Promessa de lucros certos até o ano passado, a produção de álcool começa a sofrer as dores de um crescimento muito rápido. A oferta superou a demanda mais cedo do que o previsto e os preços recebidos pelo setor já não são remuneradores como no ano passado. Começam os prejuízos. Esse cenário vale tanto para o Brasil como para os EUA, os dois líderes mundiais na produção e consumo dessa nova alternativa de combustível.
Nos Estados Unidos, onde a produção teve aceleração ainda mais rápida do que no Brasil, vários investimentos estão sendo adiados, algumas usinas pararam as atividades temporariamente e outras diminuíram o ritmo de produção. Até o crédito já ficou mais difícil para os investidores do setor. Uma das principais empresas a suspender investimentos foi a VeraSun Energy, uma das líderes de mercado. As bruscas mudanças nas condições de mercado levaram a VeraSun a suspender um projeto de produção de 415 milhões de litros de álcool por ano, que estava sendo desenvolvido em Indiana (EUA), conforme comunicado da empresa no início deste mês.
Excesso de produção, demanda estagnada e custos elevados são os fatores responsáveis para essa mudança no cenário no mercado norte-americano, diz Daniela Siqueira, analista da Agência Rural, em Iowa, nos Estados Unidos. A luz amarela acendeu no setor, mas o que ocorre é apenas uma reorganização. “São dificuldades de percurso, normais e até esperadas após um crescimento que se mostrou explosivo de 2006 para cá”, afirma Siqueira, referindo-se aos EUA.
O primeiro sinal concreto de que as coisas não vão bem surgiu no final do mês passado, quando as contas dos produtores norte-americanos de álcool não fecharam. Acostumados a uma rentabilidade de 33% em outubro de 2006, os dados de setembro indicaram perda de 3%. Neste mês, a rentabilidade voltou, mas ainda é muito pequena. “Está zero a zero”, afirma Siqueira.
Essa redução de margem de lucro ocorre porque os preços do milho, que representa de 65% a 70% do custo do álcool, dispararam do ano passado para cá. Já o valor do álcool desabou. Há um ano, o produtor de Iowa, importante Estado dos EUA na produção de grãos, recebia US$ 2,75 por bushel (25,2 quilos). O galão de álcool, o correspondente a 3,785 litros, mesmo distante dos US$ 4 do período de maior euforia naquele país, estava a US$ 1,83, mas ainda era remunerador para as usinas.
No final do mês passado, no entanto, o preço do milho pago ao produtor já estava a US$ 3,44 e as usinas conseguiram colocar o álcool no mercado por apenas US$ 1,49. Um outro drama para as usinas foi que o álcool se descolou dos preços do petróleo e tomou caminhos diferentes. O que se esperava é que o petróleo, que continua batendo recordes, puxasse também os preços do álcool, o que não ocorreu.
O motivo básico dessa queda é que a demanda não cresce no mesmo ritmo da oferta, diz Siqueira. Embora exista a promessa de uma substituição de 20% da gasolina pelo álcool, o que está em prática ainda nos Estados Unidos é um programa que estabelece o uso de 7,5 bilhões de galões (28,4 bilhões de litros) até 2012. “Ainda estamos em 2007 e a capacidade de produção já chegou aos 26,2 bilhões de litros”, afirma.
Existem outras 73 usinas em construção, com capacidade para produzir mais 24,8 bilhões de litros até 2009. Não é o fim do álcool nos Estados Unidos, mas o início de uma reorganização, conforme analisa Eitan Bernstein, outro especialista no setor. Já para Siqueira, há muito espaço para o setor crescer, mas primeiro deve fazer ajustes na produção, superar obstáculos na distribuição e conquistar consumidores. “O álcool ainda não conquistou os americanos”, diz ela.
No ano passado, os Estados Unidos consumiram 20,4 bilhões de litros de álcool, apenas 4% dos 510 bilhões de litros de gasolina. “Potencial para crescer, portanto, há de sobra”, diz. Um dos grandes obstáculos é que a produção fica no centro dos Estados Unidos, mas o maior consumo de combustível está nas duas costas (leste e oeste) do país. Se na área de produção os preços do álcool já não são muito atrativos no momento, fica ainda mais difícil elevar o consumo distante dessas áreas de produção.
A definição de uma nova meta de consumo, que passa pelo Congresso dos Estados Unidos, vai sofrer pressões de dois grupos poderosos. De um lado, os defensores dos produtores de milho. De outro, os da produção de ração e de carnes que não estão contentes com a elevação de preços de uma das matérias-primas básicas para esses setores. Entra na batalha, ainda, a indústria automobilística que, com 20% de adição, deverá fazer adaptações nos motores.
Folha de São Paulo