Mercado vê nova queda para agronegócio

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Pilar da balança comercial brasileira, as exportações do agronegócio podem cair em 2020 pelo segundo ano seguido. O menor ritmo de crescimento da economia global, especialmente da China, principal parceiro comercial do Brasil e epicentro da epidemia de coronavírus, e os efeitos da primeira fase do acordo comercial fechado entre o país asiático e os Estados Unidos podem tirar US$ 5,1 bilhões das vendas externas do campo este ano.

O cálculo é da consultoria MacroSector, que projeta exportação do agronegócio de US$ 76 bilhões em 2020, a menor cifra em quatro anos. Nos cálculos, foi considerada a perspectiva de redução de volumes e de preços dos produtos. No ano passado, por causa da quebra na safra de soja e mesmo tendo batido recorde na venda de carne bovina, o agronegócio exportou US$ 4,2 bilhões a menos do que em 2018, segundo a consultoria.

“O que gera desconforto este ano não é a receita que deve ser perdida em si, mas o fato de a exportação do agronegócio sofrer quedas seguidas”, afirma o economista Fabio Silveira, sócio da consultoria e responsável pela projeção. Se a sua previsão se confirmar, em dois anos (2019 e 2020) a venda externa do setor poderá recuar US$ 9,3 bilhões.

Também o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, espera que o agronegócio exporte menos este ano, por causa da conjuntura internacional incerta. Ele pondera, no entanto, que ainda é cedo para calcular o tamanho do prejuízo.

O pessimismo para este ano com as vendas externas do agronegócio – setor que responde por cerca de 40% das exportações do País – foi desencadeado por vários episódios que envolveram a China nos últimos meses e um cenário de menor crescimento da economia global. O país asiático é o principal cliente das exportações brasileiras e, sobretudo, da soja. Isoladamente, o grão é o produto mais importante da pauta da exportação.

No ano passado, por exemplo, as vendas externas de soja em grão renderam ao Brasil US$ 26,338 bilhões, à frente do petróleo (US$ 23,733 bilhões) e do minério de ferro (US$22,187 bilhões). A China absorveu quase 30% de todas as exportações brasileiras em 2019 e cerca de 80% da soja nacional. “Estamos pendurados na China e na soja”, resume Silveira.

Acordo

Essa forte dependência da China pode afetar o Brasil, conforme o desenrolar da disputa comercial entre EUA e o país asiático. No mês passado, os dois países fecharam a primeira etapa de um acordo comercial no qual a China se comprometeu a comprar dos EUA, este ano, US$ 13,5 bilhões de produtos do agronegócio, além do valor adquirido em 2017.

“Se esse acordo for, de fato, implementado, o Brasil vai vender menos soja para a China este ano, porque ela terá de comprar o grão dos EUA, que concorrem diretamente com o Brasil na produção de soja”, diz Castro.

Outro fator que deve afetar a exportação do agronegócio em 2020, segundo economistas, é a epidemia do coronavírus. Desde que o surto da doença veio a público pelo governo chinês em meados de janeiro, os preços das commodities recuaram nas bolsas internacionais, sinalizando que o risco de desaceleração global da atividade, já esperado, poderá ser maior.

“Os impactos do vírus são negativos para os preços de commodities agrícolas e portanto, tendem a pressionar para baixo as receitas de exportação desses produtos no curto prazo”, afirma Felipe Novaes, economista da Tendências Consultoria Integrada. As cotações das commodities são muitos sensíveis a mudanças de rota da economia. E elas representam 65% das exportações brasileiras.

Outro foco de recuo das vendas externas do agronegócio neste ano pode vir das carnes. Para o analista de carnes da consultoria Safras & Mercado, Fernando Iglésias, o excelente desempenho das exportações de bovinos para a China em 2019 não deve se repetir neste ano. Entre carne bovina, suína e aves, as vendas somaram US$ 15,86 bilhões em 2019, recorde histórico. “É muito difícil repetir esse resultado em termos de valor.”

Vendas paradas e preços em queda

Desde 2006, quando passou a destinar a maior parte de suas terras em Capão Bonito, sudoeste do Estado de São Paulo, à produção de soja, poucas vezes o produtor Emílio Kenji Okamura exibiu semblante tão preocupado como nos últimos dias. Praticamente toda a soja que produz em 2,6 mil hectares vai para a China, país que está às voltas com um surto devastador do novo coronavírus – a doença já produziu centenas de mortes e ameaça se transformar em pandemia mundial. “A China hoje está fora do mercado e as vendas estão paradas, mas não temos plano B. É esperar para ver até onde isso vai chegar”, disse.

O problema ganha dimensão maior porque Okamura preside a Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, que reúne 89 produtores da região e comercializa a produção de 23 mil hectares de soja – cerca de 1,6 milhão de sacas por safra, considerando a média da região, de 70 sacas por hectare. Com o coronavírus ativo, ele e os demais estão com a pulga atrás da orelha. “Já observamos uma queda no preço pago ao produtor. Há dez dias, estávamos vendendo a R$ 82,40 aqui na cooperativa, livre de frete e Funrural (imposto). Hoje (quinta-feira), está na casa dos R$ 80, mas não sabemos se fica nesse patamar, justamente porque não estamos conseguindo embarcar para a China.”

O responsável pelo setor comercial, Fernando Nascimento, explica que há duas semanas, só acontecem os embarques da soja que já foi vendida previamente. Novas compras não estão acontecendo, com isso o prêmio pago ao produtor pela pontualidade no embarque deixou de ser computado. “O custo portuário é muito alto, chegando a R$ 100 mil por dia de navio atracado, por isso as tradings pagam um pouco mais para a carga expedida rapidamente. Sem embarque, não há prêmio”, disse.

Após o coronavírus, a cooperativa montou uma espécie de “sala de situação”, onde dirigentes e cooperados se reúnem de manhã para avaliar o mercado. “Buscamos informações em tempo real e o Estadão é uma das nossas referências”, disse Okamura. Além do vírus, os produtores se preocupam com os efeitos do acordo entre China e Estados Unidos, que pode levar os chineses a comprar mais grãos dos americanos, em detrimento do produtor brasileiro. “Analisando as informações, o que a gente percebe é que o bloqueio do Trump (presidente americano Donald Trump) à entrada de chineses no país devido ao coronavírus pode minar esse acordo. Se isso acontecer, a compra volta toda para o Brasil”, avaliou.

Ele acredita que a produção maior da safra brasileira, com crescimento previsto de até 6%, não trará reflexo nos preços. “No ano passado, as exportações de soja para a China foram recordes e os estoques no Brasil estão baixos.” Apesar de preocupado, o experiente produtor mantém o otimismo. “Quando houve a gripe asiática, os chineses mataram 200 milhões de suínos e foi prevista uma redução na demanda por soja, mas isso não aconteceu. Agora, as compras pararam em função do coronavírus, mas quando os chineses voltarem a comprar, o cenário muda completamente.”

Parada técnica

De ascendência japonesa e conhecedor da cultura oriental, Okamura acredita que, em razão da epidemia na China, houve uma espécie de ‘parada técnica’ no país para que fossem organizadas as linhas de defesa da população contra a doença. “A China é um país imenso, não pode e não vai parar. Assim que a indústria e a produção de carnes forem retomadas, e isso deve acontecer muito rápido, eles voltam a comprar com força total. Vejo que outros produtores estão preocupados, mas digo a eles que não se preocupem. O cenário de incerteza deve durar pouco, creio que em 15 dias essas nuvens escuras se dissipam.”

Ele lembra que, no preço atual, o produtor de soja da região tem boa margem de lucro. “Nosso custo de produção, entre R$ 3,2 mil e R$ 3,5 mil por hectare, equivale a 40 sacas de soja. Estamos numa região muito boa para o grão e com a produtividade bem acima da média brasileira, que é de 55 sacas por hectare. É claro que o agricultor precisa renovar a frota e uma colheitadeira custa R$ 1,5 milhão, mas ninguém vai parar com a soja.” Em 14 anos plantando o grão, o produtor não se recorda de ter tomado prejuízo. “É um mercado estável que nunca ficou negativo e teve picos para cima. Em 2012, chegamos a vender a um preço equivalente hoje a R$ 140 a saca.”

Barulho

O agricultor Edson Nishi, com 1.100 hectares de soja cultivados entre Capão Bonito e Ribeirão Grande, acredita que o abalo causado pelo coronavírus é momentâneo. “Faz-se muito barulho, depois começa a esfriar. A gente ouve comentário de que há um pouco de especulação em tudo isso. A China precisa importar grandes volumes de soja e os chineses ganham se o preço cair. Acredito que é uma situação de momento.” Com boa parte da produção irrigada, Nishi tem a expectativa de colher em média 100 sacas por hectare. Algumas áreas da fazenda só serão colhidas no final de março. “Até lá, espero que o mercado tenha se normalizado.”

O produtor Valdir Fries, de Itambé, no Paraná, vai iniciar a colheita de 220 hectares de soja nos próximos dias vendo o preço cair de R$ 80 para R$ 75,50 a saca na região após o coronavírus. “Com as notícias vindas da China, o mercado tira proveito. Vou colher e esperar que haja uma valorização mais à frente”, disse. Ele lembra que, na quarta-feira (5), o grão apresentou leve alta na bolsa de Chicago, sinalizando que o efeito de coronavírus nesse mercado começa a ser superado. “A China depende da nossa soja, mais do que do grão americano. O que importa é produzir bem e administrar o estoque até chegar a hora boa para vender.”

O agricultor disse que a prioridade no momento deve ser a saúde das pessoas que estão sendo afetadas pelo coronavírus. “Tenho fé de que esse vírus, que tem ceifado muitas vidas, logo será controlado e tudo voltará ao normal. Nossa esperança é de que os preços da soja melhorem a partir de maio, até porque acredito que os Estados Unidos não terão toda a soja necessária para abastecer a China. O momento é de cautela para esperar o melhor negócio. Vamos continuar firmes, produzindo soja no verão e milho na segunda safra. Essa é a nossa vocação.”

O Estado de S. Paulo

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