seria assim agora estabelecido. Evitaria operações que chegam em alguns casos a ter 1080 dias de prazo de pagamento.
Havia propostas para redução do prazo de repagamento para 180 dias, feita pelo Brasil e União Europeia (UE). Mas a presidência do Comitê de Agricultura registrou a forte rejeição dos EUA.
Por outro lado, a proposta de acordo na mesa é para que essas garantias de crédito na exportação agrícola ocorram com taxa de juros e prêmio baseados no risco. As operações precisam ser autofinanciadas. A tentativa é de evitar subsídio disfarçado por essa via, por exemplo pelo Eximbank americano.
No terceiro item, que envolve ajuda alimentar, normalmente Washington compra alimentos de seus produtores e os envia a países pobres, onde organizações que prestam esse auxílio podem vender pelo menos 15% do volume para financiar suas atividades. Só que fazem isso praticando dumping e com poder de derrubar preços internacionais.
Agora, a proposta de acordo agrícola de Nairobi, que será colocada em discussão ainda hoje, não coloca limite percentual, mas tenta frear essa monetização. Um entendimento entre americanos e países africanos também permitirá que esses países possam recusar a prática de monetização da ajuda alimentar em seus mercados.
Já o controle sobre práticas de tradings estatais agrícolas, existentes no Canadá e na Austrália, por exemplo, não tem modificação até agora.
O texto para negociação também vai na direção do que querem países importadores que se dizem inquietos com segurança alimentar. Estabelece que continuará em Genebra a discussão sobre a chamada ''SSM'', medida de salvaguarda autorizando alta temporária de tarifa em caso de súbito aumento de importações ou de baixa de preços.
Mas o texto também prevê que essa discussão deve ocorrer no contexto de negociações sobre acesso ao mercado. Ou seja, se os importadores conseguirem realmente a obtenção desse mecanismo – o SSM – terão por outro lado de garantir acesso ao mercado por exemplo por meio de cotas (limite quantitativo para determinados produtos, com alíquota menor).
Além disso, o texto para negociação reafirma o prazo até 2017, na próxima conferência ministerial da OMC, para que seja encontrada uma solução permanente para as dificuldades que membros do grupo protecionista, como Índia, China, Indonésia, Venezuela, Equador e Cuba, dizem ter na compra de alimentos com preços administrados para a formação de estoques públicos, em razão das regras existentes na OMC sobre subvenções agrícolas.
Os negociadores discutem o texto hoje em Nairóbi. O problema é que a Índia endureceu ontem no fim do dia de novo. Em Genebra, dava a impressão de que sua prioridade era obter uma solução permanente para seus estoques públicos de alimentos. Agora, mudou e coloca ênfase na obtenção da salvaguarda para elevar tarifas de importação agrícola (SSM).
Valor Econômico