Matéria publicada na Revista Campo Vivo – Edição 42 – Junho/Julho/Agosto 2019
Metodologia da Conab, considerada fora da realidade da produção capixaba, é questionada por instituições. Ministério da Agricultura considera rever
Com a intenção de que haja uma revisão no preço mínimo do café, o Ministério da Agricultura anunciou há cerca de um mês, que a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, vai rever a metodologia dos custos de produção do grão, em conjunto com entidades do setor. Nos últimos 13 anos, o preço do café na Bolsa de Nova York trabalha em seus piores valores. Em março, o governo reajustou os preços mínimos do café para a safra 2019/2020. O valor do café arábica passou de R$ 341,21 por saca para R$ 362,53, alta de 6,25%. Já o café conilon saiu de R$ 202,19 para R$ 210,13, elevação de 3,93%.
Diante desse cenário de baixas cotações, fontes do setor do café do Espírito Santo estão avaliando os dados divulgados pela Companhia. De acordo com o analista do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Espírito Santo (Senar/ES), Murilo Pedroni, a Conab precisa esclarecer a metodologia desse cálculo, pois outras instituições do setor produtivo discordam radicalmente desse preço e isso influencia no mercado, já que muitos compradores usam esses dados para abaixar o preço e pagar um valor menor pela saca de café ao produtor de conilon.
O analista ressalta, ainda, que os dados do Centro de Desenvolvimento do Agronegócio (Cedagro), que sempre foram muito bem utilizados, calculados, demonstram que a realidade no campo é bem diferente do preço colocado pela Conab. “E o produtor precisa entender que a formulação do preço de mercado do café é extremamente complexo, principalmente praqueles que produzem commodities. Uma solução que acredito para eles não ficarem refém do mercado neste momento, é terem conhecimento afundo do seu custo de produção, por exemplo. Não adianta nada a saca do café valer RS 350, R$ 400, se o custo de produção também estiver nessa faixa. Então o produtor precisa saber do seu custo de produção para aí sim produzir um café com a sua margem de lucro, podendo controlar seus gastos e a sua produtividade”, diz Murilo Pedroni.
O presidente executivo do Cedagro, Gilmar Dadalto, também avaliou sobre a metodologia utilizada pelo Cedagro, reforçando que no site do Centro existem 69 planilhas de 40 atividades agrícolas. Algumas culturas, exemplo do café, tem mais de um nível de produtividade. “O café arábica, entra nessa relação, já que são quatro níveis de produtividade. Já o café conilon, são oito níveis, três do café não irrigado e cinco de café irrigado”, explica.
Dadalto destacou que esse levantamento técnico é feito por especialistas em todas as áreas, como cafeicultura, fruticultura, oleicultura, pecuária, floresta, entre outras pessoas que são conhecedores da área e possuem conhecimento de campo. Além dos técnicos, tem ainda as consultas nas empresas que trabalham com diferentes atividades agrícolas, além das pesquisas feitas com o Incaper a nível estadual, onde são feitas análises de tecnologias. “No site do Cedagro, consta os coeficientes técnicos e preços dos ínsumos e serviços. E é através de todo esse levantamento das informações, que chegamos aos resultados finais dos custos de produção”, pontua.
Assim como Murilo Pedroni, do Senar, destacou, Gilmar Dadalto, do Cedagro, também ressaltou a importância do produtor ter conhecimento do seu custo anual de produção. “Os produtores tem os custos de manutenção anual de cada cultura e ainda os custos de formação que corresponde aquele período inicial em que a cultura ainda não está produzindo. Isso, no caso de culturas permanentes como café, coco, cacau, entre outras”,diz.
Ainda segundo o executivo do Cedagro, os custos de manutenção anual para produzir uma saca de café conilon pilada ficam na média de R$ 266 (custo anual). “Porém, se consideramos esse custo com o de formação, isso dá um valor por saca de R$ 287/ano em média para produzir uma saca. Então se o produtor tem um preço de venda menor, ele toma prejuízo”, destaca.
Já o engenheiro agrônomo do Incaper e ex-secretário de Estado da Agricultura, Enio Bergoli, foi além do assunto e pontuou uma série de fatores que o setor rural do Espírito Santo ainda vivencia por conta dos reflexos negativos da maior crise hídrica de sua história, entre fins de 2014 até início de 2017. “Neste momento em que a produção agrícola se aproxima dos níveis obtidos antes da seca, os preços baixos para a maioria das principais atividades agrícolas agravam mais a situação deplorável de grande parte das famílias rurais capixabas. Na cafeicultura, atividade mais importante do interior e a maior empregada dentre todos os setores da economia capixaba, os preços de mercado estão muito aquém dos custos variáveis de produção”, destaca.
Bergoli aponta. ainda, as dificuldades do produtor em relação ao crédito rural, importante instrumento de política agrícola de apoio aos agricultores, principalmente em períodos de crise. “Quase um bilhão de reais por ano deixaram de ser aplicados em crédito rural no Estado, de 2015 a 2018, em relação aos níveis de aplicação de 2014. Caímos de 69 mil contratos de crédito em 2014 para menos de 29 mil, no ano passado, fato que demonstra que essa política pública não estava disponível no momento em que o setor agropecuário mais necessitava. Além disso, é elevado o endividamento e a inadimplência dos produtores rurais. Portanto, tivemos em terras capixabas uma somatória simultânea de fatores que reduziram a renda e o dinamismo no campo: seca, preços baixos e indisponibilidade de crédito compatível com as necessidades do campo”, avalia.
Ainda para Enio, mesmo que algumas pautas e pleitos nacionais para o enfrentamento dessa crise já foram direcionadas ao Governo Federal, há a necessidade de se evoluir também em alguns pleitos mais específicos à realidade do Espírito Santo, como as demandas comuns da Federação da Agricultura do Estado do Espírito Santo (Faes), do Senar, OCB-ES e suas cooperativas de café associadas.
Em entrevista exclusiva nesta edição da Revista Campo Vivo, a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi questionada sobre a política de preço mínimo da Conab baseada nos custos de produção do café conilon e disse que o assunto está sendo revisto no Ministério. Segundo a Ministra, “depois de reuniões com a área econômica do governo, que se mostrou sensível ao problema, e de entendimentos com participação da bancada do estado do Espírito Santo, o caminho encontrado foi definirmos um preço de referência para a realização de leilões de Prêmio para Escoamento de Produto (PEP) e Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro). Mas, para isso, é preciso aprovar a proposta de projeto de lei que já está no Congresso, encabeçada pela Frente Parlamentar do Café”.
Tereza Cristina destacou, ainda, que não é fácil fazer alterações assim, considerando que já existe um preço vigente. Porém, nem tudo está perdido e ainda há possibilidades de mudanças. “Há regras, leis sobre isso, mas nós achamos que é procedente o pedido, é justo e nós estamos tentando mudar um pouco a situação que a cafeicultura brasileira vem vivendo, não só no Espírito Santo, mas no Brasil todo. Nós vivemos num mercado globalizado e quando a gente tem excesso de produção acontece isso, baixa o preço. Nós temos um problema a corrigir e vamos chegar a uma solução para os produtores brasileiros, para que todos possam continuar morando no campo, pois é isso que a gente quer”, afirma a ministra.
O Cedagro informou que a construção dos custos de produção de café é realizada por meio de painel, com a participação de produtores, revendas, cooperativas e outras entidades que compõem a cadeia produtiva, que em consenso caracterizam a propriedade agrícola modal da região e indicam os coeficientes técnicos relacionados com os insumos, máquinas, implementos, serviços e os preços que compõem o pacote tecnológico dessa unidade. Já a metodologia da Conab prevê atualização desses coeficientes técnicos regularmente, conforme necessidade ou interesse do Governo. Os preços dos serviços e insumos são atualizados periodicamente. Os custos do café utilizados como parâmetro para a elaboração do preço mínimo estão disponíveis no site da Companhia: https://www.conab.gov.br/info-agro/custos-de-producao/planilhas-de-custo-de-producao
Redação Campo Vivo