O antropólogo Roque Callage Neto disse nesta terça-feira (10), na Câmara dos Deputados, que discorda dos critérios utilizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para delimitar áreas remanescentes de quilombos no País.
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Incra, Callage Neto, que tem doutorado em Ciências Sociais, questionou laudos antropológicos oficiais usados para o reconhecimento dessas áreas no Brasil.
Para ele, os critérios defendidos pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) não permitem a clara distinção entre comunidade quilombola e comunidade rural afro-brasileira carente.
“Quem está bebendo cachaça e fazendo samba está fazendo folclore e montando um agrupamento de cultura negra, mas não esta fazendo quilombo. Está fazendo folclore”, disse Callage Neto, que produz laudos antropológicos em defesa de agricultores que tem suas propriedades atingidas por demarcações de territórios quilombolas.
Resistência e contestação
O antropólogo, por exemplo, sustenta que uma das características que não são levadas em consideração nos laudos oficiais é a presença da ideia originária de fuga, resistência e contestação do regime monárquico vigente à época.
“Remanescente tem que ser rural. Tem que ter a memória da comunidade que existiu lá atrás e não precisa ser descendente biológico de afro, porque muitos brancos prisioneiros fugiam e eram adotados. O quilombo era miscigenado”, argumentou.
Em resposta à deputada Teresa Cristina (PSB-MS), Callage Neto defendeu ainda mudanças na política de demarcação de territórios quilombolas. Para ele, a decisão final deveria ser tomada pelo Congresso, ouvindo conselhos da sociedade civil e tendo a participação das comunidades tradicionais envolvidas.
Ele criticou as normas previstas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, que preveem a autodenominação dos povos quilombolas para o reconhecimento de territórios.
Laudos fraudulentos
O deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), que preside a CPI e propôs a vinda de Callage Neto, chamou atenção para o exemplo específico de Morro Alto, no Rio Grande do Sul, onde segundo ele, as áreas quilombolas foram definidas com base em laudos fraudulentos.
“A ata original que origina a declaração que aquilo é um quilombo tem duas pessoas que assinaram e que são as mesmas que fizeram o laudo. São pesquisadores da URGS. Essa é a denúncia e a razão desta CPI”, disse Moreira, justificando a vinda de Callage Neto como contraponto da versão oficial. “Senão não há como fazer a contestação na Justiça.”
Direito à posse da terra
Por sua vez, a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP) acusou a CPI de legitimar a tese que nega o direito à posse da terra aos povos originários como negros, índios e comunidades ribeirinhas. Rebatendo a fala do depoente, a deputada quis saber por que os povos quilombolas haveriam de perder a posse de suas terras ao se tornarem professores, advogados ou médicos.
Callage Neto voltou a dizer que é preciso diferenciar comunidades rurais de negros carentes e quilombos. “Não me filio aos antropólogos da Aba que acham que tudo é quilombo. Mocambos e cortiços não são quilombos. Na época da República Velha, os primeiros presidentes deveriam ter feito essas correções e dado terras devolutas a essas pessoas. Pensar nisso agora é anacronismo”, disse.
Propriedade definitiva
Por fim, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) destacou o preceito constitucional que assegura apenas aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras o direito à propriedade definitiva.
Colatto ainda criticou o fato de nem todas as comunidades quilombolas serem favoráveis à posse coletiva das terras e questionou se a ABA determina que os antropólogos sigam uma orientação na produção dos laudos. Segundo Callage Neto, não existe nenhum tipo de pressão da associação, uma vez que não se trata de conselho profissional.
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