É usual ouvir entre analistas que o leite é hoje no Brasil o que a carne bovina era no início desta década. Ao fazer essa comparação o que os especialistas querem dizer é que assim como o potencial de exportação de carne bovina era forte naquele momento – e efetivamente se concretizou nos últimos anos -, o mesmo pode acontecer com o leite no futuro. Cenário que colocaria o país ao lado de grandes exportadores do produto como Nova Zelândia e Austrália.
A elevação da demanda no mercado internacional, principalmente na China, e a menor oferta em países produtores de leite em 2007 geraram uma reviravolta no setor, fazendo os preços mais do que dobrar em um ano. Cenário propício para o Brasil mostrar a que veio.
E efetivamente, o avanço já começou, com as exportações atingindo recorde este ano. Entre janeiro e novembro, as vendas externas totais de lácteos somaram US$ 229 milhões, quase 79% mais do que no mesmo intervalo de 2006. O volume total ficou quase estável, em 82,9 mil toneladas, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio citados pela CNA.
Quando os números são destrinchados vem à tona um dado muito relevante: das exportações totais no período, US$ 120,4 milhões foram leite em pó, 333% mais do que no mesmo intervalo de 2006. Em volume foram 29,6 mil toneladas, mais do que o dobro das 13,2 mil toneladas de janeiro a novembro de 2006. O preço médio ficou em US$ 4,067 mil por tonelada; tinha sido de US$ 2,09 mil por tonelada até novembro de 2006.
Uma boa parte do leite em pó foi comprada pela Venezuela, que vive escassez de alimentos. Só em novembro o país importou do Brasil US$ 32,5 milhões em produto, um volume de 6,5 mil toneladas.
Marcelo Costa Martins, assessor técnico da Comissão Nacional da Pecuária de Leite da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil ( CNA ), explica que a forte demanda internacional por leite em pó – o principal item da pauta de exportação de lácteos – gerou uma “transferência de produto”. Como decidiram vender mais leite em pó ao mercado externo, as empresas reduziram os embarques de leite condensado, outro item importante na pauta exportadora. De janeiro a novembro, as vendas externas do produto chegaram a 24,9 mil toneladas, ante 45,9 mil toneladas do mesmo período de 2006. Em receita, a queda foi menor, de US$ 55,9 milhões, para US$ 36,6 milhões, segundo o Ministério.
Enquanto as exportações cresceram, as importações ficaram estáveis. Até novembro foram US$ 139,8 milhões e no mesmo período de 2006, US$ 139,3 milhões.
“O leite tem tudo para ser uma commodity importante para o Brasil”, afirma Alfredo de Goye, presidente da trading Serlac, parceira da Itambé na exportação.
Um estudo feito por ambas indica que a produção brasileira de leite, hoje em 26 bilhões de litros por ano, pode crescer a uma taxa anual de 4,7% até 2020, o que elevaria a produção para 50 bilhões de litros. Como o consumo – hoje em 25 bilhões de litros – cresce a uma taxa anual de 1,7%, o Brasil teria uma demanda interna de 40 bilhões em 13 anos e excedente exportável de 10 bilhões de litros.
Ele destaca que a melhor remuneração dos produtores – entre novembro 2006 e novembro deste ano, a alta foi de 38% – também estimula a maior produção de leite. “O [consumo no]mercado interno não cresce na mesma proporção que a produção”, observa.
Se no Brasil a produção de leite tem forte potencial de crescimento, principalmente por conta da disponibilidade de terras, na Nova Zelândia, o maior exportador mundial (com 35% das exportações globais estimadas em 40 bilhões de litros), a situação é oposta. Além de ter sido atingido por uma seca este ano, o país, que produz 14,5 bilhões de litros, tem restrição territorial para elevar a produção, diz Goye. Mesma situação vive a Austrália, o terceiro no ranking das exportações, com produção de 10,2 bilhões de litros e 10% das vendas externas globais.
Outro buraco no mercado, que pode ser preenchido em parte pelo Brasil, é o deixado pela União Européia, que este ano acabou com os subsídios ao leite, reduzindo a competitividade na exportação. Com uma produção anual de 209 bilhões de litros, a UE tinha, em 2006, 30% das exportações mundiais, mas este ano se voltou mais para o seu próprio consumo. O mesmo se deu com a Argentina, onde o excesso de chuvas afetou a produção e políticas governamentais restringiram as exportações.
Países como EUA e China também podem ampliar sua produção de leite, afirma Goye. Mas ele pondera que no primeiro o consumo interno é elevado e no segundo a demanda cresce e há necessidade de importações. A própria Serlac, diz ele, deve exportar leite em pó para a China no próximo ano.
Marcelo Costa Martins, da CNA, também acredita no potencial de crescimento das exportações brasileiras, e pondera que a produção pode crescer mesmo sem ampliação da área de pecuária leiteira. “Com a mesma área, só com a mudança de manejo, a produtividade pode crescer”, disse. Hoje, a média da produtividade no Brasil é baixa, de 1.500 litros de leite por vaca/ano. Já na Nova Zelândia, fica entre 3.500 e 4 mil litros.
Apesar de acreditar que o Brasil tem potencial para se tornar “um grande player” no mercado internacional de leite, Rodrigo Alvim, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, diz que uma pedra no caminho é o comportamento do câmbio. A queda do dólar pode desestimular as exportações, o que só não aconteceu este ano porque os preços internacionais subiram muito.
A cotação que estava na casa dos US$ 2.000 por tonelada em 2006, alcançou o pico de US$ 5.700 este ano. Mas elas já começaram a recuar e oscilam entre US$ 3.700 e US$ 5.000 dependendo da origem.
“Se os preços se estabilizarem na casa dos US$ 4 mil e se os custos não aumentarem muito, 2008 será um ano interessante”, diz Alvim. O custo preocupa porque boa parte da ração do gado leiteiro utiliza milho e soja, duas commodities em alta no mercado internacional.
O câmbio não é a única preocupação: investimentos em fábricas para secagem de leite e na padronização da produção são fundamentais para conquistar um lugar no mercado internacional. “As empresas vão investir para padronizar o processo de produção na fazenda para garantir qualidade e sanidade”, prevê Maurício Nogueira, da Scot Consultoria. Uma medida fundamental, pois se transformar em player mundial também significa virar alvo de olhos atentos de concorrentes.
Alvim avalia que o futuro é promissor e uma prova disso é a consolidação que o setor de lácteos vive hoje, com negócios como a compra da Eleva pela Perdigão e do controle da Vigor pelo Bertin.
Valor Econômico