Na zona rural de Alfredo Chaves uma pequena escola não recebe mais estudantes, mas ainda é palco de muitas lições. Um grupo de produtoras rurais da comunidade de Recreio resolveu se organizar e reativou o espaço, que hoje abriga a sede da Hora do Recreio. A pequena agroindústria reúne mulheres que trabalham diretamente na produção e na comercialização de biscoitos.
O nome, em homenagem à comunidade, ficou bastante sugestivo, já que o grupo ocupa justamente o espaço físico da antiga escola e fornece produtos para a merenda escolar por meio das políticas públicas de comercialização, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A articulação destas mulheres começou graças à iniciativa de Cecilia Tomazini Bergami, a Cila, coordenadora do grupo. “Nós já éramos amigas, a gente sempre se reunia para fazer as coisas pra festa da igreja. E numa das festas da padroeira, Nossa Senhora de Lourdes, começamos a conversar sobre o que a gente poderia fazer pra reunir as mulheres, para produzir e ganhar dinheiro sem sair da roça. Chamei todo mundo lá pra casa, e a gente começou a conversar”, lembrou Cila.
O grupo começou com os equipamentos que cada mulher tinha em casa. “A gente trazia batedeira, forno, bacia, panela, forminhas… as forminhas de brevidade tinham formatos diferentes, e não saía uma brevidade igual à outra”, lembrou Cila, que faz questão de colocar a primeira batedeira que o grupo utilizou na fábrica bem ao lado do equipamento industrial.
Pouco tempo depois de começarem o empreendimento, as mulheres da Hora do Recreio buscaram assistência do Incaper. E foram muitos os desafios superados com o auxílio do Escritório Local de Desenvolvimento Rural (ELDR). “A gente fazia as coisas pra vender na feira. E pra vender na feira livre, tem que ter variedade, tem que atender ao freguês. Então a gente fazia muita coisa parecida. Bolo de fubá puro, bolo de fubá com canela, bolo de fubá com erva doce, bolo de fubá com cobertura de açúcar…” lembrou a professora Margaret. “Tinha dia que a gente fazia 40 bolos. Isso sem falar nas outras coisas, como cocada, docinho, licor…”, acrescentou Cila.
“Com tanta variedade ficava difícil calcular o custo e o retorno. Era preciso foco na produção”, orientou Ana Penteado, economista doméstico do Incaper que acompanha as mulheres desde o início, quando o grupo era formado por 17 integrantes. Para melhorar a gestão do negócio, o Incaper incentivou as mulheres a participarem do curso “Com licença, vou à luta”. Elas aprenderam a fazer fluxo de caixa, calcular custos de produção e preço para venda e vários outros conteúdos relacionados à administração da agroindústria. Hoje, elas conseguem pagar as despesas e ainda sobra um pouquinho para cada uma. “A gente começou com trabalho voluntário, sem ganhar nada. Muitas mulheres desistiram porque se dedicavam e não tinham retorno financeiro”, lembrou a professora aposentada Margaret.
Atualmente, as mulheres do grupo Hora do Receio produzem biscoitos variados, como de polvilho, amido de milho, casadinho, brevidade, de nata, fubá com coco, entre outros. Alguns ingredientes, como a farinha de trigo, são comprados de fora porque não são cultivados no Espírito Santo. Outros são adquiridos com fornecedores de municípios capixabas, como os ovos usados nas receitas, que elas compram em Santa Maria de Jetibá. E alguns ingredientes são produzidos na casa delas, como leite, limão, maracujá e coco. “Até a lenha a gente traz de casa. Cada dia uma leva. Ah! Esse é o nosso diferencial! Nossos biscoitos são assados em forno a lenha e isso faz toda a diferença no sabor!”, pontuou Cila. A produção atualmente gira entre 1.600kg e 2.000kg por mês, varia de acordo com a demanda.
As receitas preparadas pelo grupo também ganharam um tempero extra: o Incaper mobilizou as mulheres para que participassem do curso de pães e biscoitos, realizado em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). A elaboração do rótulo, com informações nutricionais a respeito dos produtos que levam a marca Hora do Recreio, também contou com a fundamental contribuição do Incaper. “Estamos felizes porque o nosso novo rótulo já vai para a gráfica com todos os ajustes sugeridos pelo Incaper”, comemorou Cila.
Todo esse trabalho melhorou, inclusive, a autoestima das mulheres de Recreio. “Antes a gente dependia do dinheiro dos maridos. Hoje, compra uma roupa melhor, compra batom, perfume… Eles ficaram um pouquinho enciumados porque estavam acostumados a ter a gente sempre em casa. Mas incentivam bastante a gente. É uma terapia, uma dá força pra outra”, concluiu Cila.
Texto publicado no Balanço Social do Incaper 2015