Antônio Rosival Veloso é agricultor, mora na Bahia e cultiva cacau, como milhares de outros produtores rurais no Estado. Veloso está longe do litoral, da Mata Atlântica, da vassoura de bruxa e, com seu hectare pioneiro de cacau em pleno cerrado baiano, está também longe de todos os milhares de produtores da amêndoa do Estado. Mas ele já não é o único.
Assim como Veloso, outros produtores têm testado a viabilidade da cultura em terrenos que jamais haviam visto um pé de cacau. O agricultor mora em Barreiras, pólo de produção de soja e algodão do oeste da Bahia. O município está a mais de 900 quilômetros de distância do pólo cacaueiro de Ilhéus e Itabuna, que, assolado pela doença da vassoura de bruxa há 18 anos, viu a produção cair de mais de 400 mil toneladas para as atuais 140 mil.
“Estou muito satisfeito com o resultado até agora. Os pés produzem o ano todo e só diminuem um pouco entre junho e julho. Preciso fazer as contas da produtividade, mas está difícil. Toda semana tem que colher e processar”, diz o produtor.
Veloso não foi influenciado para entrar no plantio de cacau pelos vizinhos porque vizinhos cacauicultores não havia. “É coisa de família. Está no sangue”, conta. Louis Frederic Warnaux, o bisavô francês de Veloso, foi um dos pioneiros do cacau na Bahia, onde começou a trabalhar em 1875. A família mantém se na atividade desde aquela época. Três dos irmãos de Veloso têm plantações em Ilhéus.
No litoral sul da Bahia, onde está cerca de 80% da produção nacional da amêndoa, os cacaueiros têm a sombra natural da Mata Atlântica. Com cerrado por todos os lados, Veloso sombreou suas plantas com bananeiras, que ele já cultivava em sua propriedade. Até 2010, quando quitar dívidas bancárias, o agricultor pretende erradicar a área hoje dedicada ao caju para substituir por cacau. E por pés que não receberão nada de agrotóxicos ou adubação que não seja orgânica, como ele já faz desde o início dos testes.
A notícia do insólito cacau do cerrado espalhou se. José Cisino Menezes Lopes, também de Barreiras, resolveu testar o desempenho do cacau em sua propriedade, onde ele cultiva bananas. Seus 50 pés piloto, bastante jovens, ainda não deram os primeiros frutos, mas ele soa otimista. “A planta está grande como a peste”, exclama ele, em sua gíria nordestina. “Estou observando para ver se dá certo. A gente está aí para ganhar dinheiro”.
As iniciativas não partem apenas de pequenos agricultores. O presidente da Associação dos Agricultores do Oeste da Bahia (Aiba), Humberto Santa Cruz, foi outro que decidiu testar a viabilidade do cacau em suas terras. Plantou 50 pés que, para sua surpresa, têm ficado carregados o cacau do dirigente sequer é sombreado. A adubação é a mesma que Santa Cruz utiliza em seus 70 hectares de laranja.
Surpreso também com o interesse pelo cacau do cerrado, Santa Cruz pretende apresentar à Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste da Bahia (Fundação BA) a proposta para que a entidade passe a pesquisar os resultados do cacau na região. “Se fosse para exportação, o cacau não estaria bem localizado aqui, mas ele pode ser uma alternativa de diversificação de culturas para o pequeno agricultor”, diz.
“O oeste da Bahia é pioneiro em várias outras frentes. Não conheço um lugar que, três anos de qualquer sinal de instalação de uma usina, já está plantando cana. Quem sabe não é mais uma cultura que vai ser trazida para a região”, afirma o produtor.
As plantações que têm sido feitas longe do litoral sul baiano não têm fôlego para tirar a hegemonia da região como o mais importante centro do cacau brasileiro. Em geral, as iniciativas de cultivo da amêndoa distantes do pólo Ilhéus/Itabuna são feitas em pequenas áreas, mas técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) têm visto se multiplicar as experiências em cidades como Jequié, localizada, no limite entre a caatinga e a Zona da Mata, Ibotirama, na margem direita do rio São Francisco, ou mesmo nas mineiras Jequitinhonha e Janaúba.
A região da Chapada Diamantina também entrou no movimento de descentralização do cacau. Em Nova Redenção, a Ceplac tem acompanhado o projeto da Bagisa, que plantou 1,5 hectare. A primeira colheita, ainda tímida, rendeu 23 arrobas por hectare, mas passou a 55 arrobas na segunda e chegou às atuais 180 arrobas por hectare. “Lá no sul, há quem consiga 70 ou até 80 arrobas por hectare, mas são poucos. A média é de 30 a 40 arrobas. E quem consegue 40 arrobas está muito bem”, diz José Basílio Vieira Leite, agrônomo da Ceplac que acompanha a iniciativa da Bagisa.
Para contrariar os paradigmas das lavouras do litoral sul, o plantação da Bagisa não é sombreada, está sob “pleno sol” e em uma região que recebe de 500 a 600 milímetros de chuvas por ano, concentradas nos meses de dezembro a fevereiro. Na região de Ilhéus, as chuvas são bem distribuídas ao longo do ano e chegam a 1800 milímetros.
Em março, a empresa plantará mais 10 hectares de cacau, e a meta é atingir produtividade de 300 arrobas por hectare quando as plantas atingirem a idade adulta. “E isso é totalmente possível. Já estamos com 180 arrobas mesmo com plantas ainda jovens”, diz Leite. “Se o Estado tiver 15 a 20 mil hectares de cacau com produtividade de 200 arrobas por hectare, não vamos mais precisar importar.
Valor Econômico