Ameaças como erosão, compactação e perda da matéria orgânica, entre outros, atingem quase um terço das terras do planeta. Amplo estudo envolvendo 600 pesquisadores de 60 países mostrou que mais de 30% dos solos do mundo estão degradados. Coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o trabalho publicou seus resultados no livro ‘Estado da Arte do Recurso Solo no Mundo’ (Status of the world´s soil resources) e se baseou em mais de duas mil publicações científicas no tema.
O Relatório traz uma perspectiva global sobre as condições atuais do solo, seu papel na prestação de serviços ecossistêmicos, como produção de água e sequestro de carbono, bem como sobre as ameaças à sua contribuição para a produção desses serviços. Segundo a pesquisadora da Embrapa Solos Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, membro do comitê editorial e coordenadora da publicação para a América Latina e Caribe, a perspectiva é de que a situação possa piorar se não houver ações concretas que envolvam indivíduos, setor privado, governos e organizações internacionais. “A principal conclusão do livro não é boa. O índice de degradação no mundo é alto e provocado principalmente por erosão, compactação, perda de matéria orgânica e desequilíbrio de nutrientes”, revela a pesquisadora.
“Essas quatro ameaças têm a mesma origem: a exploração cada vez maior da terra por parte do ser humano, geralmente combinada com as mudanças climáticas”, afirma Miguel Taboada, diretor do Departamento de Solos do argentino Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA).
Mais de 10% em perdas agrícolas até 2050
Perdas anuais de culturas causadas por erosão foram estimadas em 0,3% da produção. Se o problema continuar nesse ritmo, uma redução total de mais de 10% poderá acontecer até 2050. A erosão em solo agrícola e de pastagem intensiva varia entre cem a mil vezes a taxa de erosão natural e o custo anual de fertilizantes para substituir os nutrientes perdidos pela erosão chega a US $ 150 bilhões.
Outro problema que ameaça o solo é sua compactação, que pode reduzir em até 60% os rendimentos mundiais das culturas agrícolas. “No mundo, a compactação tem degradado uma área estimada de 680.000 km2 de solo, ou cerca de 4% da área total de terras”, revela Lourdes, que também compôs o grupo de 27 especialistas do Painel Técnico Intergovernamental do Solo (ITPS) da Organização das Nações Unidas. O pisoteio dos rebanhos e a cobertura insuficiente do solo pela vegetação natural ou pelas culturas são responsáveis pela compactação de 280.000 km2 na África e Ásia, uma área maior do que o território da Nova Zelândia.
Os danos causados pela compactação do solo são de longa duração ou mesmo permanentes. Uma compactação que aconteça hoje pode levar à redução da produtividade das culturas até 12 anos mais tarde.
No entanto, o maior obstáculo para melhorar a produção de alimentos e as funções do solo em muitas paisagens degradadas é a falta de nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo, bem como insumos orgânicos. Toda a África, à exceção de três países, retira mais nutrientes do solo a cada ano do que é devolvido por meio do uso de fertilizantes, resíduos da produção, estrume e outras matérias orgânicas.
Em outras áreas, a oferta excessiva de nutrientes contamina o solo e os recursos hídricos e contribui para as emissões de gases de efeito estufa. Em 2010, as emissões de óxido nitroso dos solos agrícolas provocadas pela adição de fertilizantes sintéticos foram equivalentes a 683 milhões de toneladas de CO2.
Microrganismos em risco
“Estimamos que 25% de todas as espécies vivas residam no solo. Um metro quadrado de solo contém bilhões de organismos e milhões de espécies”, revela Lourdes. Fungos e bactérias, por exemplo, decompõem a matéria orgânica do solo, controlam a dinâmica do carbono orgânico e tornam os nutrientes disponíveis para as plantas.
A biodiversidade do solo é ameaçada pela intensificação do uso da terra e pelo uso de fertilizantes químicos, pesticidas e herbicidas. Calcula-se que 56% da biodiversidade do solo da União Europeia está sob algum tipo de ameaça.
Pesquisa e legislação são a solução
O livro não aponta só os problemas. O relatório mostra caminhos sobre como lidar com essas ameaças ao solo, tanto no âmbito de políticas públicas como trazendo recomendações técnicas.
Para interromper a degradação do solo é necessário focar em quatro pilares definidos pela União Europeia: aumento do conhecimento, pesquisa, integração da proteção do solo na legislação existente e um novo instrumento legal (lei). “Um bom exemplo de instrumento legal é o Ato de Conservação do Solo, promulgado em 1935, nos Estados Unidos”, revela o italiano Luca Montanarella, cientista do Centro Conjunto de Pesquisa da União Europeia. “O Ato reverteu a tendência negativa de erosão massiva no Meio-Oeste americano nos últimos 80 anos,” diz.
Especialistas afirmam que os instrumentos legais precisam ser reforçados pelo aumento das atividades de conscientização e educação, assim como é preciso reforçar o investimento em pesquisa e tecnologias de recuperação. Para eles, desenvolver essa estratégia pode reverter a tendência de degradação do solo no mundo e deve ser o objetivo para o manejo sustentável da terra.
“Existe evidência de que a humanidade está perto dos limites globais para fixação total de nitrogênio e os limites regionais para o uso de fósforo”, diz Maria de Lourdes. “Portanto, devemos agir para estabilizar ou reduzir o nitrogênio e uso de fósforo de fertilizantes, aumentando simultaneamente o uso de fertilizantes em regiões com deficiência de nutrientes”. De acordo com a cientista da Embrapa, aumentar a eficiência de nitrogênio e a utilização de fósforo pelas plantas é um requisito fundamental para atingir esse objetivo.
A publicação recomenda oito técnicas para evitar a degradação do solo: minimizar o revolvimento, evitando a colheita mecanizada; aumentar e manter uma camada protetora orgânica na superfície do solo, usando grãos de cobertura e resíduos desses grãos; cultivo de uma grande variedade de espécies de plantas – anuais e perenes − em associações, sequências e rotações que podem incluir árvores, arbustos, pastos e grãos; usar espécies bem adaptadas para resistir aos estresses bióticos e abióticos e com boa qualidade nutricional, plantadas no período apropriado; aumentar a nutrição dos grãos e a função do solo, usando rotação de grãos e uso criterioso de fertilizantes; assegurar o manejo integrado de pestes, doenças e sementes usando práticas apropriadas e pesticidas de baixo risco quando necessário; gerenciamento correto do uso da água e, por último, controlar as máquinas e o tráfego nas propriedades a fim de evitar a compactação. Essas oito práticas combatem com eficiência a erosão, o desequilíbrio de nutrientes, a perda de matéria orgânica e a compactação.
Painéis internacionais
O Painel Técnico Intergovernamental do Solo (ITPS) ainda é um painel pouco conhecido quando comparado a outros como o de mudanças climáticas (IPCC) ou o de desertificação (UNCCD). Os cientistas da área pretendem que o painel sobre o solo tenha uma interação maior com os demais a fim de incluir de forma clara e definitiva o recurso solo nas discussões sobre segurança alimentar, mudanças climáticas, conservação de biodiversidade, etc.
Está programado, para março de 2017, em Roma, um Workshop entre o ITPS e o IPCC a fim de incluir, de forma mais direta, a terra e seus indicadores nas questões de mudanças climáticas, em alinhamento com a última Conferência do Clima, em Paris, na qual ficou evidenciado o papel da agricultura como próximo foco para os países trabalharem a redução de suas emissões.
“O solo é responsável e também afetado pelas mudanças climáticas”, revela Miguel Taboada. “Ele é responsável pelo seu papel nas emissões de gás de efeito estufa, como dióxido de carbono, óxido nitroso e metano. O lado positivo é que o solo pode mitigar as emissões desses gases, armazenando carbono e apoiando as plantações florestais nele feitas”, completa.
A elevação da temperatura leva a níveis maiores de mineralização e à diminuição do carbono orgânico no solo. Por sua vez, uma concentração crescente de gás carbônico atmosférico pode aumentar a fotossíntese das plantas, elevando, consequentemente, o sequestro de carbono. Para completar o ciclo, mudanças climáticas aumentam a ocorrência de tempestades, secas e inundações. “Os solos são afetados por esses eventos extremos, na forma da perda de água, erosão, desabamentos e salinização”, alerta o cientista argentino.
Ações no Brasil
A Embrapa, ao lado do Tribunal de Contas da União (TCU), reuniu em 2012 em Brasília, autoridades brasileiras e mundiais durante três dias de debates sobre solos. Na ocasião foi elaborada a Carta de Brasília, com recomendações aos tomadores de decisão sobre o manejo e conservação da terra.
Outra importante ação estratégica é a implementação do Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), que reúne um grupo de especialistas a fim de criar instrumentos para a governança dos solos no Brasil. O Programa é capitaneado pela Embrapa Solos atendendo a uma resolução do TCU e envolve dez centros de pesquisa da Embrapa, quatro universidades, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
De acordo com Maria de Lourdes Mendonça, o Pronasolos será um marco da retomada do País no conhecimento mais detalhado de seus solos. O Programa também possibilitará a construção e a gestão de uma infraestrutura de dados de solos unificada, a formação e o resgate de competências em pedologia, o fortalecimento das instituições envolvidas e uma estratégia eficiente de transferência de tecnologias. A Embrapa Solos procura parceiros privados para implantar o programa.
O documento elaborado pelos membros do projeto prevê a inclusão do Pronasolos no Plano Plurianual do Mapa, com recursos diretos por meio de uma Fundação e contratação, pela Embrapa, de equipe mínima permanente de pedólogos. O programa ainda será incluído na nova Lei de Conservação de Solos e Água.
Embrapa
1 comentário
É lamentável isso, com tudo há técnicas para mitigar tais efeitos tanto com intervenção mecânica quanto mudança de técnicas de cultivo/manejo do solo. Difícil não é mitigar o processo erosivo propriamente dito, mas sim promover a mudança de conceitos que não mais combinam com a atualidade.