Produtores brasileiros investem em café gourmet para escapar de oscilações na economia

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Assim que o sol nasce na Serra de Caparaó, no Espírito Santo, Tarcisio Lacerda leva a reportagem da BBC para um tour em sua propriedade. No passeio em sua picape, por meio das colinas, é possível avistar os trabalhadores colhendo grãos de café nas plantações que tomam o vasto vale ao redor.O café tem sido a espinha dorsal econômica dessa região há mais de um século.

Por décadas, a família de Lacerda conheceu a riqueza e a pobreza, uma vez que sua renda sempre oscilou em torno do café. Secas, medidas do governo, consumo global e questões cambiais, entre outros fatores, foram bênçãos e maldições que determinavam seu destino.

Mas, nos últimos cinco anos, os fazendeiros dessa região brasileira estão encontrando novas maneiras para comandar seu próprio destino em um cenário global em que, após um período de boom no preço das commodities, economias como a brasileira têm dificuldades para se ajustar à queda na demanda e aos preços menores.

Tarcisio Lacerda levou a BBC até o topo de uma colina e mostrou o segredo deles.

Especial

O vale está cheio de plantas de café – mas nem todas necessariamente produzem um bom café. No passado, os fazendeiros costumavam coletar todos os grãos, colocá-los em sacas e embarcá-los em navios rumo ao exterior, aceitando qualquer preço que estivesse listado no mercado de commodities.

Agora, porém, Tarcisio Lacerda e sua família estão separando os melhores grãos – a maioria deles cultivados 1,5 mil metros acima do nível do mar – e produzindo suas próprias marcas especiais com eles. O restante é vendido ao mercado ainda na forma de grãos verdes, ou seja, baratos e não processados.

“Normalmente nós dobramos o preço ao migrar da commodity para a especialidade. Uma saca de café comum vale agora R$ 450, mas nós podemos vender o café especial por cerca de R$ 900 ou R$ 1 mil”, conta.

A fazenda vizinha à de Tarcisio, a Forquilha do Rio, venceu alguns dos principais prêmios brasileiros dedicados ao café. A qualidade de seu produto se deve às favoráveis condições locais – temperaturas amenas, boa exposição ao sol e altitude elevada.

“Nós sabíamos que nosso café era bom, mas não tínhamos a menor ideia de que era tão bom assim. E foi assim até começarmos a disputar esses concursos, há cerca de cinco anos. Descobrimos o quão valioso ele é”, diz Afonso de Abreu Lacerda (que não é parente de Tarcisio) em frente a um armário cheio de troféus.

Em 2012, quando a Forquilha do Rio venceu um dos principais prêmios do país, eles conseguiam vender um de seus lotes por US$ 950 (R$ 3,5 mil), mais que seis vezes o preço da commodity à época.

Hoje, a fazenda exporta seu próprio produto final, com sua marca, para China e Japão.
Revolução dos jovens

A “revolução do café gourmet” ocorre, em parte, graças a Jhone, de 26 anos, filho de Tarcisio.

Quando tinha apenas 15 anos, ele largou a escola e se mudou para a propriedade da família, determinado a aprender tudo sobre o mercado do café.

A cada temporada, pai e filho experimentaram diferentes formas de colheita, secagem e torrefação de seu produto.

Jhone desenhou, construiu e patenteou um novo equipamento para secagem – responsável, em boa parte, por tornar grãos commodity em café gourmet.

Ele também se tornou um Q-Grader licenciado – ou seja, parte de uma categoria altamente qualificada de provadores de café.

Pai e filho começaram a desenvolver sua marca, a Fazenda Santa Rita, após comprarem torrefadoras. Agora, comercializam seus próprios pacotes.
Imposição do mercado

O principal desafio de Jhone Lacerda era produzir café de qualidade pronto para o consumo e, com isso, deixar de depender do mercado das commodities.

“Essa mudança de curso foi algo que o mercado nos impôs. Nós estávamos acostumados a depender do preço das commodities, de aspectos como quanto café as pessoas estavam bebendo em outros países ou se esses locais estavam em crise ou não”, diz ele.

“Queremos fazer parte de um setor menor, mas que não depende apenas da demanda. No mercado do café especial, não é a demanda global que determina o preço. É a qualidade do produto que você oferece.”

Com esse pensamento, fazendeiros da região estão atuando em conjunto para elevar a qualidade de seus produtos.

E Jhone tem um papel importante: ele usa suas habilidades de provador Q-Grade para aconselhar todos os produtores vizinhos sobre qual preço cobrar por sua produção.

Com outras duas famílias, ele criou o Montanhas do Caparaó, um mix de alguns dos melhores cafés da região, que já venceu um dos principais prêmios do país.

Jhone agora está de volta à escola: ele estuda a produção do café no Instituto Federal do Espírito Santo.
Brasil importa o café brasileiro

Segundo seu pai, o Brasil finalmente acordou de um sono de séculos e sente o cheiro de seu próprio café especial. Seus pais, diz, jamais pensaram nisso.

O país é, de longe, o maior produtor e exportador mundial de café. Cerca de um terço do café mundial vem de terras brasileiras – mas praticamente tudo isso é composto de grãos verdes, com valor agregado muito baixo.

A Alemanha, por exemplo, não colhe café, mas é um dos maiores exportadores globais. Ela importa grãos crus e os transforma em marcas finais, as quais vende para outros países por preços altos.

O valor que o Brasil agrega a seu café é tão baixo que o país importa exatamente os mesmos grãos que exporta – uma lógica que desafia os economistas.

Esse é o caso da mistura que está dentro das cápsulas da marca Dolce Gusto, da Nestlé. Grãos verdes do Brasil são enviados à Alemanha e ao Reino Unido para serem transformados em cápsulas. Essas mesmas cápsulas são, então, exportadas para o Brasil, onde são vendidas aos consumidores locais.

A Nestlé está mudando isso e planeja abrir sua primeira fábrica do produto no país ainda neste ano.

“O Brasil sempre foi o maior produtor e um dos maiores consumidores de café e, por isso, nunca teve de se preocupar em cuidar da qualidade do produto para seus próprios consumidores”, afirma Tarcisio Lacerda.
Tendência

No mercado commodity, o preço dos grãos verdes de café depende de fatores como o clima e o consumo mundial.

Mas outros tipos de commodities – como grão de soja e minério de ferro – estão sofrendo, por exemplo, os efeitos da desaceleração da economia chinesa.

Como o Brasil e a América Latina dependem severamente das commodities e do consumo na China, toda a região acaba, por consequência, afetada. As estimativas são que economia brasileira tenha uma retração de mais de 2% neste ano.

O chefe do departamento de relações exteriores do Ministério da Agricultura, Alberto Coelho Fonseca, afirma que produtores de diferentes áreas estão agora tentando agregar valor aos alimentos e exportar produtos refinados como estratégia para compensar a queda dos preços no mundo.

“Um café especial pode ser vendido a um preço 300% maior que o do café comum. Mesmo que eles ainda sejam uma parte muito pequena das exportações, as técnicas de produção de bons cafés especiais podem se espalhar pela cadeia.”

No mercado de aves, afirma Coelho Fonseca, empresas brasileiras estão contratando cortadores de carne japoneses para consultoria sobre como produzir cortes “premium” no país antes de exportá-los para o Japão.

Agora, o governo quer ajudar essas marcas “premium” a decolar no exterior.

Na Olimpíada do Rio, no ano que vem, haverá espaços para promover o café especial produzido no país nas Casas Brasil, espaços dedicados a divulgar o turismo brasileiro.

“Cerca de 70% do café preparado por marcas (estrangeiras) como Starbucks, Café Nero e Costa certamente vem do Brasil. Nós precisamos mostrar melhor nossos produtos.”
Turismo

Na Serra do Caparaó, os produtores locais encontraram uma outra forma de agregar valor a seus produtos: o turismo.

Fazendeiros abriram cafeterias e hostels nos quais visitantes podem fazer tours de degustação de café, inspirados na experiência dos produtores de vinhos do Vale de Napa, na Califórnia.

O trabalho ainda está no início, mas já ajuda a consolidar a reputação da região.

Cafés especiais são uma relativa novidade no Brasil. Cafeterias gourmet têm sido abertas em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Muitas delas já carregam as marcas da Caparaó.

Jhone e Tarcisio Lacerda têm grandes planos. Metade dos grãos de suas fazendas já são usados para produzir seu café especial. E, a cada colheita, eles experimentam novas técnicas de produção.

Em apenas cinco anos, percorreram um longo caminho. Mas Jhone Lacerda diz que eles estão apenas começando.

“Nós queremos produzir o melhor café do mundo. Nós queremos que a região da Caparaó se torne reconhecida em todo o mundo.”

 

BBC
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