A falta de organização do governo facilitou o embargo das exportações brasileiras de carne para a União Européia (UE). Até o início da reunião dos representantes do Ministério da Agricultura com as autoridades da UE, na última segunda-feira, a lista das fazendas consideradas auditadas pelo governo ainda não estava definida.
Segundo fontes do setor, a maioria foi incluída na última hora, e o governo teria cedido a pressões das secretarias estaduais de Minas Gerais e Goiás, que tiveram um número significativamente maior de propriedades incluídas. As indicações, que chegavam por fax durante a reunião com autoridades européias, totalizaram 3 mil propriedades, número que foi reduzido para 2,7 mil na relação oficial. O número final superou em muito as 300 autorizações estabelecidas pela UE.
Fontes do Ministério da Agricultura dizem que dois fatores levaram à discrepância dos números. Primeiramente, os técnicos da UE teriam subestimado a capacidade da Defesa Sanitária brasileira de auditar as propriedades aptas à exportação e, por isso, duvidavam que mais de 300 pecuaristas tivessem capacidade de se enquadrar às rígidas regras impostas. Diante disso, o fato de o governo brasileiro apresentar um número quase dez vezes maior de fazendas provocou desconfiança e a suspensão das importações.
Outro fator, claramente comercial, foi explicado pelo próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em várias entrevistas. Liderados pelos irlandeses, os produtores europeus temem perder as vendas dentro da UE, por terem custos de produção três vezes maiores que os brasileiros.
Na quarta-feira da semana passada, o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Inácio Kroetz, esteve na Sociedade Rural Brasileira (SRB) e adiantou aos associados que a lista não estava completa. “O secretário disse que não sabia quantas fazendas seriam relacionadas”, diz o presidente da SRB, Cesário Ramalho.
A confusão em relação ao número restrito de fazendas que receberiam autorização para exportar à UE começou quando um funcionário do governo brasileiro teria dito, durante uma das reuniões com os europeus, que o País só conseguiria auditar 300 propriedades. “A UE alega que esse número foi dado por um brasileiro numa das reuniões, mas não cita nomes”, conta uma fonte próxima das negociações.
A informação que teria sido dada pelo funcionário do governo brasileiro serviu de base para a carta em que a UE informou ao País que as 10 mil fazendas inscritas no Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) não atendiam às exigências do mercado europeu. Na mesma carta, enviada em dezembro, definiu-se que o País só conseguiria auditar 3% das fazendas inscritas, o que seriam as 300 propriedades.
O governo correu atrás do prejuízo. A administração do Sisbov, que estava a cargo da desaparelhada Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo, foi transferida para a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, que tem cerca de 900 técnicos e ainda conta com o apoio das equipes das secretarias estaduais.
“É um absurdo que o embargo esteja acontecendo”, afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Isso deve ser fruto de um lobby muito poderoso, especialmente da Irlanda, que quer aniquilar as exportações brasileiras.”
Segundo o secretário de Agricultura de São Paulo, João Sampaio, ao estabelecer que só importará carne de 300 fazendas, a UE quer criar uma cota. “Isso fere os princípios da Organização Mundial de Comércio.”
O Estado de São Paulo