A União Européia interrompe amanhã a importação de carne bovina brasileira por problemas técnicos e de fiscalização. Não há embargo formal, o que abre caminho para a negociação diplomática. Ontem houve apenas troca de críticas.
Nota do Ministério da Agricultura classifica de “arbitrária, desnecessária, desproporcional e injustificada” a decisão da UE. O ministério não admite falhas, embora tenha mudado procedimentos sem informar os europeus com antecedência.
A missão brasileira na Comissão Européia, em Bruxelas, foi informada da suspensão na noite de terça-feira e alertou Brasília imediatamente, segundo apurou a Folha.
Os titulares das Pastas, Celso Amorim e Reinhold Stephanes, participavam da reunião da Camex (Câmara de Comércio Exterior). Ambos concederam entrevistas ao final da reunião e não mencionaram o caso.
Antes da decisão européia, o governo brasileiro apostava em convencer o bloco politicamente e não acreditava em suspensão das vendas, por achar que os europeus não abririam mão do produto nacional.
Os 27 países do bloco europeu representam o principal destino da carne brasileira -no ano passado a receita representou 31,6% da carne nacional exportada, cerca de US$ 1,4 bilhão.
O preço médio da carne bovina in natura exportada pelo Brasil para a União Européia em 2007 chegou a US$ 4.284 a tonelada. Para a Rússia, principal comprador em volume, ficou em US$ 1.662. Para o Oriente Médio, apontado como alternativa aos europeus, bateu em US$ 1.855.
Problema técnico
Tecnicamente, a carne bovina brasileira deixará de entrar na União Européia porque nenhuma fazenda nacional estará cadastrada no sistema europeu. Na prática, isso representará um embargo, mas a questão é política.
No ano passado, uma delegação de técnicos europeus visitou fazendas brasileiras e identificou uma série de problemas de rastreabilidade. Não houve problemas de sanidade, como suspeita de doenças.
No papel, a rastreabilidade é administrada pelo Sisbov (Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos). Grosso modo, significa dizer onde o boi nasceu, o que comeu, por onde andou e como morreu.
A exigência é comum no mercado mundial, mas no Brasil sofre resistência dos pecuaristas e frigoríficos, segundo o governo federal.
Diante das falhas identificadas pelos europeus, o governo brasileiro comprometeu-se, então, a inspecionar as propriedades individualmente e elaborar uma lista com as fazendas em conformidade com as regras da UE.
Os europeus avaliaram, em novembro, que o Ministério da Agricultura só teria capacidade de inspecionar cerca de 300 fazendas. A partir dali, o ministro Reinhold Stephanes tomou duas decisões sem explicar o significado delas para a Comissão Européia: mudou o Sisbov de secretaria -Desenvolvimento Agropecuário para a Defesa Agropecuária- e firmou convênios estaduais para ampliar a fiscalização.
As medidas elevaram em dez vezes o número de veterinários e resultaram na inspeção de 2.681 fazendas. O total de fazendas atende lobby do setor.
Sem explicações convincentes e esperando um número bastante inferior, a Comissão Européia resolveu não cadastrar nenhuma destas propriedades em seu sistema, até receber novos esclarecimentos.
“Tínhamos considerado cerca de 300 propriedades sendo autorizadas a exportar para a UE, com base em inspeções prévias e informações dos brasileiros”, disse o comissário europeu para a Saúde, Markos Kyprianou à agência Reuters.
Estas explicações serão fornecidas até o dia 15 de fevereiro, quando o governo brasileiro encaminhará os relatórios individuais de cada uma das fazendas. Depois, no dia 25, uma equipe européia fará vistorias aleatórias nas propriedades.
Segundo a Folha apurou, os europeus foram informados das mudanças na fiscalização na segunda-feira, ao mesmo tempo em que receberam a lista com as propriedades.
Folha de São Paulo