A escalada dos preços internacionais das commodities agrícolas é um fato. O aquecimento da economia global provocou significativa recuperação dos preços dos grãos, com reflexos nos preços do frango e das carnes bovina e suína, que aumentaram com a subida dos preços dos grãos, base das rações. No Brasil, mesmo com as safras recordes, o abastecimento interno do agronegócio enfrentou sérias dificuldades porque as cotações externas dos produtos agrícolas cresceram muito.
Um estudo da ONU, divulgado no começo de setembro, mostrou que o preço de alimentos e commodities alcançaram aumento de quase 50% entre 2002 e 2006. Nesse período, o açúcar subiu 114%; o arroz, 58%; café, 98%; soja, 26%; e trigo, 32%. E a tendência, segundo este estudo da ONU, é de que a alta continuará “por mais alguns anos”. A subida nos preços agrícolas pressionou o custo de vida em muitos países. É fato que há uma correlação entre preços do petróleo e custo de commodities agrícolas. Diferentes pesquisas já confirmaram que os preços da soja, milho e trigo reagem sempre que as cotações do óleo sobem nos Estados Unidos. Essa correlação se acentuou com a expansão dos biocombustíveis. A corrida pela produção de biodiesel, a partir de diferentes culturas, especialmente milho para a produção de etanol, alterou ainda mais os preços relativos das principais commodities.
A Organização Internacional do Açúcar (OIA), com sede em Genebra, estima que o aumento da produção de etanol no mundo em 2007 será de 28%, em relação ao ano anterior. Segundo a entidade, o mundo produzirá 50,4 bilhões de litros neste ano, frente aos 39 bilhões produzidos em 2006. No Brasil, o aumento na oferta entre a safra de 2006 e a de 2007 de etanol será de 14%, segundo a OIA, evolução menor que a dos EUA, que neste ano devem ter expansão de 22% na produção de combustível em relação ao ano passado. As 126 refinarias norte-americanas devem produzir 24 bilhões de litros. Em três anos, com a entrada em operação de mais 76 refinarias, a produção deve atingir 37 bilhões de litros. Apesar dessa produção acelerada, a demanda por etanol nos EUA é bem maior que a oferta, já em 2007. Até o final do ano os EUA devem acumular um déficit de 17 bilhões de litros de etanol. E esse déficit deve se agravar. Por essa razão, no final de junho o governo Bush sancionou a Energy Bill, a lei do etanol, aprovada no Senado um mês antes. O impacto dessa lei pode ser avaliado pelo fato de que já neste ano a cultura de milho nos EUA, principal matéria-prima do etanol, já deve receber aproximadamente US$ 11,4 bilhões em subsídios. Não há dúvida de que está aberto um mercado muito alto para o etanol. Inclusive para o álcool brasileiro.
Esse fato já provocou sérios reflexos na produção rural do Brasil. Desde o primeiro semestre, consultorias especializadas alertam que, apesar dos preços mais altos das demais commodities, a velocidade de expansão da cana-de-açúcar afeta outras atividades agrícolas. Mesmo com todas as estimativas favoráveis de expansão do PIB agrícola, a safra 2007/2008 deve registrar aumentos de produção apenas na soja e arroz. Isso quando as vendas de tratores de grande potência, acima de 100 cavalos, que recuaram sem parar entre 2003 e 2006, neste ano tiveram alta de 71,9% em relação ao número de unidades vendidas no ano passado.
No final de agosto, frente ao quadro de acelerada expansão do cultivo de cana, a prefeitura de Rio Verde, no interior de São Paulo, sancionou lei para frear a cultura da cana. Muitas cidades da nova fronteira canavieira paulista iniciaram debates semelhantes, com os mesmos argumentos de RioVerde: influenciar a organização agrícola desses municípios preocupados com o monopólio da cultura canavieira. Até mesmo o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, considerou de necessidade premente o desenvolvimento de um zoneamento agrícola para o País.
Curiosamente, no entanto, o comércio internacional de biocombustíveis, especialmente etanol, está estagnado no mundo. O principal motivo são as barreiras que os grandes consumidores mundiais mantêm para o produto. No caso dos EUA, a importação de etanol, apesar de todas as pressões da demanda, não deve superar US$ 5 bilhões neste ano, praticamente o mesmo de 2006. Washington resiste a abrir negociações sobre essas barreiras.
O estudo da ONU mostrou que apenas 12% do etanol produzido no mundo é exportado e, desse total, o Brasil controla 60% dos negócios. Nesse quadro, com os preços agrícolas subindo de forma persistente, de pouco adianta culpar exclusivamente os biocombustíveis por essa escalada. Está na hora de procurar uma solução negociada entre produtores e consumidores. E cabe a Washington iniciar tais conversas, principalmente por sua condição de maior consumidor de energia do planeta.
Gazeta Mercantil