ARTIGO – “Novo mundo rural”, por Xico Graziano

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O Brasil hoje é reconhecido, em tamanho e em tecnologia, como um gigante global da agropecuária. De passado oligárquico, em poucas décadas revolucionou seu modo de produção, garantindo o abastecimento interno e exportando milhões de toneladas em alimentos. Celeiro do mundo. Gera superávit que paga as importações industriais. Motor da economia.

Missões estrangeiras desembarcam continuadamente para vir conhecer nosso modelo de agricultura tropical: plantio direto na palha, duas, e até três, safras na mesma área, integração lavoura com pecuária, e silvicultura, fruticultura de ponta, genética animal. Produtividade com qualidade. Embora admirada, e até temida, pelos concorrentes externos, muita gente, aqui dentro, enxerga a agropecuária nacional como se o campo ainda fosse dominado pelos latifundiários. Visão caolha.

Essa surpreendente, e reiterada, dissintonia entre a realidade e sua interpretação motivou-me, junto com Zander Navarro, a publicar o livro “Novo Mundo Rural” (Editora UNESP). Nele defendemos a necessidade de se adotar novas perspectivas, outros conceitos e teorias, para a correta compreensão da dinâmica de nossa agropecuária. É preciso modernizar as ideias agrárias no Brasil.

A nova situação produtiva que passou a dominar o campo se assenta em três marcos fundamentais: a) a montagem do sistema nacional de crédito rural, entre 1960 e 1970; b) a criação da Embrapa, em 1973; c) a estabilização da economia nacional com o Plano Real. Desde então se aceleraram as mudanças no modelo agrário. De essencialmente rural, até há pouco tempo, o Brasil se transformou em uma nação urbanizada. Sua agricultura, antes primitiva, na base da enxada, se tornou altamente produtiva. Surgiu o competitivo agronegócio.

Embora tão marcantes sejam as modificações tecnológicas e socioeconômicas, alguns observadores da agricultura brasileira – pesquisadores, agentes sociais ou políticos – continuam tratando a agricultura como se permanecessem adormecidos no tempo. Qual a razão dessa postura? Resposta: a força do paradigma gerado pelo socialismo tupiniquim. Pura ideologia.

Nos idos de 1970, os estudiosos agrários (Zander e eu, inclusive) acreditavamos que sem profundas “transformações estruturais” – o que necessariamente passava pela reforma agrária – o Brasil não conseguiria romper a barreira da pobreza e do subdesenvolvimento, nem promover a justiça social. Estávamos equivocados. A modernização capitalista do campo, puxada pela globalização e ancorada nas novas tecnologias, superou o dilema histórico. Mesmo antes da “queda do muro” já se podia perceber esse movimento transformador que modificaria totalmente a equação do desenvolvimento rural, jogando poeira nas velhas teorias marxistas. Bastava desvendar os olhos para divisar um novo mundo rural se materializando.

Muitos acusam de “conservador” esse processo de transformações. É verdade, no sentido de que ele não alterou a estrutura concentrada da propriedade da terra. Por outro lado, pode-se afirmar que foi extremamente progressista, por ter provocado uma mudança impressionante, em termos econômicos e tecnológicos, elevando fortemente a produtividade no campo. Romperam-se, no geral, as barreiras do atraso caipira.

Existem, claro, setores marginalizados do processo. Sempre é assim. Uns progridem mais, outros ficam para trás, os terceiros esperam sua chance. De qualquer forma, o tempo não recua. A nova realidade se impõe àqueles que pretendem interpretar o campo brasileiro. Independente de julgamentos de valor, ou mesmo de avaliações éticas, quem permanecer apegado aos raciocínios antigos – marxistas ou não – mais embaralha que compreende o nosso desenvolvimento agrário e seus desafios futuros.

O problema não é principalmente teórico, e sim empírico. Dificilmente alguém muda de ideia, ou abandona uma teoria científica facilmente, a não ser que se defronte com argumentos ou fatos incisivos. Ora, eles estão à solta. Basta “sair do escritório”, ou da “academia”, e trocar as lentes ideológicas para perceber o novo mundo rural se afirmando.

Mas há quem teime na posição fixada. Pior ainda. Para a incredulidade geral, e sem corar, alguns defendem até mesmo uma “recampesinização” no agro, uma espécie de volta ao passado. Propõem algo como trocar o trator pela enxada, os fertilizantes pelo estrume da vaca, os agroquímicos pelas cinzas da madeira, uma regressão dourada animada pelo discurso em defesa do agricultor familiar. Essa utopia regressiva possivelmente seria viável naquela época quando Elis Regina cantarolava “… eu quero uma casa no campo”. Mas hoje, num mundo em que a população mundial já ultrapassou sete bilhões de habitantes, é impossível de ser concretizada. Chega a ser bizarro.

Marcel Proust escreveu no Em busca do tempo perdido que “a viagem da descoberta consiste não em achar novas paisagens, mas em ver com novos olhos”. No novo mundo rural brasileiro, a paisagem também muito se modificou, especialmente no Centro-Oeste. Mas o olhar de muitos sobre a economia agrária ainda continua apegado às memórias do passado. Não temos mais tempo a perder.

O futuro dos milhões de pequenos agricultores passa pelo apoio governamental aliado ao desenvolvimento tecnológico e à sua integração aos mercados de consumo. Quer dizer, um olhar adiante, não para trás. E é preciso pressa. Os processos de exclusão social dos pequenos agricultores se aceleram simultaneamente à consolidação da agricultura de larga escala.

Pregar o anti-capitalismo agrada ao ego ideológico, mas pouco os ajuda. Para que os pequenos no campo vençam, ao contrário, precisamos capitalizá-los.

 

 

Xico Graziano

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