Pela primeira vez desde 2004, os preços do álcool voltaram a registrar queda durante a entressafra no centro-sul do país (de janeiro a abril), período que tradicionalmente as cotações registram elevação por conta da menor oferta do combustível nas usinas. Com estoques equilibrados, mas não abundantes, a queda ocorre em um momento em que o consumo do álcool hidratado é recorde no Brasil, impulsionado, sobretudo, pelas vendas de carros flexfuel.
A explicação para o comportamento de preços atípico durante a entressafra está, em boa parte, na estratégia de vendas das usinas. “As usinas vendem porque não querem carregar seus estoques para o início da nova safra”, afirma Júlio Maria Martins Borges, presidente da consultoria Job Economia e Planejamento.
A oferta no mercado interno está equilibrada e a demanda continua aquecida. O consumo está projetado em cerca de 1,4 bilhão de litros de álcool por mês até abril, com exceção de fevereiro, cujo consumo cai por conta do feriado de Carnaval e por ser um mês curto, de acordo com a Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar).
Se confirmado esse consumo, será recorde para o período, considerando que nos últimos anos o volume oscilava entre 900 milhões e 1 bilhão de litros mensais. Os estoques devem ser suficientes até o fim de abril, sem risco de desabastecimento, de acordo com Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da Unica.
O governo acompanha atento, desde 2003, o movimento do mercado interno de álcool durante a entressafra porque teme desabastecimento e reflexos na inflação por conta da alta do produto nesse período. Foi exatamente em 2003 que as cotações do combustível bateram R$ 1,30 nas usinas e havia risco de falta de combustível. Entre 2003 e 2006, em função do aumento expressivo do preço do açúcar no mercado internacional, as usinas priorizaram a produção da commodity em detrimento do combustível.
Na sexta-feira, o litro do álcool hidratado fechou a R$ 0,71187 (sem impostos), recuo de 2,89% sobre a semana anterior. Em doze meses, acumula queda de 16,7%. O anidro fechou a R$ 0,79915 o litro, com baixa de 3,27% (sem impostos) sobre a semana anterior e desvalorização de 8,6% sobre o mesmo período de 2007, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). O risco de desabastecimento para esta safra está descartado. A maior produção em 2007/08, de 19,7 bilhões de litros no centro-sul, 23% acima sobre 2006/07, ajudou a manter os estoques confortáveis.
Padua lembra que em 2004, quando os preços do álcool também caíram durante a entressafra, o cenário era diferente. “Havia uma corrida das usinas para se livrar de seus estoques, em um período que as vendas dos carros flexfuel ainda engatinhavam.”
Em 2007, as vendas de carros flexfuel totalizaram 2,003 milhões de veículos, um crescimento de 40% sobre 2006, segundo levantamento recente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Os flexfuel representaram 86% da venda total de veículos no ano passado.
A relação de compra entre as usinas e distribuidoras, que nos últimos meses se caracterizou como da “mão para boca”, mudou. “Estamos comprando em maiores volumes”, afirma Alísio Vaz, vice-presidente executivo do Sindicom (Sindicato Nacional das Distribuidoras de Combustíveis).
No ano passado, as distribuidoras negociaram cerca de 8,5 bilhões de litros de álcool hidratado, alta de 40%, afirma Vaz, citando os números da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Só as associadas do Sindicom movimentaram 6,2 bilhões de litros, com um aumento de 80% sobre 2006.
Valor Econômico – SP