A mudança climática e o desmatamento já estão empurrando a floresta amazônica rumo à transformação em savana, e até 2030 metade da mata será derrubada, explorada por madeireiros ou afetada pela seca. A previsão é de um relatório feito por um dos maiores especialistas em ecologia amazônica, o americano Daniel Nepstad.
Intitulado “Os Ciclos Viciosos da Amazônia”, o documento, encomendado pela ONG WWF, tem dados científicos novos e um objetivo político: levar a agenda da redução das emissões por desmatamento (REDD, na sigla em inglês) para as negociações do acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto após 2012. Espera-se que a COP-13, a Conferência do Clima de Bali, aborde isso, e que a manutenção da estabilidade do clima pela conservação de florestas entre na pauta.
Mas mesmo a delegação brasileira, maior interessada em incluir a redução do desmatamento no acordo, parece ter posição contraditória. Apesar de o governo já ter manifestado a vontade de ver um fundo de compensação por desmate reduzido funcionando antes de 2012, membros da delegação têm expressado dúvidas.
Na terça, Thelma Krug, secretária brasileira de Mudanças Climáticas, havia dito que era “prematuro” incluir florestas no acordo -foi corrigida ontem pelo chefe da delegação, Luiz Alberto Figueiredo Machado, para quem a secretária fora “infeliz” na colocação.
Logo depois, Sergio Serra, embaixador extraordinário para mudança do clima, disse que o Brasil não quer ver as florestas na negociação. “Para a delegação brasileira, Bali não é o fórum de discutir se floresta entra ou não.” Pare ele, é uma “reunião de processo”, ou seja, não define modos de ação.
Cenário apocalíptico
O relatório do WWF dá um tom de urgência ao debate ao afirmar que o ponto de não-retorno da Amazônia -ou seja, o momento a partir do qual a floresta se transforma em savana e não volta mais- pode estar mais perto do que se pensava.
Até agora, modelos de clima e de vegetação têm mostrado que o colapso da floresta deveria acontecer só depois de 2080. Cruzando um modelo de desmatamento com novos dados sobre exploração madeireira e sobre chuvas ao longo dos últimos dez anos, além de tendências recentes de expansão da cana, da soja e da pecuária, Nepstad produziu o que ele chama de “um dos piores cenários que eu já vi em 23 anos de Amazônia”: a savanização ocorrendo nos próximos 15 a 25 anos, com a emissão de 15 a 25 bilhões de toneladas de carbono até o final do período -algo como quatro vezes o que o Kyoto se propôs a cortar.
A seca prevista para a Amazônia pode já ter se instalado. No nordeste de Mato Grosso, onde Nepstad mantém um projeto de pesquisa, 2007 foi um ano atípico, muito seco e muito quente. “Normalmente faz 32C na sombra da mata no verão [época de seca].
Neste ano fez 38C”, diz. A fumaça das queimadas pode estar colaborando para secar a floresta, ao inibir a formação de nuvens.
Nepstad assume que os cenários propostos por ele -a área desmatada crescendo de 17% para 31% e a área seca ou danificada pelo corte seletivo chegando a 24% da mata- são parciais, baseados em só cinco anos de dados de desmatamento e dez de precipitação. Mas afirma que “em vários sentidos o relatório é conservador”.
Políticas como a REDD poderiam ajudar a evitar a catástrofe. Com ela, seria possível, por exemplo, pagar pecuaristas para não desmatarem.
“Duas faces”
Em referência à cobrança para o Brasil reduzir suas emissões, o chanceler Celso Amorim disse ontem que países ricos possuem “duas faces”.
“Há uma face de bom moço, de quem está defendendo as causas benéficas para o mundo [o ambiente], e uma face, que em geral fica escondida, que é a face protecionista”, afirmou, aludindo às tarifas sobre biocombustíveis e à pressão da Europa de exportar pneus reformados. “É preciso saber com que voz eles falam na Conferência de Bali e com que voz eles falam na OMC [Organização Mundial do Comércio].”
Folha de São Paulo