Por Celso Luis Rodrigues Vegro, Eng.Agr.MS Desenvolvimento Agrícola Analista de mercado de commodities agropecuárias
Elaborar políticas públicas requer amplos conhecimentos técnicos sobre o papel do Estado, especialmente em um país que adotou o liberalismo econômico como premissa de sua administração. Toda intervenção deve ser, necessariamente, pautada pelos incentivos, preferencialmente contra cíclicos, mobilizando a iniciativa privada em investimentos adicionais capazes de viabilizar ganhos de escala no crescimento econômico e na ampliação do bem-estar de sua população, notadamente, dos menos favorecidos (foco na redução da heterogeneidade social). Quatro pilares devem ser considerados: a) abrangência; b) oportunidade; c) desenho; e d) eficiência alocativa. Nos últimos anos, foram agregados a esse desenho, ainda, diretrizes de sustentabilidade socioeconômica e ambiental, tornando-se fundamentos na destinação dos recursos.
Nos últimos cinco anos, o mercado de café exibe cotações declinantes nas duas bolsas internacionais de comercialização do produto (Figura 1). Em contrapartida, os custos de produção no Brasil têm sido ascendentes, especialmente os gastos com mão de obra e fertilizantes (Figura 2).
Tais trajetórias têm descapitalizado os cafeicultores. A permanência de lavouras de sequeiro e com colheita manual é economicamente questionada. A conjuntura de preços deprimidos e custos em ascensão mobiliza o segmento no pleito por políticas que permitam a manutenção da renda em defesa da cafeicultura. Dentre as políticas debatidas entre as lideranças do segmento, duas têm sido mais alardeadas: a) PEPRO invertido; e b) opções públicas.
O Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO) consiste em subvenção concedida diretamente aos produtores rurais quando o preço por eles recebido encontra-se abaixo do preço mínimo de referência estabelecido para a cultura. Em março de 2019, o Conselho Monetário Nacional autorizou elevação dos preços mínimos de referência para o café (arábica = R$362,53/sc. e conilon = R$210,13/sc.). Portanto, pelas diretrizes da Política de Garantia de Preços Mínimos, não há ainda possibilidade de lançamento de PEPRO para café, pois as cotações atualmente se situam acima dos R$410,00/sc. para arábica e dos R$280,00/sc. para o conilon.
Diante dessa dificuldade para constituir um PEPRO convencional, as lideranças políticas e setoriais criaram uma nova modalidade, denominada de invertido. A proposição consiste em subvencionar em R$50,00/sc. aos cafeicultores que conseguirem comercializar seu produto somente quando obtiverem oferta de compra entre R$438,00/sc. a R$488,00/sc. para arábica, e entre R$278,00/sc. a R$328,00/sc. para conilon¹. Esses limites de preços buscam alavancar as cotações no mercado interno. A chamada inversão ocorre na medida em que para obter subvenção o cafeicultor precisa, voluntariamente, reter o produto para forçar a alta nas cotações. Qualquer preço recebido abaixo ou acima da faixa determinada perderia o direito de receber a subvenção. A delimitação de faixas atende ao princípio de que temos diversas cafeiculturas no território brasileiro e que um valor seco poderia beneficiar ou prejudicar uns e outros.
Como não há previsão dessa ação pública no orçamento da CONAB, os parlamentares da frente do café/agricultura precisarão incluir o PEPRO invertido no orçamento da União de 2020 (limitado pelo teto dos gastos). Diante do atual cenário de deficit fiscal do governo federal, são remotas as possibilidades de êxito dessa proposição.
A engenhosidade da política proposta é bastante atraente. Todavia, sua operacionalização deverá ser de difícil execução. A comprovação do recebimento na faixa de acesso ao benefício dependeria da apresentação da nota fiscal emitida pelo comprador do produto (cooperativa, trader, indústria, corretor etc.). Esse mecanismo pode criar fábricas de notas fiscais com lançamento de preços contabilmente majorados, mas financeiramente deprimidos, visando rachar com o comprador parte da subvenção obtida pelo cafeicultor.
Uma alta de preços fictícia com intuito de capturar a subvenção distorce o mercado, podendo gerar quedas nas cotações ainda mais acentuadas no futuro. Mais coerente seria elaborar estratégia, de convencimento da autoridade monetária, de que os preços de referência estão abaixo dos custos médios de produção, demandando sua correção. Com preço reajustado, a possibilidade de operar PEPRO na forma clássica seria caminho menos tortuoso para promover a estabilidade de renda do segmento.
No caso das opções públicas, o comprador da opção de venda é o produtor e/ou suas cooperativas, sendo o vendedor da opção a CONAB. Quando o produtor compra uma opção de venda, ele adquire o direito (mas não a obrigação) de vender o produto a um preço de exercício, estabelecido pelo governo. Caso o comprador exerça a opção, o governo (vendedor da opção) é obrigado a comprar. No leilão da opção de venda, o produtor e as cooperativas oferecem seus lances para ajustar o prêmio a ser pago pelo direito de vender ao governo.
As opções de venda representam política pública moderna, pois se vale de mecanismos de mercado enquanto instrumento de garantia de preços e, consequentemente, de renda. Havendo previsão de recompra da opção, ou seja, liquidação financeira do título adiciona flexibilidade para a política, cessa o interesse/espaço para receber o produto.
Nas duas edições anteriores de opções de venda (safras 2009 e 2010), calculou-se o preço de exercício oferecido pelo governo a partir do preço mínimo vigente acrescido de 10% a título de apoio à comercialização e expectativa de aumento do preço pelo mercado, mais o custo de carregamento (custos de armazenagem, financeiro e de registro) entre o período de colheita e a data de exercício. Determinou-se ainda que a embalagem do café a ser entregue, em caso de exercício, fosse de sacaria de juta nova, com ressarcimento pela CONAB. O ICMS teve o mesmo tratamento das operações comerciais feitas no mercado à vista, enquanto o custo de transporte até o armazém autorizado caso ocorra o exercício da opção corria por conta do cafeicultor. Entretanto, a cada real de incremento dos preços da opção de venda, o governo carrega mais risco com a operação, pois se tais preços não forem alcançados dentro de prazo estipulado, o prejuízo do tesouro com a operação é quase certo.
A oportunidade da adoção da política de opções públicas para compra de café precisa ser analisada mediante quatro condicionantes fundamentais para a tomada de decisão: a) preços vigentes no mercado físico; b) fase do ciclo bienal da cultura; c) patamar dos estoques públicos do produto, e d) regras para a desova dos estoques adquiridos em caso de exercício.
A corrente safra brasileira é de ciclo de baixa no calendário bienal da cultura. Ainda assim houve incremento dos estoques mundiais. Caso não ocorram distúrbios climáticos de significativo impacto sobre as lavouras ao longo do segundo semestre de 2019 e primeiro trimestre de 2020, a próxima safra tenderá a ser maior que a atual (ciclo de alta). Esse cenário é muito desfavorável para a alavancagem das cotações internacionais do produto. Sob tal conjuntura, haverá maior resistência das autoridades responsáveis em sustentar um programa de opções públicas, pois normalmente a intenção perseguida é a de lançar o plano quando as expectativas são altistas para a evolução das cotações, trabalhando a política na antecipação do fenômeno, minimizando as chances do exercício da opção ainda que contemple a liquidação financeira.
Caso a construção do consenso aponte para o lançamento de opções públicas, será imprescindível estabelecer as regras de desmobilização dos estoques no mesmo protocolo que assinalou as opções de venda, legitimando a decisão e conferindo maior transparência para a política.
Os parâmetros de qualidade da bebida também podem gerar grandes dificuldades para implementação de leilões de opção de venda para esse ano. Houve muita desuniformidade na maturação dos frutos, refletindo-se em dificuldade de produzir lotes com qualidade exigida (normalmente tipo 6 bebida dura). Para preparar lotes aptos para entrega em caso de exercício da opção, os cafeicultores terão custos adicionais de rebenefício de seu produto para alcançar a padronização exigida, recebendo pelo resíduo da separação eletrônica valor muito aquém do preço que vier a ser estipulado. A depender do preço determinado para o exercício da opção, caso seja adotada, a venda de um lote bica corrida poderá ser mais vantajosa.
Mais uma vez, por hipótese, havendo o exercício do volume contratado, os demais players desse mercado terão que comprar o produto disponível não vinculado ao programa. Se a quantidade estabelecida pela política for capaz de influenciar a formação dos preços (algo bastante difícil de ser alcançado por meio de uma política unilateral) haverá incremento dos custos de aquisição de matéria-prima por parte dos torrefadores, solubilizadores e exportadores. Portanto, pode surgir resistências por parte de elos importantes dessa cadeia no apoio ao pleito das lideranças.
Sendo o governo único vendedor, assume isoladamente o risco de preço. Sob essa condição, o prêmio pago pelo direito de venda produz prêmio muito inferior ao que seria praticado pelo mercado com mais participantes. Planejar, no escopo da política, progressiva transferência do risco para os agentes privados (contraparte dos produtores), de modo a alcançar um mercado de opções privadas mais desenvolvido no país, seria fortemente recomendável. Uma alternativa seria o governo subsidiar uma parte do prêmio negociado no mercado a ser pago pelo produtor, deixando que o próprio mercado se desenvolva e assuma o risco.
Aparentemente, implementar PEPRO convencional (sem a jabuticaba da inversão) seria a ação mais racional do que lançar opções, enquanto política pública para a futura safra, pois permite dimensionar o gasto efetivo com a política e cabalmente estabelece a decisão em subsidiar o cafeicultor sem causar impacto os demais elos da cadeia.
¹Essas faixas de preços são indicativas e poderão ser alteradas com o avanço dos debates entre os parlamentares e lideranças do segmento.