Pouco mais de três meses depois que uma operação da Polícia Federal descobriu que duas cooperativas mineiras fraudaram leite cru, praticamente nada mudou no serviço de inspeção federal nos laticínios brasileiros.
Dias após a operação “Ouro Branco”, que encontrou leite com adição de água oxigenada e soda cáustica nos grupos Casmil e Coopervale, o Ministério da Agricultura anunciou que adotaria “medidas de inspeção e controle, em caráter excepcional e como ações suplementares à rotina das atuais atividades desempenhadas pelo Serviço de Inspeção Federal [SIF] “.
Entre as medidas, a principal era a realização de auditorias aleatórias nos laticínios. A idéia era que esse trabalho fosse feito com equipes formadas por fiscais federais agropecuários (dois médicos veterinários) e um agente de inspeção sanitária, para avaliar o funcionamento das empresas, seus processos produtivos e a própria atuação dos servidores responsáveis pela inspeção do SIF.
Essas auditorias, chamadas no ministério de “mutirões”, foram prejudicadas pelo fato de vários funcionários do órgão estarem em férias, admite Nelmon Oliveira, diretor do Departamento de Inspeção dos Produtos de Origem Animal (Dipoa) do ministério. “Entre dezembro e janeiro, mais de 50% deles tiram férias”. Os Estados que deveriam concentrar os mutirões são Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro.
Além dos mutirões, uma medida paliativa, o governo federal prometeu alterar a legislação sobre a inspeção dos laticínios. A principal mudança prevista era a retirada dos agentes de inspeção (que têm status inferior ao dos fiscais agropecuários federais) das companhias para que a fiscalização fosse realizada com equipes móveis.
Hoje os agentes ficam em caráter permanente nos laticínios, e avalia-se que a proximidade entre esses profissionais e as empresas – muitos ficam longos períodos baseados no mesmo local – pode não ser saudável para garantir o rigor necessário da inspeção. Na fraude das cooperativas mineiras, essa desconfiança voltou à tona.
Conforme minuta de instrução normativa do ministério obtida pelo Valor, o plano é criar os chamados circuitos de inspeção de produtos de origem animal em estabelecimentos que não fazem abate. As equipes que atuarão no circuito terão fiscais federais (veterinários) e agentes de inspeção. O circuito abrangerá até dez estabelecimentos, e “a programação das inspeções deve contemplar, sempre que possível, o rodízio entre os agentes de inspeção”.
Mas as mudanças, que dependem de alteração do decreto 30.691, de 29 de janeiro de 1952, que trata da inspeção, ainda devem demorar um pouco para entrar em vigor. De acordo com Oliveira, um grupo coordenado pelo Dipoa trabalha na revisão da regulamentação desde dezembro passado, e a tarefa deve ser finalizada em março. Depois disso, a versão inicial da nova regulamentação será apresentada ao governo e irá à consulta pública. Nesse meio tempo, um projeto-piloto será testado em um ou dois Estados.
Para o diretor do Dipoa, a mudança vai “aumentar a responsabilidade da empresa de fazer seus controles de rotina”. Oliveira admite, entretanto, que pôr em prática as alterações não é simples, pois envolve questões de infra-estrutura e logística.
Os agentes de inspeção que atuam nas empresas também estão preocupados e alguns duvidam que vá haver mudanças, já que há muitos anos a promessa existe mas não se concretiza.
Num documento que circula entre fontes do segmento, os agentes apontam uma série de medidas que teriam de ser tomadas para colocar em prática a mudança. Como hoje eles ficam baseados nas empresas, será necessário, por exemplo, criar escritórios em pontos estratégicos para sediar o funcionários da Inspeção Federal quando houver a mudança. Assim, haverá necessidade de adquirir móveis, telefones e computadores, entre outros itens.
A logística também ficará mais difícil, pois os fiscais e os agentes de inspeção terão de se locomover periodicamente até as empresas para as auditorias. Nesse caso, serão necessários veículos oficiais, combustível e diárias para os funcionários. Além de tudo isso, faltam recursos humanos.
Hoje, segundo o diretor, há 212 veterinários para um total de 400 usinas de beneficiamento de leite no país. “Alguns ficam mais sobrecarregados”, admite Oliveira. “Há veterinário responsável por 15 empresas”. No total, entre fiscais federais e agentes de inspeção, são 4,3 mil profissionais a serviço do SIF. O governo ainda não sabe quanto custariam as mudanças na inspeção federal do leite.
Valor Econômico