O Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) é uma contribuição social devida pelo empregador rural, incidente sobre a receita da comercialização de seus produtos, seja pessoa física (alíquota de 1,2%) ou jurídica (alíquota de 1,7%), ou da agroindústria (2,5%). Este tributo sempre causou polêmica e foi objetivo de diversas ações judiciais buscando sua inconstitucionalidade.
Em 2011, o Funrural havia sido declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal que, posteriormente, em 2017, decidiu que tal contribuição é constitucional. Isto porque, para a Corte, a Lei 10.256/2001 supriu a inconstitucionalidade formal ao “restabelecer” a cobrança tributo.
Polêmicas passadas à parte, dada a constitucionalidade atual da questão mencionada acima, outra possível inconstitucionalidade veio à tona relacionada a esta contribuição social. O Funrural é cobrado tendo como base de cálculo a receita decorrente da comercialização dos produtos rurais (pelo art. 195, II, “b”). Hoje ainda há a opção da folha de pagamento como base.
Ocorre que o art. 149 da Constituição Federal, que é o dispositivo que estabelece a competência exclusiva da União para criar contribuições sociais, em seu parágrafo 2º, inciso I, traz uma imunidade ao dispor que “[as contribuições sociais] não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação“.
A Receita Federal, por sua vez, no intuito de sempre aumentar a arrecadação, não só tributa as exportações indiretas (aquelas em que há um intermediário entre o produtor e o importador do produto), mas também tentou positivar essa tributação, no art. 170, parágrafos 1º e 2º, da Instrução Normativa nº 971/2009, que dispõe que a imunidade prevista na Constituição para essa situação, só se aplicava as exportações diretas.
Diante da flagrante violação, duas demandas surgiram com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade destes dispositivos da IN, e consequentemente interromper a cobrança do Funrural nas receitas decorrentes de exportações indiretas, aquelas em que o produtor rural vendia seus produtos para um empresa comercial exportadora, e esta tratava da exportação do produto para outro país.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.735, proposta pela Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), e o Recurso Extraordinário (que se tornou o “leading case” do tema), proposto pela empresa Bioenergia do Brasil S/A, foram as demandas que, em plenário do STF do dia 12 de fevereiro de 2020, resultaram na produção da seguinte tese de repercussão geral (Tema 674): “A norma imunizante contida no inciso I do parágrafo 2º do artigo 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação, caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária”.
Dessa forma, além de determinar a inconstitucionalidade daquelas normas da Instrução Normativa da Receita, ficou definido pela Suprema Corte, com repercussão geral, ou seja, obrigatoriamente seguido por todas as instâncias do Judiciário, que a imunidade prevista na Constituição, para as contribuições sociais (nesse caso, o Funrural) incidentes com base na receita proveniente de exportações, se estende também quando a exportação é feita por meio de empresa intermediária exportadora.
A fundamentação da decisão é no sentido de que não se pode tratar a venda de produtos para empresas exportadoras (trading companies), com o objetivo de exportá-los, como operação interna. Ora, pouquíssimos são os produtores que exportam seus produtos diretamente para o exterior, de modo que tal distinção prejudica demasiadamente aqueles produtores que precisam de um intermediário para enviarem seus produtos a outros países, podendo assim disputar também tais mercados.
Agora, já existe um movimento para exclusão do passivo do Funrural e para que os produtores que pagaram por essa cobrança irregular, sejam ressarcidos. De qualquer forma, mesmo que o Governo regulamente a forma de ressarcimento desses produtores (o que provavelmente não será logo), é perfeitamente possível e seguro, tendo em vista tratar-se de inconstitucionalidade confirmada pelo STF e ainda em sede de repercussão geral, que os prejudicados por essas cobranças ingressem com ações judiciais buscando a restituição dos valores pagos nos últimos 5 anos, bem como a interrupção das cobranças a partir de agora.
Por Caio Francisco Fiorot, Advogado Tributarista e Trabalhista, OAB/ES nº 33.663
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