No final do século XIX, um ex-escravo e professor do curso de Agronomia no Alabama, George Washington Carver percebeu que a monocultura extensiva de algodão não era suficiente para fazer com que a região em que estava iniciasse um processo de desenvolvimento. Buscando soluções para o problema regional, viu no amendoim, na soja e da batata-doce os instrumentos da mudança que desejava. Ele introduziu a prática da rotação de cultura, aproveitando os benefícios trazidos pelas leguminosas no enriquecimento do solo. Trouxe também o conceito comercializar produtos derivados dos grãos coletados. Nesta linha de pensamento pesquisou e desenvolveu mais de 300 produtos derivados do amendoim, inclusive o creme tão presente da dieta americana. Com Carver, podemos aprender várias coisas.
A rotação de culturas é uma das bases para a sustentabilidade do sistema produtivo. Com ela os perfis do solo são explorados de formas diferenciadas tanto química quanto fisicamente. Os problemas fitossanitários são mitigados e a renda torna-se mais diversificada, possibilitando amenizar oscilações nos preços das commodities. Carver conseguiu com a rotação de cultura, produzir uma mudança cultural no Sul dos Estados Unidos. Mudança que gerou renda, saúde e desenvolvimento.
Não seria exagero dizer que algumas mudanças de cultura e culturais trarão fortes benefícios ao agronegócio brasileiro. Gostaria de sugerir algumas mudanças que precisam ser implantadas em nosso campo.
Pela importância do Brasil no mercado global, está na hora de criar instrumentos legais e logísticos para ampliar a exportação de produtos agrícolas processados. A exportação do grão de soja representa algo próximo de 70% do setor, seguido de longe pelo farelo e óleo (fonte: ABIOVE, 2016). A participação no mercado dos demais derivados da soja como gorduras, lecitinas e proteínas é mínima. Semelhante realidade se aplica ao milho, ao café e demais commoditties. O processamento agrega valor, fortalece a indústria, distribui renda, gera empregos e promove o desenvolvimento tecnológico.
Produzir qualidade é fundamental. Com base nos conhecimentos disponíveis, o produtor brasileiro tem condições de fazer mais qualidade no campo. Por qualidade, não refiro aqui somente de produto, mas de processos. Vejo que o produtor acostumou-se a ficar dentro de sua propriedade sem questionar e participar do que ocorre após a venda de sua produção. Percebo também que o sistema de comercialização está precisando de ajustes, pois a qualidade é feita pelo intermediário que consegue, partindo do volume que compra, selecionar qualidade e agregar valores os produtos, sem que o produtor participe deste processo. Produzir qualidade traz riqueza e emprego para o campo. Traz preservação da natureza e recuperação de áreas degradas. Valoriza o campo e o torna mais atrativo para quem dele vive.
Para fazer uso racional do solo em uma propriedade rural, é necessário dedicar-se mais intensamente ao planejamento. Planejamento a médio e longo prazos também não faz parte de nossa cultura! Na propriedade rural possui áreas nobres e as menos aptas à atividade agrícola. Cada propriedade tem também uma capacidade operacional diferentes de conduzir a lavoura. É fundamental quantificar a disponibilidade de água em períodos críticos e a capacidade de irrigar a lavoura. Proteger as áreas de preservação permanente, as margens dos rios, as nascentes e áreas de solo menos estáveis. Recuperar áreas com espécies com melhor função ambiental. Já passou da hora de entender que a forma mais rentável de ocupar a propriedade não é ocupa-la por inteiro. A agricultura sustentável demanda uma verdadeira mudança cultural associada à assistência de profissionais especializados.
Marcelo Barreto da Silva, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), doutor em fitopatologia, pós-doutor em Sistema de Informações Geográficas, coordenador do Programa Agro+: por uma agricultura mais sustentável